Mario Benedetti: Aquela boca

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"Esa Boca" Ilustração:n David de las Heras

O entusiasmo de Carlos por circo já vinha de muito tempo. De dois meses talvez. Sim, dois meses podem representar um longo, insondável processo quando sete anos são toda a extensão de nossa vida e o mundo dos adultos ainda nos aparece como uma abundância de coisas indecisas divisadas através dum vidro fosco. Seus irmãos mais velhos já tinham ido duas ou mesmo três vezes ao circo e já imitavam com minúcia as graciosas desgraças dos palhaços e as contorções e equilíbrios dos parrudos. Também os colegas de escola já tinham ido e não perdiam a oportunidade de se rirem envaidecidos à lembrança desse golpe ou daquela pirueta.

Carlos não se dava conta de que eram exageros destinados somente a ele, a ele que não podia ir ao circo porque seu pai lhe tinha por muito impressionável, achando que o menino podia comover-se demasiadamente ante o risco inútil que corriam os trapezistas. No entanto, Carlos sentia como que uma dor no peito sempre que pensava nos palhaços. Cada dia lhe parecia mais difícil suportar a curiosidade de poder vê-los com seus próprios olhos. 

Assim, na primeira oportunidade, decidiu falar com seu pai, não sem antes haver preparado com cuidado a pergunta.

– Não teria… – ele disse, cauteloso. – Não teria um jeito de eu ir algum dia ao circo?

Quando se tem sete anos, toda frase mais ou menos longa acaba parecendo simpática, de modo que o pai se viu obrigado primeiro a sorrir, depois a explicar-se.

– Não quero que vejas os trapezistas – disse.

Ao ouvir a explicação do pai, Carlos se sentiu verdadeiramente a salvo; ele não tinha interesse algum pelos trapezistas.

– E se eu fosse embora antes de entrarem os trapezistas? – inquiriu.

– Bom – pensou o pai. – Neste caso sim.

Com a anuência do pai, a mãe comprou duas entradas para o sábado à noite. Foram.

De saída, apareceu uma mulher vestida numa malha vermelha, a equilibrar-se sobre um cavalo branco. Ele esperava os palhaços. Aplaudiram-na. Depois surgiram uns macacos que andavam de bicicleta. Mas ele esperava os palhaços. Outra vez aplaudiram. Apareceu então um malabarista. De início, Carlos arregalou os olhos, mas não tardou muito a encontrar-se bocejando. Novos aplausos, fim do ato. Agora sim – os palhaços!

O interesse de Carlos então não podia ser maior. Eram quatro os palhaços, dois deles eram anões, dois grandes. Um dos grandes deu uma cambalhota, bem igual àquelas que seus irmãos imitavam. Um dos palhaços anões se enfiou entre as pernas de um dos grandes, e este de imediato lhe deu um sonoro tapa no traseiro. Quase todos os espectadores riam agora, e alguns meninos, mais atrevidos, já se adiantavam aos palhaços, representando-lhes as facécias antes mesmo de eles as realizarem. Os dois anões agora se entrançavam na milésima versão de uma rixa absurda, enquanto o menos cômico dos grandes os estimulava a chegarem às vias de fato. Foi então que o segundo palhaço grande, que sem sombra de dúvidas era o mais cômico de todos, acercou-se das grades que limitavam o picadeiro, e Carlos o pôde ver assim, próximo de si, tão próximo que lhe foi possível distinguir a boca cansada do homem, sob o riso pintado e fixo de palhaço. Por um instante o pobre artista, voltando o rosto para a plateia, viu aquela carinha assombrada e lhe sorriu, de modo quase imperceptível, com seus lábios verdadeiros. Mas já os outros três palhaços estavam concluindo o ato, e o palhaço mais cômico foi correndo unir-se a eles para as cacetadas e saltos finais. Agora todos aplaudiam com entusiasmo, mesmo a mãe de Carlos.

Como na sequência entrariam os trapezistas, para cumprir o combinado a mãe tomou Carlos do braço, e ambos foram embora. Agora sim, ele tinha visto o circo, como seus irmãos e os colegas da escola. Sentia, porém, o peito vazio, não se importando com o que diria no dia seguinte. Seriam então por volta das onze da noite, e porque suspeitasse de algo errado, a mãe de Carlos lhe trouxe até a zona iluminada de uma vitrine. Passou-lhe devagar, como se não pudesse crer, a mão nos olhos, perguntando em seguida se ele estava chorando. Carlos não disse nada.

– É por causa dos trapezistas? – ela quis saber. – Tu querias ver eles, meu filho?

Não era nada disso. Que absurdo! Que lhe importavam os trapezistas!? Então, para derribar o mal-entendido, explicou-lhe que chorava sim, mas porque os palhaços não o faziam rir.

Nota:

Mario Benedetti, “Esa boca”, in: Montevideanos. 3ª ed. México: Editorial Nueva Imagen, 1980, pp. 41-42. (Primera edición uruguaya: Montevideo, 1959). Conto de 1954.

Para o centenário de nascimento do grande escritor uruguaio.

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