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Tantinho da Mangueira e do Brasil

Quando morre um poeta a gente chora e ainda mais esse poeta de Mangueira.

Foto: Reprodução do Instagram

O sambista Silvio Modesto me disse nesta segunda-feira (13), pelo telefone, que Tantinho da Mangueira era “simpático, educadíssimo, dono de uma bela voz e um bom parceiro”. Impressões de quem conhecia Tantinho “de vista”, dos tantos encontros que o samba promove pela vida, disse Silvio. Mais velho quatro anos que Tantinho, ele foi surpreendido com a partida do mangueirense, que faleceu neste domingo de páscoa aos 72 anos.

Quando morre um poeta a gente chora e ainda mais esse poeta de Mangueira. Então fui revirar minhas lembranças pra mais uma vez estar perto dele que foi um dos sambistas que mais me impressionou como cantor, como astral na roda, com essa carga de ancestralidade no samba e por ter se dedicado uma vida inteira a honrar suas origens.

A última vez que vi Tantinho cantar ao vivo foi há um ano em São Paulo, lado a lado com o sambista e compositor “Paulibucano” Toinho Melodia e o conjunto Picafumo. Interpretou “Linguagem do Morro”, de Padeirinho e Ferreira dos Santos, entre outras. Sem esforço, com elegância, lindo e com a propriedade de quem sabe o que está dizendo. 

Tantinho da Mangueira (de chapéu) e Toinho Melodia (reprodução)

Reverente à sua gente, Tantinho gravou em 2009 um cd independente dedicado a seu ídolo Padeirinho. Este, compositor fundamental da história da Estação Primeira, se formou compositor a partir do ambiente na Mangueira vendo, como Tantinho viu, ídolos como Nelson Sargento e Xangô da Mangueira. Em 2006, Tantinho lançou o primeiro cd chamado “Tantinho, Memória em Verde Rosa”, onde registrou composições dos anos 30 aos 60 que estavam apenas nas lembranças dele e de alguns músicos e moradores do morro.

Pandeirinho da Mangueira

Tantinho aprendeu a amar o morro de mangueira, a escola de samba e a sua comunidade a partir da vivência desde a infância nas rodas de samba e partido alto. Passou pela avaliação de mestre Cartola aos 13 anos para ingressar na ala de compositores e aos 16 se tornou “crooner” quando passou a cantar ao lado de Jamelão nos desfiles. 

Tive o privilégio de assistir bem de perto o Tantinho da Mangueira em pleno estado de samba em duas ocasiões, ambas na roda de samba do grupo Inimigos do Batente, em 2003 e em 2008. Meus amigos, o homem trazia o Brasil inteiro no canto e na presença. O Brasil das comunidades negras que tiveram tudo negado pelas elites brasileiras de açoite na mão. Tantinho sorria o riso dos redentores: “Com sorriso e farra é que o negro escarra nas feições do feitor”, diz o Aldir Blanc em uma parceria com o Moacyr Luz.

Xangô da Mangueira (à esquerda), Beth Carvalho e Tantinho (de branco) no Espaço Cuca da UNE

Mas realmente foi no projeto Anhanguera Dá Samba que Tantinho, que era o convidado dos Inimigos do Batente de fevereiro, pintou e bordou em verde e rosa. Assim como em 2003 explodi de felicidade ao ver Xangô e Tantinho pela primeira vez ao vivo, muita gente ali naquele 29 de fevereiro de 2008 também via Tantinho pela primeira vez. Ele cantou acho que por mais de uma hora, contou histórias, um herói nacional. Um mito. De verdade. Não esses falsos que andam por aí.

Cartaz do projeto Anhanguera Dá Samba em 29 de fevereiro de 2008

Tantinho partiu no tempo de renascimento. Quem sabe o Brasil gere novos Tantinhos. Ah, como eu queria que fosse em Mangueira, Leci. Quando morre um sambista, o ajuntamento, a cantoria não tem hora pra acabar, seja no bar, no cemitério, no velório. Como é que faz gurufim na quarentena? Tô com um samba na ponta da língua pra cantar pra ti, Tantinho. “Sabe quem eu sou, eu sou a Mangueira…” Com muito afeto, do mesmo jeito que dedicastes pra mim um autógrafo em 2009, no Anhanguera Dá Samba: “Railidia com carinho e amizade do amigo Tantinho”. Obrigada, Tantinho da Mangueira e do Brasil.

Fonte: Portal CTB

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