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Sergio Vaz: O milagre da poesia

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Ontem aconteceu o lançamento do livro “caminhos poéticos da periferia”
com os jovens do CRAS/Scândia de Taboão da Serra, Grande São Paulo.
Se deus realmente existe eu não sei -“… não me esforço para
acreditar em deus, esforço-me para que ele acredite em mim”-, mas eu
sou testemunha viva deste milagre. O Milagre da poesia.


 


 



Sabe um daqueles dias que você vive como se o mundo fosse exatamente
como sonhou, e que todas as mazelas que afetam a dignidade humana,
principalmente os jovens e as crianças, fossem extintas da humanidade?
E que se a gente procurasse o significado da palavra “desigualdade” no
dicionário, estaria escrito apenas: “algo ruim que aconteceu no século
20 “, simples assim ? Ontem foi um desses dias.


 


 


Tudo começou com umas oficinas de poesia caminhando pelas ruas do
bairro, com uma turma de meninos e meninas de 15 a 17 anos, uns vinte
e tantos, monitorados pela madrinha Eliete Mendes, a grande mentora do
milagre, mas sem querer ser a santa, apenas um ser humano tocado pela
generosidade, e pelo amor à educação.


 


 


Aí, quando o poema se instalou nos olhos da molecada, ela mais do que
depressa, antes que o fogo se apagasse, incendiou o coração deles com
uma proposta de escrever um livro com as poesias que fossem surgindo
nas oficinas, o que ela achou que seriam poucas. “Se ferrou.”


 


 


Os poemas não paravam de chegar, parecia que todas as gavetas, onde
eles dormem, tivessem sido abertas ao mesmo tempo, e no mais bom e
belo estilo da magia que só os jovens sabem o segredo, e eles
começaram a rodopiar a esmo pela sala como pássaros que fogem da
gaiola, que mal conseguem controlar a liberdade.


 


 


Diante desta benção e desta chuva de palavras despertas, ela ria pra
mim com dentes enormes, que mais pareciam teclas de máquina de
escrever, e eu, incrédulo pelo poder da literatura, ajoelhei-me diante
da minha arrogância, e agradeci pela lição do dia: ninguém nada pode
contra um sonho. Contra o amor.


 



No lançamento do livro a comunidade, os amigos e os parentes destes
“escritores da liberdade da periferia” compareceram em massa na
Associação de bairro do Pirajuçara, quase cem pessoas, para prestigiar
estes jovens, que apesar de tudo e de todos que atravancam seu caminho
ainda escrevem poesia.


 


 



Como este milagre está acontecendo na periferia, quase ninguém vê. Nem
São Tomé. Nem a Virgem Maria. Sei não, acho que um deus é pouco para
tanta gente.


 


 


Pensei nisso tudo nesta terça-feira enquanto eles autografavam o meu
livro, enquanto eles carregavam o seu primeiro livro nas mãos. Mais o
mais bacana de tudo é que o primeiro livro que eles vão ler, é de
poesia, e o melhor de tudo, escrito por eles. E para eles.
Ah, que sensação divina ver estes diabinhos caminhando no céu por cima
da terra…


 


 


Perguntei para uma garota o que ela estava sentindo por conta do
livro, e ela me disse:


 


 


-Tô com mó urgulho de mim.


 


 


-Eu também.


 



Amém? De jeito nenhum.



Notas



Este livro teve o apoio cultural da Cooperifa e da Eurotur Turismo


 


Fotos do lançamento do livro no blog:
www.colecionadordepedras.blogspot.com