Parlamento Europeu continua nas mãos da austeridade

A pulverização do eleitorado nas eleições de 2014 é real nas urnas, mas será aparente no Parlamento Europeu, onde o neoliberalismo austeritário continuará a ter um poder representado por quase 70% dos eurodeputados eleitos, contando ainda com a possibilidade de recorrer à reforçadíssima legião fascista.

Pilar Camacho, de Bruxelas para o Jornalistas sem Fronteiras

França protestos - Reuters / Philippe Wojazer

As vitórias de partidos fascistas na França, no Reino Unido e na Dinamarca, sempre acima dos 25% dos votos, representam, “sem dúvida, um ponto de viragem assustador na União Europeia”, alarma-se um alto funcionário do Conselho Europeu, em Bruxelas. “Ouvi muitos analistas durante as últimas horas tecendo considerações em torno da subida dos chamados ‘eurocéticos’, o que, explicado dessa maneira, me surpreende e assusta”, acrescentou.

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“Tais comentadores estão usando esse termo embaralhando zonas do espectro político entre a extrema-direita e a esquerda, contribuindo assim para esconder, voluntária ou involuntariamente, a realidade fascista que ameaça a Europa. Tal como se esconde o fascismo na Ucrânia, parece se estar, agora, dissolvendo-o dentro da União. Isto não tem nada a ver com a criação das comunidades; de certa maneira é o seu oposto.”

“Euroceticismo e fascismo não são uma e a mesma coisa”, salienta o mesmo funcionário. “O euroceticismo, tal como formas de populismo, pode ser trampolim propagandístico para grupos de extrema-direita, mas o que eles são é fascistas na sua essência e estratégia. Essa é uma realidade gravíssima com a qual as instituições europeias não podem conviver como se nada tivesse acontecido, sob pena de elas próprias virem a ser arrasadas por esta tempestade em crescendo.”

O veterano funcionário europeu considera que, “ao contrário do que poderia pensar-se em termos clássicos, a maioria econômica neoliberal no Parlamento Europeu não deverá ter problemas com o reforço do nacionalismo e do fascismo. Basta observar o exemplo da Ucrânia, onde mesmo os grupos que se afirmam herdeiros da política nazista aderiram às tendências econômicas prevalecentes na União Europeia e se integraram na corrente ‘pró-europeia’ com que foi justificada a mudança de regime em Kiev”.

Além de ter ganho na França, no Reino Unido e na Dinamarca, a extrema-direita situou-se dentro dos três primeiros lugares na Áustria, na Grécia, na Hungria, na Holanda, na Finlândia e na Itália. Os serviços do Parlamento Europeu integram ainda mais de 70 deputados eleitos por partidos e movimentos de extrema-direita e de índole populista entre os “sem grupo”, o que pode catapultar o atual grupo “Europa da Liberdade e da Democracia” dos 38 eleitos contabilizados até ao momento (não incluindo os 24 previstos no Reino Unido) para terceira força parlamentar, eventualmente acima da centena de membros.

Neste momento estão ainda nessa indefinição formal os 24 da Frente Nacional francesa, os três do Aurora Dourada na Grécia, os três da milícia nazista Jobbik na Hungria, quatro fascistas austríacos, dois finlandeses, quatro holandeses – sem que haja ainda uma indicação sobre onde irão situar-se os 17 eleitos pelo Cinco Estrelas do populista italiano Beppe Grilo.

Em última análise, porém, o Parlamento Europeu continuará sendo controlado pela maioria tradicional que sustenta a política econômica neoliberal das instituições europeias, agora formada por 214 representantes do Partido Popular Europeu, 189 dos Socialistas & Democratas (S&D), 66 dos liberais e ainda 46 dos Conservadores e Reformistas. Esta maioria esmagadora de 515 eurodeputados representa 68,6% dos 751 membros da câmara, mais de dois terços.

“Faz todo o sentido considerar os socialistas e socialdemocratas nessa maioria”, diz um funcionário do Parlamento Europeu que tem trabalhado com eurodeputados do grupo. “Basta consultar as estatísticas das votações no Parlamento para se concluir que, em assuntos econômicos, incluindo os relacionados com o tratado orçamental, a austeridade e o comportamento da troika [de credores internacionais], os membros do S&D têm votado quase sempre ao lado das posições da direita, da Comissão e do Conselho Europeu”, acrescenta.

“Em temas cívicos, das minorias e assuntos culturais, isso já não é assim, mas a política que efetivamente tem a ver com a vida dos cidadãos é a econômica”.

À esquerda, o Grupo da Esquerda Unitária (GUE/NGL) reforçou a posição com um crescimento de 35 para pelo menos 45 deputados, que poderá chegar a 47 com o apuramento final dos resultados e eventual integração de eleitos por forças até agora não agregadas.

Os resultados mais importantes do grupo foram a vitória do Syriza na Grécia, que corresponde a oito deputados, o segundo lugar do AKEL (Partido dos Trabalhadores) em Chipre, os terceiros lugares do Die Linke (A Esquerda) na Alemanha, da Izquierda Unida em Espanha, do Partido Comunista Português, em Portugal, do Sinn Fein, na Irlanda, o crescimento das representações na Suécia e na Holanda e a eleição de um deputado na Finlândia. Portugal continua representado por quatro eurodeputados no GUE/NGL, agora com três do PCP e um do Bloco de Esquerda.

Fonte: Jornalistas sem Fronteiras