João Pinheiro e Sirlene Barbosa, autores da biografia em quadrinhos da escritora Carolina de Jesus, conversaram com Jeosafá Fernandez, colunista e colaborador do Portal Vermelho. Na entrevista, João e Sirlene falam sobre como surgiu a ideia e a elaboração do livro, vencedor do prêmio especial do Festival de Quadrinhos de Angoulême, o mais importante do mundo do gênero, uma espécie de Cannes do HQ.
Publicado 18/01/2019 18:35 | Editado 13/12/2019 03:29
Jeosafá Fernandez: Como e quando pintou a ideia de produzir uma HQ sobre Carolina Maria de Jesus?
João Pinheiro: Essa primeira você sabe, porque estava em casa num domingo, quando tivemos a ideia. Eu e você estávamos finalizando nossa HQ, adaptada do clássico de Victor Hugo, A Lenda do Belo Pecopin e da Bela Bauldour. Conversávamos durante um cafezinho e pintou a ideia por causa do centenário de Carolina Maria de Jesus, em 2014.
Sirlene Barbosa: E olha que a gente nem tinha aberto a cerveja ainda (risos). Eu já trabalhava as obras dela nas escolas em que lecionava, então, quando fomos comemorar a finalização de Pecopin e Bauldour, à noite, num barzinho perto de casa, em Itaquera, a ideia desabrochou, as imagens vieram na cabeça do João e o texto e o contexto meio que pintaram na minha cabeça, porque minhas aulas sobre Quarto de Despejo, o livro mais famoso dela, nunca saem da minha.
A ideia teve boa receptividade?
JP: Em que pese a deixa dos cem anos de nascimento dela, não. Inclusive você levou o projeto para algumas editoras em que você trabalhava, mas elas não se interessaram ou não podiam naquele momento.
SB: Mas as pessoas com as quais conversávamos achavam a ideia ótima, e isso nos dizia que estávamos no rumo certo.
Vocês ficaram desanimados com as negativas iniciais?
JP: A recusa das editoras nos fez cair na real de que em três meses não seria possível produzir sequer uma HQ condensada para o centenário da autora. Em vez de desistirmos, chegamos à conclusão de que era possível fazer algo relevante, mas não no limite de tempo escasso para as comemorações do centenário. Continuei a fazer os estudos gráficos.
SB: Eu avancei na pesquisa bibliográfica e ficamos atentos a projetos de financiamento. Então surgiu o Programa de Ação Cultural (Proac), no qual nos inscrevemos: Bingo! Fomos um dos dez contemplados. A partir daí, começamos a trabalhar no livro pra valer, pois havia um prazo a respeitar.
Como foi esse turbilhão?
SB: Primeiro, aprofundamos a pesquisa. Lemos todos os livros dela e tudo a que tivemos acesso: revistas e jornais antigos, pesquisas acadêmicas, internet. Viajamos para Sacramento, em Minas Gerais, cidade natal de Carolina, onde visitamos o acervo municipal, onde se encontra depositada grande parte dos originais da escritora: cadernos, objetos pessoais, fotografias etc. Visitamos também o colégio Allan Kardec, no qual ela estudou por dois anos e, acompanhados por um historiador, o local onde ficava casa, hoje um terreno coberto de milharal sem quaisquer indicações sobre a antiga residência da mais ilustre cidadã do município.
Tiveram algum contato com herdeiros de Carolina?
SB: Sim. Ao retornar a São Paulo, entrevistamos Vera Eunice, filha de Carolina. Após essa maratona, caímos de cabeça no trabalho “braçal”. Traçamos juntos o argumento, conversamos bastante sobre a mensagem geral que pretendíamos transmitir, produzimos texto e imagens…
JP: Eu produzi o roteiro gráfico, dividido por sequências, cenas e quadros, aproveitando a experiência que tínhamos acumulado na produção de Pecopin e Bauldour e com nossa atividade cineclubista (o clima “noir” da HQ vem daí, do cinema).
Então primeiro vieram as imagens, depois o texto?
JP: Não, desenho e escrita vieram ao mesmo tempo, tendo-se já uma sequência de cenas pré-estabelecidas.
SB: E as discussões sobre a vida e a obra dela continuaram, concomitante com a produção dos desenhos e do texto.
Por que em preto e branco?
JP: Tem o lance do cinema, como disse, mas também porque sou fã de quadrinhos em P&b.
SB: Além disso, P&b ressalta o desenho e o impacto realista, que queríamos enfatizar.
Quanto tempo durou isso tudo?
SB: A pesquisa é bem anterior ao Proac. Eu já realizava leituras intensas e pesquisas para produzir minhas aulas sobre Carolina.
JP: Mas a produção do livro, concretamente, durou um ano, que era o prazo do programa.
Como está a repercussão da HQ?
JP: Muito acima das nossas expectativas. A começar pelo lançamento, que esgotou os 250 exemplares no próprio dia.
SB: A Carolina tem uma força impressionante. Nos primeiros segundos que a gente começa a falar dela, quando somos convidados por causa da HQ, as pessoas ficam paralisadas. O impacto é proporcional em sentido inverso à força que o “mercado editorial” faz para ela ser esquecida. Uma mulher e uma escritora como ela incomodam o "coro dos contentes".
Como é que Carolina em HQ foi parar na França, onde arrebatou o prêmio especial do júri do Festival de Angoulême, considerado maior do gênero no mundo?
JP: A editora que lançou Carolina lá é a mesma que já tinha traduzido a minha HQ sobre Burroughs alguns anos antes. Ambas foram por meio de nossos editores da Veneta. Lançar a HQ no Brasil foi difícil, mas conseguimos, com sucesso. A edição francesa foi algo muito além do que prevíamos, e mostra a força que o nome dela tem. Saber que nosso gibi circula pela Europa, em idioma francês, faz a gente feliz, por termos podido colaborar um tiquinho para difundir a obra dela e para torná-la conhecida por novas gerações de leitores. Ajudamos a remover o véu de esquecimento com o qual queriam cobri-la, o prêmio ajuda nisso.
Jeosafá: Essa HQ tem trazido muitas alegrias a vocês…
JP: E como!
SB: Agora, o presidente Lula solicitar, lá da masmorra de Curitiba, nosso livro foi o maior prêmio de todos. Se o Lula não tivesse sido eleito em 2002 e subido a rampa em 1o. de janeiro de 2003, eu não teria cursado e me formado em Letras, me tornando professora concursada do município de São Paulo, eu não teria feito o mestrado em Letras na PUC, tendo você como um dos professores examinadores da minha banca
Essa é a parte que depõe contra seu currículo…
SB: Qual?
Eu ter sido membro de sua banca de mestrado na PUC (risos).
SB (risos): Sem o governo Lula não teria iniciado meu doutorado, que paralisei momentaneamente por razões de saúde de meu pai e do João, eu não teria escrito este livro, eu não estaria nas condições sociais e econômicas mais dignas nas quais eu me encontro. O Lula mudou a vida deste país, mudou a minha vida, eu faço parte dessas mudanças, eu sou uma das pessoas abraçadas pelas políticas públicas do presidente Lula. Eu fico muito emocionada quando penso nisso. Não é justo o que estão fazendo com o nosso presidente.
JP: E eu não teria me tornado quadrinhista caso seu governo não tivesse existido.
SB: Digo o mesmo sobre minha trajetória de professora, pesquisadora e escritora. É revoltante o que estão fazendo com maior líder brasileiro vivo. O golpe avança, mas nós continuamos a gritar Lula Livre!
Quais são os próximos passos?
JP: Estamos iniciando um novo trabalho em conjunto. Também sobre um escritor de enorme importância para nossa literatura.
SB: Você sabe quem é, Josa, mas não vá bancar o X9, hein! (risos).
JP: Você é da quebrada… e sabe o que acontece com cagueta.
Tô sabendo kkkk.