Elza e Mané: a vida, o amor e a morte

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Manoel Francisco dos Santos, conhecido pelo mundo como Mané Garrincha, foi o mais glorioso ponta e o maior driblador da história do futebol.

Mané é o responsável pelo termo “irreverência” ser usado no universo da bola. Talhou pessoalmente, em cada lance e em cada drible o uso da palavra, até que ela fizesse sentido. “Drible desconcertante” é outra terminologia possível apenas por conta de sua existência. Aliás, irreverente e desconcertante foi sua a propria vida.

Natural de Pau Grande, distrito de Magé, Garrincha talvez seja um dos nossos heróis mais improváveis. Mané foi amaldiçoado com quase todas as mazelas mais comuns, sobretudo à época, de nossa gente.

Nasceu pobre, passou fome e viveu analfabeto e alcoólatra. Mas não só. Também era estrábico, deficiente da pelve e das duas penas – condições que o fizera ter uma perna 6 centímetros menor do que a outra.

O maior ídolo da história do Botafogo e um dos maiores da seleção brasileira morreu há exatos 39 anos como nasceu e viveu boa parte de sua vida.

Trazer dois títulos de Copa a esta nação ou ser considerado mundo a fora um gênio inimitável, não garantiram um segundo sequer de justiça e conforto ao anjo das pernas tortas.

Mas se foi feliz um dia, e Mané foi, essa alegria tem nome, sobrenome e canta: Elza Soares.

Elza Gomes da Conceição, nossa Elza Soares, foi uma das maiores intérpretes da música brasileira em todos os tempos.

Dona de uma voz única e potente, foi idolatrada nos quatro cantos do mundo e reverenciada por grandes nomes da música em todos os tempos. De Louis Armstrong a Tom Jobim.

Carioca, Elza nasceu no único lugar cujo nome faria jus a sua beleza, a favela da Moça Bonita, no bairro de Padre Miguel. Porém, quando perguntada por Ary Barroso de onde veio, respondeu que nasceu no planeta fome. Elza Soares foi íntima da dor e do sofrimento.

Aos 12 anos de idade fora obrigada por seu pai a se casar com o homem que a abusou sexualmente. Com ele teve dois filhos, que perdeu para a fome e uma terceira filha sequestrada e achada 30 anos depois.

A paupérie impediu a cantora de cuidar de suas crianças, razão pela qual, talvez, tenha cuidado de Mané como se fosse um rebento seu.

Elza encontrou Garrincha maltrapilho, alcoólatra e sujo. Levou-o para sua casa, o amou profundamente e ofereceu-lhe os vinte melhores anos de sua vida.

Mané correspondeu amando-a mais ainda, claro, pois tinham muito em comum: nasceram predestinados a tirar o sustento da capacidade de ajudar o povo brasileiro a suportar batalha contra seus fantasmas.

E assim viveram: como dois brasileiros, até mais do que deveriam. Foram sustentáculos de dois pilares formadores da nossa cultura: o samba e o futebol, com Elza gingando nas rodas e Mané sambando nos campos.

Quis o destino, brincalhão que só, que Elza viesse a morrer hoje, aos 91 anos, no exato mesmo dia que seu grande companheiro.

O pior é que não há outro Garrincha, muito menos outra Elza disponível. Precisa-se de novos, pois os fantasmas permanecem.

Fonte: Portal Disparada

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