Geraldo Galindo: Uma reflexão sobre a Copa e o futebol brasileiro

Depois do desastre diante da excelente seleção da Alemanha, o técnico do Brasil virou o alvo a ser crucificado. Antes, é bom lembrar, contava com o apoio de quase unanimidade da mídia esportiva e do povo. Não era pra menos, tinha sido campeão da Copa das Confederações com um futebol eficiente, superando a então poderosa Espanha por 3 x 0.

Por Geraldo Galindo*

felipão com jogadores - Felipe Dana/AP

Tinha também convocado jogadores, que no geral, contou com apoio expressivo dos torcedores. E, vale lembrar, vinha sendo exageradamente incensado até a humilhação dos 7 x 1.

Dito isso, cabe perguntar, por que a figura que vinha sendo elogiada a quatro cantos é agora demonizada por todos, inclusive pelos que lhe rasgavam elogios poucos instantes antes do vexame? Ora, nesse momento, para os abutres, é necessário encontrar um responsável pela tragédia, uma geni para jogar bosta. Eu fui rigorosamente contra a convocação de Felipão para a seleção. Ele, Zagalo, Parreira, Lazaroni, Suplicy e outros menos cotados são os principais responsáveis pela mudança do estilo do futebol brasileiro. A raiz disso está na derrota da melhor seleção de futebol que o país já teve, a de 1982, que transformou o futebol em espetáculo, em alegria, em arte. Os técnicos acima citados, chegaram à conclusão de que aquele tipo de futebol estava superado, que deveríamos nos espelhar no futebol europeu e criaram a teoria de que empatar é o que importa, que 1 x 0 é goleada – o chamado "futebol de resultados". E para piorar as coisas, para o deleite dessa nova mentalidade, fomos campeões do mundo em 94 onde os simbolos do time eram Dunga e Mauro Silva, exatamente o tipo e estilo de jogador que substituiriam os artistas como Falcão, Toninho Cerezzo, Sócrates e Zico. O objetivo principal passou a ser se defender e fazer um gol quando puder, pois – "jogar bonito e perder" era coisa do passado. "De que adianta jogar bonito e perder", ironizavam Parreira e seus seguidores.

Portanto, a responsabilidade pela derrota é exclusivamente da CBF por ter escolhido um treinador superado, ultrapassado, anacrônico. Enquanto Felipão e adeptos da "nova" doutrina impunham suas regras no outrora alegre e criativo futebol brasileiro, outras seleções, como Alemanha, Espanha e Holanda e França faziam o contrário. Passaram a valorizar o toque de bola, a qualidade em detrimento da força simbolizada no Brasil pela chamada "era Dunga". Os que apostaram que era esse o caminho de redenção do futebol brasileiro precisam fazer autocrítica. Hoje, a maioria dos tecnicos do Brasil jogam com três volantes de contenção, tem como principal objetivo não levar gol, as defesas de nossos clubes geralmente chutam a bola direto pro ataque sem passar pelo meio campo, um pouco parecido com o que vimos na nossa seleção. Uma geração de técnicos brasileiros abraçou esse modelo e o resultado é que hoje não temos, ou temos poucos jogadores de criação, de habilidade no meio campo, aqueles responsáveis por criar as jogadas que vão resultar em gol.

Voltando a Felipão, a seleção que montou, carecia exatamente desse problema. Todos os jogadores do nosso meio campo eram bons em seus times, mas insuficientes para as necessidade de uma seleção de nível. E nós poderíamos ter convocado outros? Dificilmente. Se Ganso não tivesse caído de produção, talvez fosse um bom nome para o setor e outra possibilidade seria Everton Ribeiro do cruzeiro, que vem sendo o melhor jogador brasileiro na atualidade, um camisa 10 clássico. Mas sei que convocados, não resolveriam o problema, porque a concepção reinante não valoriza a criatividade, mas a força física, os carrinhos, as faltas, – daí o Brasil ser o país que mais fez delas na Copa das Confederações e das mais faltosas nesta.

Eu nunca acreditei na possibilidade do Brasil passar pela Alemanha, disse isso a todas as pessoas com quem dialoguei. Era muito difícil superar um time sabidamente superior, a tendência era perder. Dizia aos amigos para fazer um simples teste: pegue os onze da Alemanha e compare com os 11 do Brasil. No futebol, no geral, o melhor vence, e obviamente que acontecem as chamadas zebras – elas são eventuais. E não só o time alemão tem melhor elenco, mas melhor esquema tático, e esquema tático apenas não ganha jogo, é preciso ter quem saiba encaminhá-lo.

Agora, como me disse um amigo, que a seleçao alemã é superior, todos sabíamos, que tinha tudo para nos vencer, sabíamos também, a questão a interpretar é a razão daquela forma. Aí, amigo leitor, mesmo tendo antipatia pelo estilo arrogante e autoritário de Felipão, me somo a ele nas explicações para o acontecido. Até tomar o gol, o Brasil vinha adminstrando bem o jogo, até me surpreendendo. E quando nosso lateral esquerdo perde uma bola boba no ataque e na volta, para tentar consertar o erro concede um escanteio, temos um gol raríssimo, quando um atacante chuta uma bola que normalmente vem para o cabeceio. E a partir dali, efetivamente, o time teve o que Felipão chamou de apagão. Os jogadores ficaram completamente desnorteados, tomaram mais quatro seguidos. E isso não é novidade no futebol, e nesse caso, devemos levar em conta a enorme pressão sofrida pelos canarinhos.

Tomar um gol aos 10 minutos, sabendo eles que poderiam estar jogando as esperanças de 200 milhões de brasileros no ralo, não é situação fácil de contornar emocionalmente. A equipe alemã teve dificuldade em passar por adversários sabidamente mais frágeis que o Brasil, como os Estados Unidos, e teve essa facilidade de nos golear. Isso não é normal, natural, foram circunstâncias excepcionais geradas a partir de dado momento que desequilibrou nossos jogadores. Se os germânicos nos enfrentarem outras 500 vezes a possíblidade do placar se repetir é quase nula.

Assim, todos os tipos de comentários que vi nos debates sobre o esquema montado por Felipão não passam de palpites oportunistas de quem minutos antes apoiou a escalação . Agora, muitos dizem que foi um erro escalar Bernard, pois isso teria desguarnecido o meio campo. Caso Felipão tivesse escalado outro jogador de meio campo, e sofresse a goleada do mesmo jeito, os abutres iriam dizer que ele chamou o adversário para seu campo e que jogou de forma defensiva. Nós perdemos pra Alemanha, primeiro, porque temos um time inferior tecnicamente e segundo, porque passamos a valorizar um estilo de futebol que violenta nossa tradição. A inimaginável goleada extrapolou espetacularmente a uma derrota simples que seria o normal e justa.

Um outro vilão escolhido por nossa torcida é o centroavante Fred. "Ei, Fred, vã tomar no cu", gritaram das arquibancadas, na ânsia de sacrificar alguém. Eu pergunto: Tem algum outro jogador brasileiro na posição que jogue mais do que ele? Não tem, ele é rigorosamente nosso melhor artilheiro. Agora, a questão a debater é se ainda é necessário no futebol moderno esse tipo de jogador que fica geralmente ali parado no meio da zaga. Eu acho que não, que na nossa seleção Fred deveria ser opção no banco e Neymar ser o chamado "falso centroavante", abrindo vaga para a criação de jogadas. Os que escolheram o camisa 9 como alvo deveriam levar em conta que um artilheiro carece jogadas criadas para que ele finalize. Como fazer isso num time que o meio campo não tem criatividade?

Uma outra crítica que aparece com força após o massacre alemão é o fato de jogadores como Ronaldino Gaúcho, Kaká e Robinho não terem sido convocados. Alegam os defensores da tese que era necessáro a experiência deles em meio a tantos jovens. Esses três nomes citados, em nada alteraria nosso rendimento. Sao ex-jogadores de futebol que raspam o tacho nos clubes onde "jogam" à espera da aposentadoria. Perderam há muito a criatividade que tinham, não tem condições físicas e vivem contundidos. Felipão neste caso agiu corretamente.

Outro tema muito debatido nos canais de esporte é sobre a necessidade de uma discussão sobre o futebol brasileiro, que careceria de um congresso que apontaria novos rumos para democratizar, profissionalizar e moralizar as federações, os clubes e a própria CBF, extirpando os cartolas picaretas que controlam nosso futebol. Tudo isso é correto, mas eu faria mais uma pergunta: e quem garante que isso vai nos fornecer uma seleção mais eficiente? Alguns estão colocando essa proposta como a salvação do futebol brasileiro, um otimismo exagerado. Ora, se isso fosse a nossa redenção, a Inglaterra e a Holanda, que tem reconhecida profissionalização e organização no futebol teriam mais títulos do que o Brasil. O que ganha título, no geral, é jogador de qualidade, aqueles que desequilibram, o restante é complemento.

Um aspecto importante pouco debatido sobre a não conquista do título mundial diz respeito à qualidade da atual safra de jogadores brasileiros, muito aquem das necessidades. Muitos cobram da seleção o que ela não pode produzir. Essa cobrança na Alemanha faz sentido, porque ali, à exceção do laderal esquerdo – o titular se machucou antes da copa -, todos são bons jogadores. Acredito que para uma seleção ganhar o título é necessário que se tenha pelo menos quatro jogadores acima da média – uma ótima safra – , especialmente os de meio campo, aqueles que resolvem a partida criando jogadas que resultarão em gol. É impossível ter em toda copa um grupo grande grupo de jogadores que desequilibram. Repetir no Brrasil as safras de 70 e 82 não será fácil, seria muita sorte que precisa ser dividida com outros países. Maradona, o maior artista do mundo do futebol, conquistou a copa de 86 praticamente sozinho em meio a uma limitada safra do elenco, mas isso é obra dos gênios raros. Na nossa seleção só tínhamos Neymar acima da média, um pouco parecido com a seleção Argentina, que só tem Messi, um cara que tem condições de decidir partidas com suas jogadas extraordinárias.

Soa arrogante para mim o brasileiro imaginar que tem o melhor futebol do mundo, que temos a obrigação de ganhar todas as copas. Não é não será assim. São 32 equipes em disputa, entre elas tem umas oito que concorrem pra valer – o Brasil entre elas, claro. Até o momento, temos conquistado uma taça a cada quatro disputadas. Isso deveria ser motivo de orgulho, mas não de presunção e que nos leva a um nível de exigência imcompatível com a realidade.

Por fim, defendo como alguns outros que o próximo técnico da seleção brasileira seja "Pep" Guardiola. A concepção tacanha de Parreira e Zagalo impregnou os técnicos em atuação no país e contaminou profundamente nosso futebol. É necessário uma ruptura com esse modelo e somente alguém de mente arejada e com visão moderna pode superar esse quadro. O técnico do Bayern de Munique reúne essas credenciais.

* Geraldo Galindo é diretor do Sindicato dos Bancários da Bahia