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Batalha da mídia: as diferenças entre Argentina e Brasil

Vou escrever aqui sobre a Lei de Comunicações que acaba de ser aprovada na Argentina; e também sobre a nova pesquisa “DataFolha” que aponta grande aprovação à TV Brasil. São dois fatos importantíssimos, são parte da batalha da mídia na América Latina.

Por Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador

Mas, antes de entrar no tema, peço licença para abrir parêntesis e falar um pouco sobre nossa história. No enfrentamento com a mídia mais conservadora, há uma diferença clara de estilos entre o governo Lula e outros governos progressistas do Continente. De forma despretensiosa, faço a seguir algumas reflexões sobre o tema: essas diferenças teriam a ver com nossas raizes históricas?

É comum ouvir por aí que na História do Brasil não há espaço para revoluções, enfrentamentos, derramamento de sangue. Nosso povo teria uma “índole pacífica” – diziam os livros de Educação Moral e Cívica no fim dos anos 70 e início dos anos 80, quando eu tomei contato com o assunto nos bancos da escola.

Trata-se de grossa mentira. Índole pacífica? Trezentos anos de Escravidão foram resultado de “índole pacífica”. O massacre de Canudos revela também nossa índole pacífica? E o Quilombo de Palmares? E tantas outras rebeliões ou revoluções populares – com a dos Alfaiates na Bahia, ou a de Pernambuco em 1817?

Parece-me evidente que a tese do “povo pacífico”, ou da “história sem revoluções”, cumpre um papel puramente ideológico: esconder os conflitos, jogar pra debaixo do tapete a energia reformista ou revolucionária de nosso povo.

Os conflitos existiram, e seguem existindo no Brasil. Isso é uma coisa. Outra coisa é reconhecer que a forma brasileira de enfrentar os conflitos é – quase sempre – dissimulada. Mais um exemplo: há um sujeito por aí que quer convencer os brasileiros de que “Não Somos Racistas”; ele acha que assim vai evitar debates sobre nossa triste herança escravista. Coitado…

De onde vem essa tradição de esconder o conflito? Imagino que de nossa colonização portuguesa. E, nesse caso é bom frisar: de nossa colonização “portuguesa”, e não ibérica. Portugueses e espanhóis, nesse ponto, são muito diferentes.

Portugal, um Estado pequeno, sempre às voltas com o risco de virar mais uma província espanhola, passou séculos tratando os conflitos com habilidade e dissimulação. O professor Fernando Novais, numa obra clássica – “Portugal e Brasil na Crise do Antigo Sistema Colonial”-, dedica um capítulo inteiro a mostrar como a Coroa portuguesa jogava com interesses diversos para conseguir sobreviver como Estado independente: aproximava-se dos franceses para enfrentar espanhóis, depois aproximava-se dos ingleses para enfrentar franceses. E chegou ao cúmulo de mudar a sede do Império para o Brasil, em 1808, pra evitar o confronto com as tropas de Napoleão.

Os orgulhosos (e poderosos) espanhóis prefeririam morrer todos em combate do que fugir assim. Mas Portugal não podia se dar ao luxo do enfrentamento. Não tinha forças pra isso.

Esse é só um exemplo.

Essa tradição portuguesa, de alguma forma, se incorporou ao Estado brasileiro independente. Nossas elites preferem – sempre – levar os conflitos em banho-maria. É apenas uma tática. Não quer dizer que os conflitos sejam menos violentos. Quando necessário, usam a violência de forma aberta.

Falo de tudo isso porque acabo de ler que mais um país vizinho, a Argentina, comprou briga com a mídia conservadora. Os argentinos aprovaram a nova Lei de Comunicações. Ela restringe o poder das grandes corporações de imprensa.

O jornalista Altamiro Borges tem um livro muito interessante em que mostra como – na América Latina – a mídia se transformou num partido político que formula e repercute as teses mais conservadoras. Altamiro retoma Antonio Gramsci (o notável pensador marxista italiano), que costumava dizer: quando os partidos conservadores entram em crise, a imprensa assume esse papel de partido político da burguesia.

É o tal PIG (Partido da Imprensa Golpista), que o Paulo Henrique Amorim popularizou.

Na América Latina isso é evidente: na Venezuela o confronto é permanente (TVs e jornais participaram do golpe contra Chavez em 2002), na Bolívia, os jornais conservadores tratam Evo Morales com desprezo e, em alguns casos, com indisfarçado racismo; no Equador, Rafael Correa enfrenta dilemas semelhantes.

Equador, Bolívia e Venezuela decidiram enfrentar o problema de frente. Na melhor tradição espanhola. Agora, os Kirchner fazem o mesmo na Argentina.

É pau a pau. Conflito aberto. Batalha campal.

Pois bem. E no Brasil?

No Brasil o conflito é tão (ou mais) grave. Até porque aqui o capitalismo é mais sofisticado. Aqui a batalha não se resume a jornais e TVs conservadores de um lado contra governo progressista de outro. Há as teles (que podem se aliar a governo contra a mídia tradicional). Há um Estado com força pra investir (Lula anuncia a disposição de botar estrutura estatal pra levar banda larga até os rincões mais pobres do país).

No Brasil, o jogo é mais sofisticado, mais sutil, mais dissimulado.

Lula come pelas beiradas. Pulverizou verba de publicidade, fortalecendo a mídia regional. Isso irritou a imprensa tradicional. Um articulista de jornal paulista passou recibo, e escreveu um texto revelador.

Tudo isso está em jogo. Mas vejam agora que grande ironia: Lula (depois dos ataques sofridos durante a campanha de 2006) percebeu que precisava investir numa forte TV estatal. Criou a TV Brasil.

A imprensa conservadora detesta a TV Brasil. A “Folha” chegou a escrever editorial pedindo o fechamento da TV.

O que fez Lula? Foi pro confronto? Não. Mandou a TV Brasil encomendar à própria “Folha” uma pesquisa sobre a TV estatal.

É a típica saída brasileira. E qual a suprema ironia: o “DataFolha” acabou por atestar que a TV Brasil é querida pelo público, aprovada por 80% dos que assistem sua programação.

A TV Brasil tem muitas falhas. Problemas sérios de transmissão. Em São Paulo, é quase impossível captar a emissora, a não ser por TV a cabo… Mas trata-se de um projeto que precisa ser melhorado, e não destruído como quer o PIG.

Chávez, Correia, Evo e Cristina vão para o confronto. No melhor estilo espanhol. Lula é herdeiro da tradição luso-brasileira: come pelas beiradas, dissimula, e ataca sem dizer que está atacando.

São diferenças de estilo. Mas, lá como cá, a direção é a mesma: o consórcio conservador que dominou as comunicações no continente está sob ataque.

A batalha da mídia, hoje, é a mãe de todas as batalhas.