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FSM abre com debate sobre seus próprios rumos

A mesa de abertura do Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre foi marcada por um rico debate sobre a sua própria concepção e rumos. Alguns dos idealizadores do FSM discorreram sobre a metodologia do evento, defendendo-a, e representantes de movimentos sociais reforçaram a valorização da sua pluralidade, defendendo, entretanto, a busca de uma unidade dentro de toda a diversidade que caracteriza o evento. Ao lado do MST e da CUT, Olívio Dutra sintetizou: “temos que buscar centralidade sem centralismo”.


- Luana Bonone

A mesa foi composta por representantes de movimentos sociais, ONGs e lideranças indicadas pelas entidades organizadoras do “Seminário 10 anos depois: desafios e propostas para um outro mundo possível”. Com mediação da representante do Instituto Paulo Frenrei (IPF), Salete Camba, a mesa composta na Usina Gasômetro, em Porto Alegre (RS), contou com a presença dos brasileiros Francisco Whitaker (CBJP), Oded Grajew (Cives), João Pedro Stédile (MST), João Antônio Felício (CUT), Cândido Grzybowski (Ibase) e Olívio Dutra (ex-governador do RS). As mulheres à mesa eram todas estrangeiras, e falaram sobre o processo do FSM após a decisão de torná-lo itinerante. Eram elas: Lilian Celiberti (Uruguai), Raffaella Bollini (Itália) e Nandita Shah (Índia). Além dos convidados, a presidente de uma associação de mulheres indígenas também pediu a palavra e pediu atenção ao FSM à causa indígena.

“Maldição” da esquerda fragmentada

Foto: Luana Bonone
Francisco Whitaker, um dos idealizadores do FSM

Whitaker defendeu a ideia de que a esquerda tem uma “maldição”, que seria uma tendência à divisão. E colocou à reflexão se a vocação do FSM não seria justamente enfrentar essa questão. Para ele, o FSM cria grandes “praças públicas”, espaços de debate e articvulação espontânea entre pessoas, ideias e organizações, que deve ser valorizado por si só, visto que entende o FSM como um momento de “reflexão engajada do movimento altermundialista”. Outro adepto desta visão mais difusa de FSM, Cândido Grzybowski valorizou a decisão do FSM ter se tornado itinerante e o fato de ter gerado, a partir desta decisão, diversos movimentos espontâneos, em diversos locais do mundo, e defendeu que um dos elementos principais que o Fórum trouxe foi “trazer e questionar protagonismos e deternimismos da nossa cultura de esquerda”, argumento que foi sustentado pela italiana Raffaella Bollini, que defendeu que a diversidade reunida no Fórum contrapõe uma visão puramente econômica do mundo do que ela chamnou de “esquerda tradicional”.

Oded seguiu na mesma linha, assertivando que o objetivo do FSM é fortalecer a sociedade civil, para que todos aqueles que têm uma causa possam encontrar pessoas, ideias e movimentos afins e, a partir disso criar redes, movimentos e organizações. Contrapondo uma visão mais organizativa de entidades dos movimentos sociais, Oded afirmou que “Não se pode obrigar pessoas ou organizações a se juntarem. Isso não dá certo. Qualquer relação só dá certo quando é espontânea, quando atende a demandas e interesses de quem está nela”. E prosseguiu, dizendo que o FSM “não manda ninguém fazer nada” e que é preciso romper com uma “cultura patriarcal, de imposição, de competição, de conflito”. Irônico, Oded fechou dizendo que “devemos ser o mundo possível que queremos construir”, o que, para ele, deve estar expresso nas nossas ações cotidianas, e completou que “não devemos esperar que o papai Fórum nos diga o que fazer”.

Do vestiário ao jogo em campo

Foto: Luana Bonone
Olívio Dutra, que sintetizou a proposta de "centralidade sem centralismo" no FSM

Terceiro membro da mesa a se pronunciar, João Pedro Stédile utilizou uma ilustração bem conhecida do povo brasileiro: o futebol. Stédile argumentou que o FSM é a concentração, o vestiário, e que o jogo mesmo é decidido em campo, ou seja, nas batalhas encampadas pelos movimentos de massa, nas ruas. Para a liderança do MST, o FSM é importante, pois o momento da concentração, do vestiário, ajuda a decidir o jogo em campo. Sobre o “jogo” em si, Stédile fez diversas considerações, reforçando que a conjuntura mundial é marcada ainda pela “hegemonia total do capital”, apesar da crise. Ressaltou ainda que no Brasil esta hegemonia se expressa também no controle dos meios de comunicaçaõ de massa, e soltou: “a Globo passou 10 anos falando mal do FSM”. Por fim, avaliou que os movimentos sociais e a esquerda vivem uma “crise ideológica”.

Stédile reforçou os aspectos positivos da diversidade do FSM e resaltou que ele nasceu de forma coletiva e que é acertada sua característica de ser uma grande feira de debates onde todos se sentem convidados. Sua ponderação, entretanto, é que o Fórum teria caído num certo “democratismo” e completou: “quando todos fazem o que querem, não há disciplina”. Na avaliação da Via Campesina, segundo João Pedro Stédile, o FSM jogou ainda importante papel em uma derrota ideológica que o neoliberalismo teria sofrido nesta década. Em seguida, apontou as limitações que deveriam ser superadas pelo FSM: “não conseguimos acumular um programa mais propositivo, com ideias unitárias, que representassem um acúmulo de forças; não promovemos mais espaços de ação de massas em nível internacional após a ação de 2003 contra a guerra do Iraque; apesar de ajudar a impor uma derrota ideológica sobre o neoliberalismo, não aglutinamos no Fórum forças antiimperialistas”.

Stédile terminou sua intervenção convocando o conjunto dos presentes a participarem da Assembleia dos Movimentos Sociais do FSM, que ocorrerá na sexta-feira (29/1), a partir das 10h, na Usina do Gasômetro.

Na mesma linha de Stédile falaram ainda Olívio Dutra e João Felício. Para Felício, “o movimento de massas é a única alternativa para fazer pressão sobre governos”.

Foto: Luana Bonone
A indiana Nandita Shah, da National Network of Autonomous Women's Group

Mulheres no FSM

A uruguaiana Lilian Celiberti e a indiana Nandita Shah – que fez uma piada sobre a infelicidade de se ver obrigada a realizar sua intervenção em inglês para que fosse compreendida – falaram sobre o processo FSM itinerante e sobre o papel do movbimento feminista no mundo e seu papel na transformação de culturas e dentro do próprio processo do FSM.

De Porto Alegre, Luana Bonone