A participação dos 'jornalões' no golpe de 64

A participação dos veículos de comunicação na preparação do golpe de 1964 já é conhecida e registrada na história do Brasil por estudiosos, historiadores e jornalistas. Contudo, diante da marca de 49 anos da ação golpista, é bom tirar lições sobre o papel que a grande imprensa jogou e joga no país, observado com alta dose de displicência pelo ministro da comunicação do governo Dilma, Paulo Bernardo.

Por Ana Flávia Marx*

 O envolvimento e articulação dos dirigentes dos jornais começou logo após a posse do presidente João Goulart. Com o estímulo e financiamento de empresários que em boa parte eram de fora do país, foi fundado o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES), que além do capital externo, tinha como associados militares da Escola Superior de Guerra e donos de veículos de comunicação com o objetivo comum de “combater o plano de socialização dormente no seio do governo”.

Com a formação do IPES, estava sacramentada o agrupamento formal dos conspiradores para dar mais consistência às ideias engendradas pela elite e os deputados da UDN (União Democrática Nacional). A Folha de São Paulo em conjunto com o Correio da Manhã, promoveu o Congresso Brasileiro para Definição das Reformas de Base, que moldou a atuação das forças conservadoras no Congresso Nacional.

Frente a uma elite ainda vacilante, o veículo da família Frias incitava no editorial “Esses não se omitiram”, do dia 21 de janeiro de 1963 : “Será pouco provável que fique desaproveitado o fruto que vai surgir desse congresso de homens que não desejam se omitir, promovido e apoiado pela imprensa que igualmente não deseja omitir-se”.

A coesão das forças ditatoriais estava legitimada com os jornalões que pregavam ser “instrumento de utilidade pública”.

A articulação do golpe

Boa parte das discussões passava por Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, que abriu a sua casa para os conspiradores. A 14 dias do golpe, Chatô recebeu o dono do banco Bradesco, Amador Aguiar, para divulgar para outros banqueiros, empresários, militares e os donos dos principais jornais do país o artigo de sua autoria que seria publicado no dia seguinte.

Com toda a pompa de uma festa, Chatô convocou o narrador da Rádio Tupi, Lima Duarte, para ler o texto aos presentes:

“Só temos uma mensagem para mandar aos inimigos da paz pública. Será irmos para as ruas […] chuçar as hordas marxistas que o governo arregimenta e comanda, de acordo com os planos do comuno-nacionalismo. Somos nós que vamos assumir a ofensiva”.

Os ensaios do golpe serviram para unir Júlio de Mesquita Filho, dono do jornal O Estado de S. Paulo e Chatô, pois o primeiro não se conformava com o apoio dos Diários Associados a Getúlio Vargas e os dois mantinham uma briga anunciada em seus editoriais. Porém, depois de assistirem a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, no dia 19 de março de 1964, o dono do Estadão passou a frequentar a Casa Amarela e bureau do golpe, como era conhecida a casa de Chatô.
Para o jornalista Cláudio Abramo, a “nova amizade” era sinal de que o golpe iria mesmo acontecer. “A burguesia é muito atilada nessas coisas, não tem os preconceitos pueris da esquerda. Na hora H ela se une”, relatou Abramo em seu livro.

Júlio de Mesquista estava no centro da conspiração. Ainda em 1962, recebeu das mãos de Orlando Geisel, irmão de Ernesto Geisel, as normativas para após o golpe. O jornalista respondeu com uma carta cujo título era “Roteiro da Revolução”. O roteiro formulava as linhas e entrelinhas de como funcionariam as instituições brasileiras após o golpe.

Mesquita chegou a preocupar-se com o tempo em que os militares iriam ficar no poder, mas não insistiu na questão, que era considerada menor. No roteiro, o jornalista propôs o estado de sítio; uma limpeza nos quadros da justiça para esta não atrapalhar em nada e, entre outras “cláusulas” do contrato, a nomeação de ministros indicados por ele.

Depois de emitir o guia para a regulamentação do golpe, Júlio de Mesquita procurou o jurista Vicente Rao, ministro da justiça do Estado Novo para formulação de um Ato Institucional.

As coincidências entre o texto elaborado junto com Rao e o ato institucional de abril são muitas. Eles apontaram que o fechamento do Senado e do Congresso, a nomeação de interventores nos governo estaduais e a suspensão temporária de direitos constitucionais eram essenciais para a vitória do movimento em curso.

Os donos dos veículos de comunicação devem ter começado o dia 1º de abril com um café da manhã que tinha o sabor da vitória, enquanto borravam a história do país e a democracia brasileira com ignorância, violência, dor e sangue.

A “displicência” de Paulo Bernardo

Diante desses fatos que marcaram a democracia brasileira é extremamente importante absorver ensinamentos da história. O discurso do ministro da comunicação, Paulo Bernardo, reforça a confusão entre marco regulatório da comunicação e censura.

Em entrevista ao jornal Estado de S. Paulo, Paulo Bernardo diz que o “marco regulatório não pode ser confundido com controle da imprensa nem com nenhum tipo de controle de nada”.

O ministro incorporou a tese da mídia monopolizada que utiliza, inclusive, o exemplo de outros países da América Latina diariamente em seus jornais, para dizer que a proposta impõe a censura.

Por parte dos ativistas que, aliás, é muito mais amplo que o Partido dos Trabalhadores, não há nada de censura e controle prévio. Há, ao contrário, propostas que favorecem a consolidação do processo democrático do país.

Entre as propostas consta a pluralidade e diversidade na mídia; a restrição de monopólios e oligopólios, a unificação da legislação que é toda fragmentada, e até mesmo o direito de resposta sobre veiculações sem responsabilidades com a apuração real dos fatos.

Se Paulo Bernardo e a presidenta Dilma Rousseff não encarar o tema com a seriedade que merece, o governo brasileiro pode estar dando corda para que o IPES de outrora seja o Instituto Millenium de hoje, onde as discussões para intervenção formal já faz parte da pauta.

*Secretária municipal de comunicação do PCdoB, jornalista e pós-graduanda na Universidade de São Paulo (USP).