Projeto que proíbe pílula do dia seguinte expressa sociedade machista 

Aprovado na última semana pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, o projeto de lei (PL) 5069/13 modifica a Lei de Atendimento às Vítimas de Violência Sexual.

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Entre as principais mudanças propostas pelo PL de autoria de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) estão a criminalização de propaganda, fornecimento e indução ao aborto e a métodos abortivos. Além disso, a matéria ainda estabelece que a mulher vítima de estupro procure uma delegacia e passe por exame antes de ser atendida pelo sistema público de saúde.

Segundo Patrícia da Silva, assistente social e diretora do Conselho Regional de Serviço Social de São Paulo (CRESS-SP) o projeto expressa uma sociedade machista e conservadora, além de desrespeitar a laicidade do Estado. “Por mais que tenha obtido notoriedade pela questão da pílula do dia seguinte, o projeto de lei traz outro ponto extremamente grave, já que complica e limita o atendimento às vítimas de violência sexual. Ao invés de acolher essas mulheres que já se encontram em uma situação de vulnerabilidade, cria barreiras ao exigir que a vítima realize primeiro realize o exame de corpo de delito. Temos assim mais uma manifestação do Estado omisso, que deveria acolher essas vítimas, mas que duvida da violência e pede comprovações”, explica.

Cultura de violência

A diretora do CRESS-SP ainda aponta que uma parcela importante das mulheres que sofrem abuso não dá queixa na delegacia, muitas vezes por medo do agressor ou por vergonha. Segundo dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, 47.646 estupros foram registrados no País em 2014, totalizando cinco a cada hora. Estima-se, entretanto, que apenas 10% dos casos sejam notificados. Ao tornar essa etapa necessária, o projeto de lei atua como uma ofensiva contra a realização do aborto nos casos em que ele é permitido segundo a legislação brasileira.

“O PL 5069/13 foi redigido como um instrumento conservador para retirar ainda mais a autonomia das mulheres sobre o próprio corpo. Ele faz eco à cultura de violência que retira direitos cotidianamente, desde a proibição do aborto até mesmo a escolha das próprias roupas, utilizadas como pretexto por assediadores”, aponta.

Avanço conservador

Patrícia ainda conta que essa primeira aprovação do projeto de lei é mais um fruto da articulação realizada pela ‘bancada BBB’, como é comumente chamada a união de congressistas das bancadas ruralista (Boi), evangélica (Bíblia) e ‘da Bala (o último B)’. Essa ofensiva conservadora, aponta a assistente social, já se tornou um hábito e cerceia direitos e liberdades individuais.

“É uma articulação que desrespeita a laicidade da Constituição Federal e procura impor o pensamento religioso em esferas como a da saúde. Como resultado, agrava ainda mais a cultura machista já forte, na qual o corpo das mulheres é considerado uma propriedade, sujeita a intervenções estatais”, finaliza.