Juliano de Ávila: Partido Comunista, é preciso entendê-lo

O tema Partido é, muitas vezes, tratado de forma idealista, pois não é compreendido de forma dialética, portanto, em movimento. Escrevo isso de início, pois a construção e a atuação não se dão no mundo das ideias, ao contrário, ocorrem no mundo material; assim, estão sujeitas aos aspectos concretos, ou melhor dizendo, não é possível desconsiderar as dificuldades encontradas no cotidiano da atuação política e das leis do mundo concreto.
Por Juliano de Ávila*, no Portal da Organização

Qual a consequência de uma visão idealista de Partido? A consequência é uma visão deturpada a partir da qual cria-se uma imagem ideal e um modelo de Partido, os quais, muitas vezes, não correspondem ao tipo ideal projetado por nós. Isso acaba acarretando afastamento e críticas contraproducentes, pois o modelo não admite a existência de uma realidade concreta que impõe condicionantes, levando, portanto, a uma visão dogmática, sectária, messiânica e não raro, a posições oportunistas que acabam prejudicando o desenvolvimento partidário e a luta concreta.

O que leva a estas distorções? Podemos citar diversos fatores, entre eles o próprio conceito de partido ideal formulado pela burguesia, criado para modelar os partidos. Todavia, isso não significa que a burguesia siga esta ideia e tampouco os partidos, pois ela serve para criar, no imaginário do senso comum, um formato desideologizado e sem posição de classe. Dessa forma, é possível criar uma opinião negativa da política e dos partidos, englobando todos no mesmo patamar. Ou seja, se fugir do padrão ideal é porque realmente não presta e são todos iguais, desconsiderando aspectos estratégicos, organizativos e posições defendidas; ou melhor, os interesses que representa este ou aquele partido, reduzido tudo a uma luta entre o bem e mal, corruptos e não corruptos ou entre honestos e desonestos, como se na sociedade não existisse divisão de classe e fôssemos uma sociedade onde todos são iguais.

Além disso, serve para domesticar muitos partidos aos interesses da burguesia. Neste ponto é importante esclarecer que domesticar os partidos aos interesses da burguesia é tê-los com uma postura reformista, compensatória e oportunista com ausência de qualquer prática revolucionária e ímpeto transformador.

Outra forma equivocada é visualizar o partido a partir do que consideramos partido ideal. Tal tendência tende a desconsiderar o Partido, quando este não atende por inteiro suas expectativas, levando a ataques e posições oportunistas. Neste ponto é importante compreender que o Partido nunca atenderá em absoluto nossas expectativas, pois, se assim fosse, não seria nosso Partido, mas sim meu Partido e “meu” no sentido egoísta. Situação que significaria ter a militância à minha imagem e semelhança, e as pessoas pensariam e agiriam como eu, jamais haveria divergências e, quando houvesse, poderia classificar o discordante de oportunista, de indolente ou qualquer outro titulo pejorativo. Esse tipo de visão leva inevitavelmente a posturas de arrogância, intolerância e de desrespeito aos camaradas, os quais não têm a mesma forma de pensar, agir e ritmo de militância; enfim, não respeita a diferença. Claro que respeitar a diferença não significa ser tolerante com ações e práticas liberais nocivas ao Partido.

Por último, podemos destacar que o tipo ideal de Partido leva inevitavelmente à formação de militantes padronizados, ou seja, um partido ideal necessita de um tipo ideal de militante. Sendo assim, aquele que não se encaixar no perfil padronizado estará inevitavelmente no campo da pequena burguesia e do oportunismo, sendo necessário espremê-lo até ele se enquadrar. Qual é o problema desse tipo de postura? Ela não leva em consideração as condições e as capacidades de contribuição de cada um e o que cada um pode e não pode dar em beneficio da construção partidária. Classificar alguém por certa forma de agir pode ser perigoso no sentido de se estar praticando uma ação autoritária e de isolamento do Partido. Nesse sentido precisamos ter claro: uns contribuem mais, outros menos, uns são bons de discurso outros de escrita, uns são bons agitadores outros bons organizadores. Há ainda aqueles que são populares em seus bairros e são ótimos para os períodos de lutas eleitorais e para levar as ideais do Partido entre eleições. Portanto, a tentativa de nivelar as pessoas por um padrão de militância é perder a riqueza de contribuições e, principalmente, desconsiderar o perfil e o tempo de acumulação de cada pessoa, ou seja, as pessoas não são iguais e não nascem prontas. Isso é ótimo.

O Partido é um organismo vivo e feito por pessoas, e pessoas são diferentes uma das outras, por isso nem sempre aquilo que acho será aceito pelo outro; nesse sentido o Partido cria seus instrumentos para garantir unidade e respeito às decisões coletivamente tomadas. As decisões tomadas nem sempre irão ao encontro do “meu pensamento”, isso não significa dizer que o Partido está certo ou errado, ao contrário, significa que o coletivo avaliou determinada ação como a melhor e, mesmo sendo contrária à minha opinião, cabe acatá-la, pois não estou acima do coletivo, não estou acima do Partido. Pode-se pensar: “a decisão tomada como sendo a melhor, pode ser uma decisão equivocada”, levando a pensar que sou melhor que o Partido e seu coletivo. Não! Não significa ser melhor, ao contrário, como sou comunista eu acerto e erro com o Partido, pois não estou acima dele e considerar-me melhor seria uma postura arrogante e presunçosa. Por isso, junto com o coletivo partidário e municiados do instrumento da crítica e da autocrítica, buscamos melhorar a ação do Partido, pois ele é, antes de qualquer coisa, uma construção coletiva. Assim, mesmo não concordando com certas decisões do Partido, acato, pois dentro dele sou indivíduo e, principalmente, coletivo, ou seja, não represento a mim, e sim sirvo a uma causa transformadora.

O Partido é um organismo vivo feito por pessoas que se organizam no Partido por este ter uma ideologia. Isso significa que as pessoas se filiam a uma ideia, a uma visão de mundo. A compreensão e assimilação desta ideia pelos militantes e filiados contribuem para o fortalecimento e o crescimento partidário.

Qual é esta ideia? De que para transformar a realidade do proletariado, para pôr fim à exploração e à miséria geradas pelo capitalismo é preciso construir outro tipo de sociedade, a sociedade socialista. Portanto, compreender isto exige estudar esta ideia e todas as formulações derivadas dela, pois tendo a clareza disto poderemos entender por que o Partido se organiza da forma como se organiza e, principalmente, porque ele é o que é.

Neste ponto é preciso ter a noção: a construção do socialismo em nossa pátria não é algo simples, pois há aqueles beneficiados pela miséria e pela exploração (o capitalista) e, por isso, não querem a transformação social; ao contrário, lutam contra ela. Dessa forma, a luta pelo socialismo faz do nosso Partido um instrumento diferenciado, um Partido de Novo Tipo, o qual tem por objetivo a ruptura com esta realidade, e isso exige uma forma totalmente diferente de organização partidária. A forma de organização do nosso Partido nos faz melhor em relação aos outros partidos? Não, pois não se trata de ser melhor ou pior e sim a opção de classe que fazemos enquanto organização política, em nosso caso opção proletária, pois somos o Partido de concepção proletária.

O Partido é um organismo vivo feito por pessoas as quais não pensam iguais, mas partilham de uma ideia comum, o fim do capitalismo e a construção da sociedade socialista. Por isso, este tipo de organização exige um tipo de pessoa, a qual não se assemelha ao tipo dogmático e padronizado, ao contrário, o Partido precisa de pessoas que pensem e contribuam com a construção partidária em seus mais diversos aspectos e, principalmente, tenham na honestidade, na fidelidade, na disciplina, na solidariedade proletária, no respeito ao povo, enfim, em todos aqueles valores que nos são caros enquanto comunistas e necessário para transformar a sociedade injusta numa sociedade justa, como princípios basilares de sua conduta, pois não basta alterar as bases econômicas é preciso criar um novo paradigma oposto aos valores do capitalismo, do egoísmo, do individualismo, da livre concorrência e da exploração de um sobre o outro como algo natural.

Por isso, os comunistas devem ser exemplo e isso não é padronizar o militante, pois dentro do Partido podemos ser o que quisermos menos desonestos, desleais, egoístas e oportunistas, pois essa conduta não é admitida em um Partido Comunista, justamente por não representamos interesses de grupo e de indivíduo. O Partido não serve aos interesses de ninguém somente aos interesses da classe que lhe dá origem. Por isso, será sempre rígido quando tratar de princípios, pois somos um Partido de princípios e isso não será alterado para agradar A ou B, o Partido tem uma linha e por ela se guia e por ela orienta nossa ação.

Muitos poderão dizer tal intransigência e inflexibilidade com estes princípios são a causa de sermos diante de outros partidos “pequenos”. Digo a quem pensar assim que: 1°) vossa visão é uma visão oportunista, pois abrir mão de sermos da forma como somos para sermos grandes é uma traição aos princípios que nos norteiam, portanto, uma traição de classe; 2°) ser mais transigente e flexível em questões de princípios, pode nos tornar um Partido grande, porem fadado à degeneração, pois um partido deste tipo esta aberto a todo tipo de trapaceiro; 3º) a grandeza do nosso Partido se determinara por sua acumulação de força, a qual está diretamente ligada à própria experiência política das massas; 4°) abrir mão de nossos princípios nos descaracterizaria enquanto Partido Comunista e Classista e 5°) se nos mantivemos vivos e existindo politicamente até hoje, sobrevivendo aos momentos de perseguição, tortura e assassinato, podendo comemorar 92 anos, foi por sermos um Partido de princípios, isto foi e é essencial, pois o contrário nos fará ser como tantos partidos, os quais com seus poucos anos de existência estão sempre envolvidos em ilícitos, portanto, fadado a ser apenas mais um partido no cenário patrimonialista que “caracteriza” as ações públicas e políticas no Brasil.

Portanto, um dos fatores que caracterizam nossa grandeza não é o nosso tamanho, e sim a nossa postura e, sem dúvida, a nossa capacidade de fazer política sem abrir mão de princípios.

O importante a ressaltar de alguns aspectos tratados neste texto e, para tentar sintetizar numa frase uma opinião que considero essencial e com a qual concordo que diz: o ‘Partido é um organismo vivo e essencialmente político, com ideologia e inserido numa realidade concreta, portanto, uma organização em movimento e em consonância com sua época e realidade ’. O oposto disso seria o partido sectário, dogmático, padronizado, ossificado e completamente distante do mundo real.

O objetivo deste texto é demonstrar que o Partido tem certas características que dão sentido a sua forma de organização, como por exemplo, o centralismo democrático o qual subordina a minoria à maioria, a unidade de ação, a qual nos permite agirmos como um único organismo, o marxismo-leninismo, o qual nos dá base teórica e concepção de Partido. Estas características são imutáveis, ou seja, isto são seus fundamentos e sem isso não somos PCdoB.

Por fim, gostaria de ressaltar que a forma como nos organizamos é totalmente diferente da forma como se organizam outros partidos; assim, é comum a militantes novos e principalmente aqueles que vêm de outras organizações estranharem a forma de militar dos comunistas, pois dentro do Partido não são permitidas disputas de grupos ou que o interesse de um indivíduo se sobreponha aos interesses do Partido. É expressamente proibida a formação de tendências por representar ação fracionista e prática antipartido.

Num primeiro momento, tais regras geram estranhamento, mas a partir da compreensão de que somos um Partido classista com uma tarefa clara e definida, com o objetivo estratégico de construir o socialismo, exigindo, portanto, não por desejos subjetivos ou por vontade de um iluminado, mas pelo tamanho da nossa batalha que sejamos uma organização política com um único centro de direção, com unidade de ação e disciplina partidária. Traduzindo, todos devem atuar com o único objetivo de fortalecer o Partido, tais aspectos não são encontrados em outras organizações partidárias, onde interesses de grupo e de indivíduos se sobrepõem aos interesses do Partido.

O estranhamento gerado pelas regras partidárias é comum quando não se está acostumado com uma organização do tipo do PCdoB. Claro, os militantes sinceros com o tempo assimilam a forma de organização do Partido, mas os oportunistas e interesseiros acabam saindo do Partido, pois os militantes comunistas não conseguem conviver com este tipo de gente dentro das fileiras partidárias. Além disso, os próprios oportunistas vão percebendo que no PCdoB, não podem se criar e acabam buscando outro rumo.

Para concluir, digo que não é fácil assimilar a forma de organização do Partido, isso exige um aprendizado longo, paciência e disposição para aprender. Todavia, pertencer a esse Partido, com sua história de luta e sua firmeza em enfrentar as piores situações, como foram os momentos de grande repressão e o refluxo da luta revolucionária no fim da década de 1980, onde a traição se impôs, é um fator de muito orgulho, honra e razão de fazer parte dele. Afinal, como diria um velho camarada “a honra de ser comunista não pertence a qualquer um”, ou seja, ela não é dada a qualquer um, pois é conquistada na batalha da luta de classes, portanto, camaradas sejamos um só sejamos Partido sejamos PCdoB. Viva o Partido Comunista do Brasil!

“A vanguarda proletária está conquistada ideologicamente. Isso é o principal. Sem isso é impossível dar nem sequer o primeiro passo para a vitória. Mas dai à vitória ainda se está distante. Apenas com a vanguarda é impossível triunfar. Lançar somente a vanguarda à batalha decisiva, quando as grandes massas não adotaram ainda uma posição de apoio direto a esta vanguarda, ou, ao menos, de neutralidade benevolente em relação a ela, que a incapacitem por completo para defender o adversário, seria não somente uma estupidez, mas ainda um crime. E para que, na realidade, toda a classe operária, para as grandes massas dos trabalhadores e dos oprimidos pelo capital cheguem a ocupar semelhante posição, são insuficientes a propaganda e a agitação somente. Para isso é necessária a própria experiência política dessas massas”. (Lênin)

*Dirigente do PCdoB em São Leopoldo (RS)