Gustavo Felicíssimo: Nova Evocação do Recife

Felicíssimo realizou um poema criador, como uma releitura do Evocação do Recife

O poeta Gustavo Felicíssimo comentou a Nova Evocação do Recife com estas palavras: 

“O poema nasceu do meu espanto ao ver na TV uma reportagem sobre o Recife, onde aparece, em destaque, uma imagem daqueles monstruosos arranha-céus no Cais de Santa Rita, quando, então, disse para mim mesmo: ‘Essa não é a melhor imagem do Recife!’. E quando fui reler Evocação do Recife, do (Manuel) Bandeira, num spleen, essa Nova Evocação surgiu como um modo de emular e homenagear o poeta maior, ao mesmo tempo em que atualiza a imagem do Recife atual, pelo menos a do Recife que conheço e percebo.”

Para mim, com a Nova Evocação do Recife, Gustavo Felicíssimo realizou um poema criador, como uma releitura do Evocação do Recife. E desse modo ele paga um tributo à melhor poesia brasileira, ao mesmo tempo que faz uma ponte até a poesia marginal do Recife, no que ela tem de inventiva rebeldia. E me recolho, porque a poesia pede passagem. 

NOVA EVOCAÇÃO DO RECIFE
(Gustavo Felicíssimo)

Recife!
Não aquela das torres gêmeas no Cais de Santa Rita
mas o Cais de Santa Rita
        o Mercado de São José
        o Mercado das Flores
Recife do Marco Zero, da Torre Malakoff e da Praça do Arsenal
onde Fatinha começou a frevar de sombrinha na mão
e se encantou por Alceu cantando Anunciação

        Tu vens, tu vens
        Eu já escuto os teus sinais

Eu quero o Recife dos mangues
o Recife do Manguebeat, dos Caranguejos com cérebro

Eu quero o Recife de Josué de Castro
que um dia quebrou o meu crânio quando disse:
metade da humanidade não come;
e a outra não dorme, com medo da que não come.

Eu não quero o Recife da fome
Eu quero o Recife solidário, não o Recife solitário

Eu quero o Recife do Ocupe Estelita

Eu quero o Recife que encontro na nostalgia de Urariano Mota
mas não quero crer, embora não possa, no assassinato de Soledad Barrett

Recife e sua mania de grandeza
Recife do Capibaribe encontrando o Beberibe para formarem o mar
Recife da maior avenida em linha reta do Brasil
da Sinagoga mais antiga das Américas
e do primeiro observatório astronômico também

Recife de Vicente Yáñez Pinzón
que chegou ao Brasil muito antes de Cabral

Recife de Alberto da Cunha Melo
que não era do Recife, mas de Jaboatão

Recife de Gilberto Freyre e Pena Filho

Recife, irmã sanguínea de Olinda, onde existem os Quatro Cantos
onde está edificado e resistente o glorioso Bar do Peneira

Recife, enfim, onde não nasceu o meu avô
onde a rua da Aurora continua a se chamar rua da Aurora
onde tudo continua, Poeta, impregnado de eternidade

(Bahia, 13 de julho de 2020)

  • Gustavo Felicíssmo é poeta e editor da Mondrongo. Seu mais recente livro é Oratório das Águas (Poesia, 2019)

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