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 Moniz Bandeira contesta versões sobre a morte de Jango

Perto de relançar ‘O Governo João Goulart’, o cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira critica os defensores da teoria do envenenamento de Jango e não poupa nem familiares do presidente deposto.

Em meados de maio, a editora da Unesp relançará O Governo João Goulart, obra de referência do cientista político Luiz Alberto Moniz Bandeira. Em sua oitava edição, o livro ganhou dois novos capítulos, uma introdução sobre socialismo e trabalhismo no Brasil e um apêndice dedicado exclusivamente às teses sobre a morte do ex-presidente.

Em entrevista à revista Carta Capital, Moniz Bandeira refuta de forma veemente a tese do uruguaio Mário Barreiros Neira, a quem considera um criminoso comum que tenta não ser extraditado para seu país. Neira afirma que Goulart teria sido envenenado por ordem e acordo entre as ditaduras do Brasil e do Uruguai.

Já o historiador, que conviveu com Jango no exílio, tem poucas dúvidas de que o presidente deposto morreu de problemas no coração. Moniz Bandeira não poupa críticas à família de Jango, principalmente ao filho João Vicente, que busca indenização, no Brasil e nos Estados Unidos, por conta da conspiração que derrubou seu pai e do suposto assassinato. “A memória do ex-presidente está sendo dilapidada”, afirma nesta entrevista concedida por email (o professor aposentado da UnB vive atualmente na Alemanha).

CartaCapital: O senhor chama de “charlatanice” a tese de que João Goulart foi assassinado a pedido da ditadura brasileira. Por quê?

Moniz Bandeira: Não chamo de charlatanice a tese de que João Goulart foi assassinado. Chamo de charlatanice apresentar como verdadeira a versão de que houve uma Operação Escorpião para assassiná-lo. Não há prova documental ou outros depoimentos que a comprovem. Chamo de charlatanice atribuir a Vargas uma carta que ele nunca escreveu a Goulart, com uma frase inventada: “Jango, agora me pegaram. O próximo será você”.

Solicitei ao professor Oswaldo Munteal, que anunciou um livro sobre o tema e citou a frase “Jango, agora me pegaram. O próximo era você”, que apresentasse documento ou depoimentos a confirmar a Operação Escorpião, bem como a suposta carta de Vargas a Goulart. Ele não o fez.

CC: O senhor acha que há um motivo para ele não ter apresentado os documentos?

MB: Não o fez porque não existem. Até agora ninguém apresentou qualquer documento comprovando que houve a chamada Operação Escorpião. Ela só aparece no depoimento de Mário Barreiros Neira, delinqüente uruguaio preso no Rio Grande do Sul. Um depoimento sem comprovação documental ou outros depoimentos que o confirmem não tem valor jurídico nem acadêmico.

O que o Neira contou pode ser, no máximo, uma hipótese. Mas há outra versão, a do uruguaio Enrique Foch Díaz. Em 1982, na Argentina, e em 2000, no Uruguai, ele apresentou a denúncia da “morte duvidosa” de João Goulart, procurando comprometer a viúva, Maria Tereza Goulart, tema sobre o qual publicou um livro João Goulart – El crimen perfecto. É também hipótese. Considero ambas, tanto a versão de Neira quanto a de Díaz, inverossímeis e absurdas.

A única evidência é de que Goulart sofria de cardiopatia grave e faleceu, realmente, de infarto agudo do miocárdio. O problema cardíaco de Goulart, pela primeira vez, foi diagnosticado, em abril de 1962, durante sua visita ao México, como presidente do Brasil, quando ele desmaiou em meio a uma homenagem que lhe era prestada.

No Uruguai, exilado, teve um infarto em 1964 ou 1965, e outro em 1969. Um infarto muitas vezes não dá aviso. Meu pai estava muito bem, alegre, foi abrir a geladeira e caiu morto, instantaneamente. Um primo, conversando com a família, subitamente, caiu no chão morto.

Porém, admitindo-se a tese de que Goulart foi assassinado, hipótese por hipótese, qualquer uma é válida, ou para investigação. E uma investigação séria não se faz com sensacionalismo na mídia ou para escrever novela policial no estilo de Ian Fleming ou Agatha Christie.

CC: Quem é de fato Mario Barreiro Neira? Que participação ele pode ter tido no suposto esquema para assassinar o Jango?

MB: Ele estava muito bem informado sobre as atividades e costumes de Goulart, em virtude de seus vínculos com os órgãos de repressão, mas não era agente do serviço de inteligência do Uruguai. Era um rádiotécnico da polícia de Montevidéu e por isso teve bastante acesso às informações que circulavam pelos transistores de suas viaturas e delegacias.

Também participou de um grupo paramilitar de ultradireita denominado Garra 33, com o qual realizou diversos atentados, até que passou a trabalhar para uma “agencia de Estado” chamada Grupo Gamma.

Nos anos 1990, integrou a Superbanda (quadrilha de policiais criminosos), que atuou no Uruguai, e esteve envolvido com o tráfico de armas pesadas e diversos outros crimes. Seus antecedentes criminais são muitos. Ele fora preso, em 1996, em Bagé, onde cumpriu pena preventiva de 24 meses.

Libertado, voltou ao Uruguai e assaltou, em 1998, o Zoológico de Montevidéu, a sede do Hospital da Casa de Galicia, os escritórios de Oca y Plata Card em Paso Molino. Foi detido em Rocha (Uruguai), em frente à Alfândega de La Coronilla, com objetos roubados e equipamentos de telecomunicações.

Fugiu pelo Chuy, entrou no Rio Grande do Sul e foi capturado, pela segunda vez, em 1998. Evadiu-se. Mas, em 1999, voltou a ser preso, em flagrante, pela Polícia Federal brasileira, em Gravataí, por porte de arma e roubo de automóvel, juntamente com outro uruguaio, Ricardo Anacleto Ruiz Mendieta.

CC: Um bandido comum.

MB: E há mais. No domicílio onde se encontravam em Gravataí havia um arsenal de armas, munições, equipamentos de comunicação e anotações das freqüências de rádio da polícia estadual. Ambos estavam vinculados a assaltos a caminhões blindados da empresa Proforte S.A. Transporte de Valores em Canoas e Sapucaia de Sul, a um frustrado roubo de um avião no aeroporto de Rivera-Livramento e ao tráfico de automóveis no Mercosul.

Em maio de 2003, Barreiro Neira escapou do Instituto Penal de Mariante, onde cumpria pena em regime semi-aberto, depois foi preso por detetives particulares (seguranças de uma boate), entregue à Polícia Militar e, por equívoco, foi libertado.

Ainda em 2003, a Polícia Federal capturou-o outra vez e ele foi encarcerado na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas para cumprir uma pena de mais de 19 anos de prisão, sob o nome de Antonio Meirelles Lopes, constante de um documento falsificado que lhe valeu uma de suas condenações.

E com essa sua história sobre o assassinato de Goulart, Neira, alegando que se tratava de perseguição política, pretendeu evitar que o STF deferisse sua extradição para o Uruguai. Não foi aceita. O ministro José Neri da Silveira, como relator, não encontrou nenhum elemento de prova e o STF aprovou a extradição, que ainda não se consumou, pois primeiro ele tem de cumprir as penas a que está condenado no Brasil. Tudo isto eu demonstro, documentadamente, no apêndice que escrevi para a 8ª edição de “O Governo João Goulart”.

CC: Até que ponto os militares brasileiros temiam o retorno de Jango e de Brizola ao País após o golpe?

MB: Não me parece certo que os militares brasileiros temessem o retorno de Jango e de Brizola ao País. Eles nada poderiam fazer. Decerto seriam presos e, eventualmente, deportados. A formação de outros partidos que pudessem disputar legalmente espaço político com a Arena e o MDB ainda não era possível.

Àquela época, entre 1975 e 1976, o que se começou a excogitar foi a reorganização do PTB, mas não podia ser evidentemente legalizado. Eu estava a par da ideia, pois sempre ia ao Uruguai, inclusive porque pesquisava para livro. Meu tio, o escritor Edmundo Moniz, estava lá exilado. Nada, entretanto, havia de concreto e não implicava o retorno de Goulart ao Brasil.

Essa ideia eu levei adiante, com Brizola, quando o visitei na sua estância em Durazno, em junho de 1977, e, depois, quando o recebi em Nova York, após sua expulsão do Uruguai. Alguns falam da frente ampla com Jango, Juscelino Kubitscheck e Carlos Lacerda, que morreram mais ou menos àquela época. Esquecem que a Frente Ampla havia desaparecido havia oito anos, isto é, desde 1968, e não mais havia condições de ressuscitá-la.

Na realidade, Goulart não estava envolvido em nenhuma atividade nem influenciava nenhum movimento político, não representava qualquer ameaça ao regime. Cuidava dos seus negócios. E a abertura “lenta, gradual e segura”, que o presidente Ernesto Geisel pretendia, ainda não admitia a formação de novos partidos nem previa eleições diretas para a presidência da República.

CC: Em março de 2009, CartaCapital publicou documentos inéditos do SNI que estão com os herdeiros de Jango. Os papéis citam agentes infiltrados, colaboradores do SNI que conviviam com a família do ex-presidente. Um dos arapongas, segundo os documentos, teria apontados substâncias químicas que poderiam ser importadas e usadas para assassinar Goulart. O senhor conhece esses documentos?

MB: Conheço os documentos do SNI que o João Vicente (Goulart) obteve na Coordenação Regional do Arquivo Nacional, no Distrito Federal. Há relatos de agentes infiltrados, porém nenhum sobre substâncias que viriam de fora do País e poderiam ser utilizadas para a eliminação do ex-presidente, ao qual o professor Oswaldo Munteal se referiu, em reportagem publicada na revista.

Se existe esse documento, que ele o apresente. Quando revisava e ampliava a 8ª edição do meu livro, solicitei inúmeras vezes ao João Vicente que me enviasse os documentos que ele eventualmente possuísse e pudessem esclarecer a questão da morte de seu pai. Ele nunca o fez. Depois de muita insistência minha, enviou-me apenas duas cartas de seu pai, de caráter pessoal. Só isto.

E não encontrei, até agora, nenhum documento ou outros depoimentos, salvo o de Neira, com qualquer referência a substâncias venenosas para assassinar Goulart, embora a versão de que ele morreu em virtude de troca de medicamento começasse a circular logo após seu enterro, em 1976, sem, no entanto, qualquer fato concreto que a fundamentasse.

O professor Munteal tem que provar o que afirma. Numa entrevista a CartaCapital, disse que nos documentos em poder de João Vicente e que ele organizou há uma farta troca de correspondência sobre a liberação do passaporte para Goulart, até o momento em que o então ministro da Justiça, Armando Falcão, irritou-se e recomendou “de maneira contundente, a não liberação de sua entrada no País, pois não se responsabilizaria pelas alianças de no Exterior e as ameaças ao governo da revolução”‘. Gostaria de ver tal correspondência. Os documentos de que disponho mostram exatamente o contrário.

CC: E o que dizem esses documentos?

MB: Cito-os, aqui, com as devidas referências. Em resumo, eis o que dizem: “(…) Do ponto de vista, malgrado silente a lei brasileira, considerando sequer estar o ex-presidente com seus direitos políticos suspensos ou, salvo erro, estar respondendo a processo penal, e considerando ainda os interesses da segurança nacional em registrar sua movimentação, não vejo como negar-lhe, definitivamente, o passaporte requerido”. Parecer. a) Ronaldo Rebello de Brito Polletti. s/d.,Despacho: Despacho: “Pelos seus fundamentos, manifesto-me de acordo com o presente parecer do Consultor Jurídico, sem prejuízo, é claro, das medidas que o governo brasileiro possa adotar, a fim de acompanhar, na França, as possíveis atividades políticas de João Belchior Marques Goulart, punido pela revolução”. A. Falcão, em 27/8/1975. Anexos ao memo n° 181/si.Gob. Presidência da República. Confidencial. Do ch. Gab./SNI ao Sr. AC/SNI. Cópia de Informação para o presidente da República, de 21 de agosto de 1975/MRE (236).

Resumo: Pedido de passaporte para o o ex-presidente João Belchior Marques Goulart. a.p/ delegação , tenente-coronel Ary R. Carrasco Horne. “O consultor jurídico do Ministério da Justiça, no seu parecer ratificado pelo ministro da Justiça e aceito pelo presidente da República, observou que o passaporte é um documento de identidade, assim como a carteira de identidade no território brasileiro, e como tal incumbe ao fornecê-lo (…), acrescentando que a situação política de uma pessoa, em virtude de estar com seus direitos políticos suspensos ou residir, forçada, no exterior, não obsta a aquisição do seu passaporte”. Serviço Nacional de Informações – Agência Central – Informação n° 231/16/AC/75. Assunto; Concessão ou prorrogação de passaporte. Referência: memo 1405/SI-GA, de julho 75 e Informação 128/16/A/75. Difusão: CH/SNI. Fundo Serviço Nacional de Informações. Arquivo Nacional – Coordenação-Geral – Distrito Federal.

O professor Munteal, que não conheço e nada tenho, pessoalmente, contra ele, precisa ter cuidado com o que afirma. Um historiador, um acadêmico sério, não pode nem dever dar entrevistas, com supostas revelações de caráter sensacionalista, servindo a interesses que não são absolutamente os de estabelecer a verdade.

CC: Também em 2009 Maria Thereza Goulart falou à revista. Na entrevista cobrou investigação sobre a morte de Goulart. À pergunta direta “A senhora acha que Jango morreu envenenado?”, respondeu: “Tudo indica que sim”. O senhor tem alguma tese para a mudança de opinião da ex-primeira-dama?

MB: Maria Thereza Goulart, em entrevista ao jornal O Globo, publicada em 24 de agosto de 1982, declarou não permitir, em hipótese alguma, a exumação do corpo do marido e acusou nominalmente Leonel Brizola e José Gomes Talarico de pretenderem tirar vantagens políticas, explorando a versão do assassinato.

Sobre o motivo pelo qual não se realizou a autópsia do cadáver, um dos argumentos arguidos para a tese do assassinato, ela ponderou que esse fato era “absolutamente normal”, que a autópsia só é efetuada quando existem dúvidas sobre a causa da morte, e não foi esse o caso.

“Vi meu marido sofrendo o infarto” – testemunhou, salientando que “pouco depois de falecer, ele ficou com o lado esquerdo do peito inteiramente roxo, devido aos hematomas, o que confirma esta afirmação”. Ela contou que somente ela, Julio Vieira, o capataz da fazenda em Mercedes, e Roberto Ulrich, motorista, conviveram com Goulart “nos últimos 15 dias de sua vida” e considerou “sem qualquer fundamento” a hipótese de ter ele tomado remédio adulterado.

Por que ela mudou de ideia? Em 1982, quando ela declarou, com franqueza, que viu o marido sofrendo o infarto, o uruguaio Enrique Foch Díaz, que fora seu procurador, havia tentado comprometê-la como suspeita, apresentando denúncia de “morte duvidosa” de Goulart ante o juiz de Curuzú Cuatía, na província de Corrientes (Argentina), arquivada por falta de prova. Era uma calúnia.

Mas em 2000, quando Díaz, para promover seu livro – “João Goulart – El crímen perfecto” – apresentou outra vez à Justiça, dessa vez em Maldonado (Uruguai), a denúncia de “morte duvidosa”, outra vez com o fito de comprometê-la, Maria Thereza escreveu à Juíza Fanny Canessa, do Juzgado Penal 4º turno, que, se não morasse no Brasil e por outros motivos pessoais, iria processá-lo por difamação e calúnia, inclusive por atribuir-lhe “acusações a pessoas honradas”, em especial, Cláudio Braga. O Braga já estava a mover ação judicial contra ele e contou com todo o apoio da ex-primeira-dama, bem como de sua filha Denize.

CC: Qual a consequência?

MB: Díaz, em 25 de dezembro de 2002, foi condenado a sete meses de prisão por delito de difamação e seu livro, apreendido. Em 2003, porém, Maria Thereza e seus dois filhos, João Vicente e Denise, trataram de mover ação para responsabilizar os Estados Unidos pelos danos causados à família em 1964 e nos anos posteriores ao golpe.

Essa decisão, segundo João Vicente, foi tomada quando Lincoln Gordon, embaixador dos Estados Unidos no Brasil à época, admitiu em 2002 que a CIA havia financiado, nas eleições parlamentares de 1962, os candidatos da oposição. Engraçado, porque a informação de que a CIA financiara os candidatos da oposição em 1962 não era nova.

Em entrevista a Roberto Garcia, publicada na revista Veja de 9 de março de 1977, o próprio Gordon confessara que os Estados Unidos haviam financiado os candidatos da oposição a Goulart, acentuando que o dispêndio “certamente foi muito mais de 1 milhão de dólares” e “não ficaria surpreso se tivesse chegado a 5 milhões de dólares”.

Eu mesmo citei essa informação na página 69 da primeira edição do meu livro, lançado em dezembro de 1977. Parece que João Vicente nada leu e nada sabe. Declarou que, para sua “surpresa e indignação”, não ouviu manifestação nem de parte do presidente Fernando Henrique nem do presidente eleito, Lula” diante de tal confissão, o que o deixou “indignado, ultrajado, como brasileiro”.

Segundo transparece na sua entrevista a O Globo, publicada em 1º de julho de 2007, só então João Vicente soube da Operação Brother Sam. Os documentos sobre o plano de contingência, denominado a Operação Brother Sam – a esquadra que os Estados Unidos enviaram ao Brasil para apoiar o golpe de Estado – foram desclassificados e obtidos por uma pesquisadora americana, Philis Parker, em 1976.

Essa informação quem me deu, à época, foi Celina Vargas do Amaral Peixoto, diretora do CPDOC. Falei sobre o assunto com Goulart, em começo de novembro de 1976, e ele pretendia enviar-me aos Estados Unidos para pesquisá-los, mas faleceu cerca de um mês depois, em 6 de dezembro. O professor Francisco Weffort, no entanto, forneceu-me os documentos que trouxe dos Estados Unidos e eu utilizei em “O Governo João Goulart”.

CC: E daí…

MB: Após mais de três décadas, João Vicente, corajosamente, anunciou: “Nós vamos provar que houve intervenção” . Que grande novidade! João Vicente descobriu o que já estava descoberto, pretende provar o que está provado, e daí porque decidiu entrar com uma ação contra o governo dos Estados Unidos, cobrando a indenização 3,496 bilhões de reais (3 bilhões de reais por danos morais e 496 milhões de reais por danos materiais), e empenhou-se em difundir a tese do assassinato. Ele porém ignora que os Estados Unidos, ao longo de 110 anos, durante os quais depuseram abertamente 14 governos, nunca pagaram qualquer indenização a ninguém. De qualquer forma, a esperança é sempre a última que morre.

CC: Nos documentos do SNI cita-se um agente B, que compartilhava da intimidade dos Goulart no Uruguai. Muitos dizem que o ex-deputado Cláudio Braga, por muitos anos secretário particular do ex-presidente, pudesse ser esse informante. O que o senhor acha?

MB: Nunca houve dúvida de que o SNI, a CIA e outros serviços de inteligência do Brasil e do Uruguai sempre monitoraram as atividades de Goulart, desde que ele, Brizola e outros exilados, entre os quais eu, chegaram a Montevidéu em 1964. Não é surpreendente. Surpreendente seria se suas atividades não fossem acompanhados pelos órgãos de inteligência, não só da ditadura instalada no Brasil como dos Estados Unidos e também do Uruguai.

Quanto à intimidade de Goulart, ela praticamente não existia. Sua residência de Maldonado tinha a porteira aberta. Lá entravam mulheres e homens, amigas e amigos, de Goulart, Maria Thereza e João Vicente. Outros apenas conhecidos, muitos eventuais, apareciam, sem nenhum controle.

E é óbvio que havia agentes infiltrados entre os que costumavam frequentá-la ou mesmo mantinham com Goulart relações de trabalho ou de negócios. Na estância, onde estava o moinho, havia dezenas de empregados que igualmente recebiam pessoas de fora. Qualquer um – se é que somente um havia – podia ser chamado de agente B e lá ter acesso aos pertences e papéis de Goulart.

No churrasco realizado em 1° de março de 1975, quando completou Goulart 56 anos, compareceu, além de amigos, o ministro de Defesa do Uruguai, Walter Ravena (1973-81), acompanhado por vários agentes de segurança. Algum ou alguns, provavelmente, trabalhavam igualmente para o SNI.

Quanto a Cláudio Braga ser possivelmente o agente B é uma calúnia. Maria Thereza Goulart, em entrevista a CartaCapital, insinuou que era ele, porém, logo declarou que não era dele que estava falando, que não podia “acusar pessoas sem uma certeza” e tinha “medo de cometer um erro”. E o fato é que ela deu todo apoio a Cláudio Braga no processo contra Díaz.

Também, no mesmo ano, Danilo Groff, áulico de Brizola, foi condenado a um ano de detenção e à multa de 50 mil cruzeiros pelo juiz da 4ª Vara Criminal de Porto Alegre, por haver acusado Braga durante sua campanha para deputado no Rio Grande do Sul. Certamente Maria Thereza insinuou ser Braga o agente B porque ele não crê no assassinato de Jango, tese que depois se tornou conveniente defender, mas conforme a versão de Neira.

O que sei é que Cláudio Braga era homem de confiança de Goulart. Não residia no Uruguai. Morava em Buenos Aires, onde era o responsável pelo escritório do presidente deposto. Orpheu Santos Salles (sócio de Goulart) me contou que ele era muito cauteloso e rigoroso na escolha das pessoas nas quais confiar e permitir o ingresso no escritório. Também serviu a Maria Thereza e a Denize, de quem foi procurador, depois da morte de Goulart. Há muitas intrigas.

Sei muito, o bastante, sobre a vida de Goulart no Uruguai e na Argentina. Vivi exilado no Uruguai, em 1964 e1965, e lá estive muitas vezes, em 1975 e1976, quando morei algum tempo em Buenos Aires. Frequentemente ia a Montevidéu a fim de pesquisar para a minha tese de doutoramento, sobre o papel do Brasil na Bacia do Prata, e o livro sobre o governo de João Goulart, com quem conversei muitas vezes em Maldonado e em Buenos Aires. Sei o que se passava, conheço detalhes dos bastidores, mas não vou entrar em assuntos pessoais, em respeito à memória do ex-presidente, que outrossim está sendo dilapidada.

Fonte: Carta Capital