As pedras no caminho da retomada do desenvolvimento

Por Luciano Coutinho*
A extraordinária reversão – em apenas três anos e meio – da profunda vulnerabilidade cambial da economia, herdada da segunda metade dos anos 90, mudou qualitativamente a prospectiva brasileira. A melhora das contas externas – que

Falta, porém, enfrentar estes obstáculos internos. Estará ao alcance da vontade política do novo governo e do novo Congresso criar as condições para – finalmente – iniciar um novo ciclo de desenvolvimento, sustentável e a uma velocidade de crescimento do PIB compatível com o potencial brasileiro que é, pelo menos, de 5% ao ano?



Os obstáculos são conhecidos



Os obstáculos são mais que conhecidos: precariedade das finanças públicas e carga tributária sufocante. A precariedade das finanças públicas decorre de uma elevada dívida mobiliária do Tesouro e do Banco Central (mais de 50% do PIB), curta e com alta participação de títulos diariamente indexados à taxa Selic – cujos salgados encargos de juros têm representado 8% do PIB. Esse estado de vulnerabilidade financeira é perpetuado pela continuidade do déficit público (hoje de cerca de 3% do PIB) que obriga o Tesouro a depender persistentemente de mais dívidas onerosas.



É imprescindível fechar esse déficit o quanto antes, para que se possa implementar uma redução segura, não-inflacionária e significativa do patamar da taxa de juros. O ganho fiscal de uma redução expressiva da taxa de juros será altamente recompensador. Vejamos. Os encargos de juros da dívida pública em 2006 alcançarão cerca de R$ 157 bilhões. Uma redução substancial da taxa de juros pode significar uma economia de encargos de mais de R$ 85 bilhões no biênio 2007- 2008.



Mas, para obter esses resultados, será indispensável conter o veloz crescimento das despesas correntes do setor público. Até o presente só foi possível evitar uma completa implosão das finanças públicas porque a carga tributária veio sendo continuamente aumentada, viabilizando a sustentação de um elevado superávit fiscal primário (nos últimos anos próximo a 4,5% do PIB). Mas, esse expediente inequivocamente se esgotou: a pressão tributária se tornou contraproducente, pois reduz a rentabilidade dos investimentos e fomenta a informalidade. Por isso, doravante, o robustecimento fiscal e financeiro do Estado terá que passar pela criação de mecanismos de disciplina das despesas correntes – seja da ótica da sua qualidade (isto é, da sua eficiência e eficácia), seja da ótica quantitativa (isto é, do controle sobre seu montante).



Dentre as despesas correntes, deverão receber especial atenção os benefícios previdenciários, que são o item de maior peso e que têm crescido de forma mais preocupante. Esses benefícios tendem a se acelerar à medida que a população envelhece. Ocorre que desde 1988, quando entrou em vigor a atual Constituição, a esperança de vida média da população brasileira aumentou seis anos, e a perspectiva é de que a pirâmide etária continue a evoluir de um modo que tende a agravar as pressões sobre as despesas previdenciárias.



Ciclo de investimentos, a única via



O controle a longo prazo e a melhora da qualidade dos gastos correntes serão cruciais para recuperar a capacidade de investimento público, criando um contexto benigno de aumento de credibilidade da dívida pública e de expressiva redução da taxa de juros. Este é o passo crítico para alcançar desenvolvimento com inflação estabilizada, fundado no firme aumento da taxa de investimento (dos atuais 20% do PIB para perto de 25%).



O deslanche de um ciclo de investimentos é a única via que pode conciliar expansão acelerada da economia com preservação da estabilidade de preços pois, ao assegurar aumento da capacidade de oferta, os investimentos previnem a formação de gargalos inflacionários.



Elo que fecha o círculo virtuoso



A restauração da poupança pública é condição necessária a esse processo, pois uma parcela importante e urgente dos investimentos infraestruturais (rodovias, portos, energia, saneamento) só se viabilizarão se o setor público aportar capital direto (via empresas estatais) ou indiretamente (via PPPs). Este é o elo que falta para fechar o círculo virtuoso do desenvolvimento, pois do lado do setor privado as condições estão maduras e são favoráveis.



Com efeito, o setor privado se robusteceu financeiramente nos últimos anos, mesmo nos setores que haviam sido duramente atingidos pelas crises do passado recente (e.g. empresas do setor elétrico), e está pronto para acelerar seus investimentos. De fato, já se desenha um ciclo dinâmico de inversões nos setores beneficiados por preços externos favoráveis. São eloqüentes os exemplos da Petrobras e da CVRD, que executam portentosos programas de investimento. Os setores de siderurgia, metalurgia de não-ferrosos, sucro-alcooleiro, petroquímica, celulose-papel e outros agronegócios importantes já se lançam em estratégias arrojadas de inversão. Também no caso dos setores ferroviário e aeroportuário os investimentos estão bem equacionados.
Falta apenas um impulso de confiança e de crédito adequado para que se generalize uma onda de inversões privadas, que compreenda os bens de consumo (duráveis e não-duráveis) e chegue aos setores de bens de capital e à construção civil, de tal modo a dar consistência e sustentabilidade ao crescimento (sem pressões inflacionárias incontornáveis).



A articulação de um vigoroso ciclo de crescimento tornou-se possível. Não estamos condenados à “mexicanização”, mas para escapar dela é preciso empreender reformas no âmbito fiscal que permitam aumentar o investimento público, reduzir progressivamente a carga tributária, melhorar a qualidade da dívida mobiliária e reduzir significativamente a taxa de juros.



* Consultor e professor convidado da Unicamp; colunista do jornal Valor Econômico, de onde foi tomado este artigo;  intertítulos do Vermelho