O horror era um presídio administrado pela iniciativa privada

O ano de 2017 mal começou e começou mal. Depois de 17 horas de terror, abrem-se as portas do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, com 1.072 detentos, localizado na Rodovia BR 174, Km 8, em Manaus. E o que se vê é indescritível. São corpos desfigurados, cabeças cortadas, corações arrancados –uma violência sem limites, que destruiu as vidas de pelo menos 60 homens.

Por Cesar Locatelli e Laura Capriglione, dos Jornalistas Livres

Portão principal do Complexo Penitenciário Anísio Jobim, em Manaus

Logo, o governo do Amazonas, cujo titular é José Melo, do Pros, veio com a narrativa que o isenta de qualquer responsabilidade. Tudo seria resultado de uma guerra entre facções criminosas –de um lado, a FDN (Família do Norte), que teria atacado membros do PCC (Primeiro Comando da Capital).

Lave as mãos, Poncio Pilatos!

Mas o governo de Manaus tem responsabilidade total pelo acontecido. Presos são homens e mulheres mantidos sob a tutela do Estado, que assume assim a total responsabilidade pela integridade física e moral deles.

O que se vê, como regra, é que em vez de integridade física e moral, o Estado opera como uma máquina de triturar gente. É assim em todas as cadeias do Brasil.

Mesmo assim, alguns cuidados mínimos são tomados. É por isso que não se misturam membros de facções rivais num mesmo cárcere; de não se pode colocar mulheres com homens. Que pessoas juradas de morte são isoladas. De outro modo, seria fácil acabar com a população carcerária. Bastaria jogar inimigos na mesma cela. Preferencialmente superlotada, para que o desespero fizesse a “limpeza”.

E foi isso o que aconteceu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, inimigos jurados de morte colocados de forma perigosamente próxima. Quase juntos.

Tragédia premeditada

A tragédia consumou-se, entretanto, com um elemento a mais, a provar a desresponsabilização total do Estado frente aos Direitos Humanos.

Em 2015, depois de criar uma secretaria específica para cuidar dos presídios, a Secretaria de Administração Penitenciária, José Melo contratou um consórcio, através de contrato de parceria publico-privada, para administrar os presídios do Amazonas. O extrato do contrato foi publicado no Diário Oficial do Estado do dia 9 de dezembro. Trata-se de um contrato de R$ 205,9 milhões para concessão de cinco unidades prisionais por 27 anos, prorrogáveis até o limite de 35 anos.

Pelo contrato, o Consócio Pamas – Penitenciárias do Amazonas, a Umanizzare Gestão Prisional e Serviços e a LFG Locações e Serviços Ltda, se responsabilizariam pelos serviços de gestão, operação e manutenção, precedidos de obras de cinco unidades prisionais no Estado do Amazonas.

A Umanizzare, que em 2014 recebeu do governo amazonense R$ 137.284.505,62, prometia, como o seu nome já diz em italiano, “Humanizar” os detentos. Em seu site, a empresa assim descrevia sua missão no Complexo Prisional Anísio Jobim (COMPAJ), onde aconteceu a barbárie nesta madrugada:

“Em 1º de Junho de 2014, a Umanizzare assume a gestão do COMPAJ com o intuito de empregar diversas práticas e ações já desenvolvidas em outras unidades prisionais geridas por ela e que amenizam a condição de cárcere do detento.”

Seguindo como exemplo instituições em países onde até 80% dos detentos podem ser reabilitados, a Umanizzare acredita que para reabilitar, além de boas condições físicas, o detento precisa de atividades que ofereçam um futuro de volta à sociedade.”

Os mais de 60 detentos destrinchados como animais no abate, enquanto estavam sob a guarda do Estado no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, sabem que essa “humanização” é podre.