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Pedro Benedito Maciel Neto: Barbárie e Big Brother

Os fatos recentes que envolveram o tal Big Brother merecem reflexão sob o aspecto ético, sob o prisma das relações sociais e não sobre o aspecto criminal, especialmente porque a suposta vitima negou perante a autoridade policial qualquer violência ou ato não consensual.

Por Pedro Benedito Maciel Neto*

Então vamos lá. O fenômeno de audiência verificado no programa Big Brother da Rede Globo segue me surpreendendo, especialmente pela ausência absoluta de conteúdo e imensa inutilidade.

Eu me pergunto: como é possível algo sem conteúdo, forma ou objetivo claro despertar tamanho interesse nos telespectadores? Bem, acho que Paul Ricouer, na sua obra Interpretação e Ideologias, nos oferece uma boa pista, vivemos uma época de absoluta ausência de um projeto coletivo em nossas sociedades.

Aos povos, às sociedades como a brasileira, é dado o frágil direito de sonhar a equiparar-se aos Estados desenvolvidos, e a estes resta o aniquilamento das normas e o esquecimento das heranças culturais. Ou seja, os Estados, as sociedades subdesenvolvidas almejam equiparar-se a Estados que vivem a desconstrução de suas tradições, um tempo de diluição dos valores, um fenômeno que o filósofo francês chama de “esgotamento” da vida industrial avançada. Ou seja, há uma inegável contradição em curso que decorre da ausência de projeto coletivo, de um lado, e da exaustão do projeto de outra banda…

O Big Brother apenas reflete a absoluta ausência de projeto social, ausência de projeto de atuação individual na sociedade, uma atuação capaz de conhecer e transformar evolutivamente as relações, tornando-as generosas e grandiosas. Valoriza o egoísmo, o individualismo e a ausência de compromisso da Rede Globo com a construção de um país de valores éticos e progressistas.

O mérito do programa é – se é que isso é meritório – a meu ver, a capacidade de perceber e usar a ausência de projeto social, ausência de projeto de atuação individual na sociedade, preenchendo essa ausência com um entretenimento barato e bárbaro.

Bárbaro sim. Trata-se da barbárie interior, de perda do sentido do início da civilização, é reflexo do fim da história, negação da arte, falência da metafísica….

Programas como o Big Brother negam o sentido e a possibilidade de se construção ética de relações sociais válidas, porque nada é proposto, tudo é posto, não há criação, mas submissão à mediocridade.

Além da barbárie interior está presente também, de forma inexorável, a “morte de Deus” e a própria “morte do homem”. O programa submete os valores às regras, mesmo que cruéis, tudo vale a pena pelo prêmio… O prêmio? Dinheiro?

O Big Brother é verdadeira agressão às nossas inteligências, é usurpador das possibilidades, é um delito ético, para o qual não há hipótese legal ou consequência jurídica imediatas, mas consequências que decorrem dessa elevação do que é baixo, um niilismo negativo.

O que é dito, o que é passado ao telespectador como bom e válido é a submissão do indivíduo, da personalidade ao personagem, da vida à morte, temos a destruição da razão. Isso é barbárie. Disso nós não precisamos. Este programa é um desserviço à construção de uma consciência livre, libertadora, libertária e construtiva.

É valorizada a regressão do “eu” ao exterior do homem, e o humanismo, contraponto da barbárie, é desconsiderado.

Há ainda a barbárie dos sentidos (feritas), onde vivemos a destruição da possibilidade da percepção dos demais prismas que a existência proporciona a cada um e a todos; mais, temos a barbárie decorrente da ausência de reflexão, onde as “pessoas comuns” afirmam, pelas suas ações, a perda do sentido da existência, há uma inegável vacuidade… Assistir esse programa é como passear num shopping center ou comprar uma roupa de “grife”… Não há qualquer sentido nisso, é a deserção do indivíduo.

* é advogado e professor, sócio da Maciel Neto Advocacia e autor de Reflexões sobre o estudo do Direito, Editora Komedi (2007)