Esquecemos de comemorar a criação da Lei Áurea

O linchamento de Lula e Dilma por crimes de corrupção ainda não julgados ocupa espaço demais na opinião pública. Um país criado, durante mais de três séculos, a partir do suor e do sangue negro e indígena deveria destacar os 129 anos da extinção oficial da escravidão, em respeito à própria História.

Por Mário Lima Junior*


Lei Áurea

Lembrar que a escravidão foi abolida através da Lei Nº 3.353, de 13 de maio de 1888, pode despertar a consciência popular a respeito da formação do Brasil. Continuamos tão preconceituosos e violentos quanto no passado escravocrata.

 
O negro ganha destaque nos sites de grandes jornais brasileiros quando supera a pobreza e se torna juiz (Globo, Estadão e Folha até o meio da tarde do dia 13/05/17 não citavam o aniversário da Lei Áurea). Vira notícia porque geralmente está associado às profissões subalternas como faxineiro e lixeiro. Negros ocupam apenas 18% dos cargos de destaque no Brasil, embora pretos e pardos sejam a maioria da população, segundo o IBGE.
 
Mais de 60% da população carcerária nacional é composta por negros (Carta). Não sendo novidade, não rende notícia. Os números indicam que a possibilidade de ser preso é maior do que a dos brancos, diferentemente do direito à ascensão social.
 
Se na data de hoje lembrássemos que milhões de índios foram “gastos” (conforme expressão da época) no Brasil escravocrata, saberíamos que o massacre contra o povo Gamela, no Maranhão, onde indígenas tiveram as mãos decepadas e os joelhos cortados não foi caso fortuito, mas prática secular de setores da sociedade com a conivência ou apoio direto de parlamentares e ministros de Estado (inclusive do governo Temer). Os vândalos sanguinários não são os índios que se manifestam por sua sobrevivência segurando arco e flecha. O aspecto cultural dos utensílios que carregam é desprezado desde 1500.
 
Através do resgate da Lei Áurea poderíamos explicar aos jovens quais relações sociais permitiram que se tornassem corriqueiras expressões como “Isso é coisa de preto” ou “Negro quando não caga na entrada, caga na saída”. Por que a maioria das empregadas domésticas que vemos nas novelas da TV são negras. O que levou o Brasil a ser um país que lincha publicamente uma pessoa por dia e por que 77% dos jovens assassinados têm a pele negra.
 
A Lei Áurea encerrou definitivamente a vergonhosa exploração, submissão e destruição legal de outros seres humanos em território brasileiro. Ela não impede, entretanto, que trabalhadores rurais em fazendas do país inteiro ainda sofram de servidão por dívida, jornada exaustiva e trabalho forçado sob a mira de uma arma. Mudar esse quadro e evitar que o Congresso Nacional aprove projetos (como o PL 6442/2016) que eliminam direitos trabalhistas exige mobilização popular.
 
As prisões de políticos e empresários corruptos efetuadas ao longo da Lava Jato são motivo de orgulho. O show midiático baseado em vazamentos suspeitos e delações frágeis, por outro lado, deliberadamente atrapalha a compreensão do momento atual (que ultrapassa a Lava Jato) condenando precocemente investigados. Os eventos relevantes da História, entre eles a Lei Áurea, nos surpreendem com seus esclarecimentos sobre o presente quando objetos de reflexão.