Livro mostra atuação de editoras de livros contra a ditadura 

No último dia 10 de dezembro, a Editora Publisher Brasil lançou “Livros contra ditadura: Editoras de oposição no Brasil, 1974 – 1984”, do historiador Flamarion Maués. O livro apresenta um quadro geral do surgimento e da atuação das editoras de oposição no Brasil nesse período, analisando o papel político e cultural que tiveram. 

Em entrevista a Revista Fórum, o autor relata que a obra procura "entender melhor qual é esse papel. Como as editoras, principalmente no período de abertura política, entre meados dos anos 1970 até meados dos anos 1980, tiveram essa atuação na oposição à ditadura".

De acordo com Flamarion Maués, "a partir de 1976 começam a aparecer vários livros com caráter de oposição, que denunciam as arbitrariedades, a precariedade, a política econômica, enfim, o regime. Esses livros vão aparecendo nesse período e, em geral, conseguem obter uma circulação razoável".

Confira a entrevista com o autor
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Fórum – Qual foi o papel das editoras na luta contra a ditadura?
Flamarion Maués – Esse livro tenta justamente entender melhor qual é esse papel. Como as editoras, principalmente no período de abertura política, entre meados dos anos 1970 até meados dos anos 1980, tiveram essa atuação na oposição à ditadura. A partir de 1976 começam a aparecer vários livros com caráter de oposição, que denunciam as arbitrariedades, a precariedade, a política econômica, enfim, o regime. Esses livros vão aparecendo nesse período e, em geral, conseguem obter uma circulação razoável.

Começam a aparecer também literatura, contos, romances. E todo um acervo mais histórico e político, e são livros com uma intenção política. Começa a aparecer a oposição parlamentar, do MDB na época, que coloca na forma de livros suas intervenções na Câmara Federal e no Senado e inclusive vira best seller na época. Também começa a reaparecer com bastante força toda uma literatura socialista, marxista, comunista, com a publicação de alguns marcos dessa área, Karl Marx, Lênin, Trotsky. Eles já eram publicados no Brasil, mas durante certo período foram saindo de circulação, e nesse período voltam a aparecer.

Esses livros tiveram o papel de voltar a proporcionar uma ampliação do debate. Isso já era promovido pela imprensa alternativa, mas esses livros e as editoras buscavam proporcionar um instrumento para possibilitar o aprofundamento desse debate. Dando embasamento teórico mesmo. E também para dar noção do que estava acontecendo no país, dos problemas gerais que a ditadura causou.

Fórum – Como essas editoras lidavam com a censura?

Flamarion – Antes disso, vou falar de uma coisa que dentro da concepção do livro foi muito importante. Procurei destacar a atuação dos editores e editoras que publicavam esse material. Porque você tem o autor, mas precisa de um editor para uma boa produção e para que o livro se torne público. Então procurei estudar o papel do editor e o que ele poderia proporcionar para que as obras tivessem outra dimensão. E não só isso, muitas vezes o editor toma a iniciativa de propor títulos aos autores.

A princípio isso parece ser bem difícil de entender. Boa parte desses livros de oposição não foram censurados. Aliás, poucos foram efetivamente censurados, o que não impedia que eles circulassem como se fosse uma situação normal e não ditatorial. O que acontece é que, em primeiro lugar, a ditadura já tinha dez anos e o serviço de repressão já tinha adquirido certa experiência em como lidar com esses setores de oposição. E de certa forma havia o entendimento de que dentro do setor de cultura e comunicação a área dos livros não era uma área prioritária. Havia muito mais preocupação com o cinema, teatro, e, principalmente, com a televisão. Eu até diria o rádio, mas o rádio também foi um caso diferente. O teatro, o cinema e a TV era o palco principal para o qual a censura estava voltada. E a imprensa. Tanto a grande imprensa quanto a imprensa alternativa.

Qual era o entendimento? Esses veículos de comunicação tinham a capacidade de chegar a mais gente e influenciar mais pessoas. Isso não quer dizer que com os livros não existiram problemas, tanto livros que eram considerados um atentado contra a moral e os bons costumes, quanto livros políticos, que em alguns casos foram perseguidos e em outros, censurados. Como o livro Em Câmera Lenta [de Renato Tapajós], que o próprio jornalista já foi preso. Talvez tenham em torno de 50 a 60 livros políticos que sofreram algum tipo de perseguição. E nem sempre essa perseguição era censura direta. Havia formas de perseguições muito mais eficientes, como a pressão à mídia.

Censurar produções artísticas tinha um efeito contraproducente à ditadura. Porque você acabava divulgando a peça, o livro, e se as pessoas não pudessem ver a peça ou ler o livro em função da censura, muitas vezes gerava uma curiosidade e uma possibilidade de circulação por baixo dos panos. Naquela época, não tinha aparatos para assistir filme em casa, então se proibissem no cinema ou na TV, você era impedido de assistir. O livro que era proibido conseguia circular eventualmente de forma clandestina.

Para concluir, não havia uma possibilidade de editar e fiscalizar todos os livros que eram lançados. Censurar livros também funcionava muito por denúncia. Uma pessoa portava um livro “perigoso”, e então uma carta era enviada para reportar à censura e pedir providências. Isso é documentado. Muitas cartas enviadas solicitando uma atitude à censura.

Fórum – Como essas editoras de oposição se organizavam e conseguiam se manter financeiramente?
Flamarion – A maior parte dessas editoras eram pequenas, que normalmente tinham problemas econômicos. Muitas vezes, vendiam poucos livros publicados, e tinham problemas para distribuir os livros. Eventualmente, elas tinham que atuar de maneira semiclandestina, enfrentando mais dificuldades que uma editora grande já enfrenta. Na maioria dos casos, era uma vida econômica muito conturbada, que dependia de um livro que fazia mais sucesso, e também dependia da solidariedade de certos grupos que tinham simpatia com a editora e com o trabalho que ela fazia e procurava dar algum tipo de apoio.

O fato é que a maioria dessas pequenas editoras de oposição desapareceu. Elas acabaram fechando, e só algumas conseguiram sobreviver. Agora, havia um grupo menor de editoras de oposição que era de porte médio ou até grande. A situação já era diferente, porque além de livros de oposição, publicavam livros de outras linhas. Algumas dessas editoras sobrevivem até hoje, como é o caso da Civilização Brasileira e da Global. São editoras maiores, com uma maior diversidade de livros e com uma melhor situação econômica. Em termos gerais, as editoras viviam em uma situação econômica extremamente precária.

Fórum – Qual era a relação dessas editoras com a imprensa alternativa e com os partidos clandestinos da época?

Flamarion – Variava muito de editoras. Tinham vinculações com partidos, Partido Comunista do Brasil, grupos trotskistas, grupos de esquerda, ou até com grupos que não eram de esquerda, e sim de caráter liberal com oposição a ditadura. É o caso da Paz e Terra, de um empresário chamado Fernando Gasparian, que era um empresário nacionalista, democrata e liberal que não concordava com a ditadura, por causa da internacionalização da economia brasileira. E foi um dos grandes editores desse período, e tinha também o jornal Opinião.

Havia muitos vínculos entre editoras e grupos de partidos políticos. No meu estudo, tem três editoras vinculadas a grupos de esquerda. Uma com o Partido Comunista, a Editora Ciências Humanas, outra com o Partido Comunista do Brasil, a Editora Brasil Debates, e a terceira, Editora Kairós, era ligada a um grupo trotskista, mais conhecido como Libelu (Liberdade e Luta).

Também havia ligações com a imprensa alternativa, que era o caso das editoras que derivavam da imprensa alternativa. A Versus, que era um jornal e criou uma editora, assim como outros casos. O Pasquim também criou uma editora, que era a Codecri, uma das editoras de mais sucesso nos anos 70. Em um mesmo terreno, circulava a imprensa alternativa que tinha uma maior repercussão.

Fórum – Como foi feito o trabalho de pesquisa dessas editoras? E qual foi o critério de escolha das três analisadas como estudo de caso?
Flamarion – Esse trabalho surgiu a partir de minhas lembranças desse período. Nos anos 1970 eu ainda era muito novo, tinha em torno de 15 anos, mas sempre acompanhei e tive curiosidade sobre esses livros que apareceram nesse momento. Depois estudei História, fui editor de livros também, e quando resolvi fazer o mestrado, achei que valia a pena estudar essas editoras. Fui tomando conhecimento da situação, vendo quantas eram, quais eram, onde estavam localizadas, Rio, São Paulo, Minas, Porto Alegre, principalmente… E qual era o perfil que elas tinham, se eram pequenas, grandes, mais ligadas a um partido ou a outro. Questões que me levaram a entender mais esse universo.

Optei por estudar editoras pequenas, porque era o perfil predominante, e por editoras localizadas em São Paulo, porque além de ser o palco principal, havia mais possibilidades de fazer essa pesquisa. Também tentando pegar editoras ligadas a grupos políticos. A partir disso, escolhi essas três editoras para tentar identificar o que havia de comum, o que havia de diferente, como as ligações com grupos políticos, as dificuldades que elas tinham, como elas se organizavam. Respondendo efetivamente a pergunta, há um critério subjetivo pela escolha dessas editoras. Poderiam ser outras, que teriam sido tão importantes como essas foram, mas na hora de escolher acabaram sendo essas três. 

Fonte: Revista Fórum