A economia brasileira em 2018: agora vai?

O crescimento projetado para o PIB em 2017, mesmo que de apenas 1%, tem sido largamente comemorado por analistas consultados pelos meios de comunicação e saudado como indicativo do início da tão aguardada recuperação da economia após dois anos de recessão aguda.

Por Emilio Chernavsky*

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Nessa visão, a recuperação se consolidaria em 2018, apoiada no aumento do consumo derivado da queda do desemprego e da baixa inflação, e na retomada dos investimentos resultante do aumento da confiança dos empresários, da queda nos juros e da expansão das concessões no setor de infraestrutura. A despeito de sua ampla difusão, tanto a avaliação positiva do que ocorreu em 2017 como a previsão otimista para 2018 são no mínimo questionáveis.

No caso de 2017, não apenas a expansão do PIB, “indício” da retomada, é extremamente baixa, especialmente considerando a base profundamente deprimida da qual partiu, como é o produto direto de três eventos singulares sem a ocorrência dos quais a avaliação seria totalmente diferente.

Em primeiro lugar, a produção agropecuária no primeiro trimestre do ano apresentou um crescimento recorde que mais que compensou, sozinho, a queda acumulada na indústria e nos serviços ao longo desse e dos dois trimestres seguintes.

Em segundo, o consumo das famílias, principal componente do PIB correspondendo a mais de 60% do total, recebeu o estímulo fundamental, no segundo e terceiro trimestres do ano, da liberação dos saldos das contas inativas do FGTS[1], proporcionando uma renda adicional a mais de 30 milhões de trabalhadores.

Em terceiro, a estagnação da economia fez com que a inflação caísse mais que o esperado pelo próprio governo e pelo mercado financeiro[2], o que elevou o poder de compra dos salários e, assim, também estimulou o consumo[3].

Esses dois importantes impulsos não evitaram, todavia, que o crescimento do consumo das famílias em 2017 fosse pífio mesmo sucedendo a uma queda acumulada de mais de 7% nos dois anos anteriores, mas, em conjunto com a safra recorde, bastaram para evitar um terceiro ano seguido de recessão. Esta, portanto, de fato se encerrou, mas apenas graças aos eventos descritos que não se repetirão neste ano.

Com efeito, a economia não deverá contar em 2018 com um novo crescimento excepcional da safra agrícola nem com os impulsos ao consumo registrados no ano anterior, uma vez que a liberação do FGTS somente pode ocorrer uma única vez e a inflação não deve cair novamente. Quanto a esta, espera-se o contrário: dado que o recorde historicamente baixo em 2017 dificulta novas quedas, que a redução do preço dos alimentos em razão da safra recorde não se repetirá, e que o elevado nível de incerteza provocado pelo processo eleitoral tende a aumentar a volatilidade cambial afetando os custos e a induzir o comportamento defensivo dos formadores de preço adiantando os reajustes, a inflação em 2018 deve aumentar.

Mesmo que a incerteza não se intensifique muito e o aumento da inflação seja contido – como hoje prevê o mercado –, os salários reais, fixados nas negociações anuais de modo a repor uma inflação passada mais baixa que a corrente, ao invés de subir, como em 2017, deverão cair ao longo do ano, e mais ainda no segundo semestre.

A reforma trabalhista, facilitando a contratação de trabalhadores em jornadas parciais, deve contribuir para esse resultado. Ainda, a alardeada redução da taxa de desemprego que, ao melhorar a posição do trabalhador no mercado, poderia evitar a queda nos salários, dificilmente o fará enquanto se apoiar, como foi o caso majoritário nos últimos meses, na conversão de desempregados em empreendedores informais com baixos rendimentos e condições de trabalho precárias. Com os salários caindo, dificilmente o consumo das famílias crescerá significativamente em 2018.

Com o consumo estagnado, por maior que seja a simpatia do empresariado pelas políticas já implantadas pelo governo e pelas que promete implantar, e por mais que os juros alcancem patamares historicamente baixos (embora ainda excepcionalmente elevados em comparações internacionais), dificilmente investimentos que não aqueles absolutamente indispensáveis para manter as empresas funcionando serão realizados. Com a demanda por bens e serviços fraca e incerta, e a despeito das promessas feitas antes mesmo do início do governo Temer[4], poucas empresas investirão para expandir uma capacidade produtiva que provavelmente se mostrará ociosa por período prolongado.

Logo, dificilmente as previsões apontando uma expressiva retomada dos investimentos se mostrarão acertadas. As concessões no setor de infraestrutura, por sua vez, que têm sido objeto de grandes esperanças, vem avançando muito menos do que o esperado e se restringido basicamente à transferência ao setor privado de ativos pré-existentes, sem ou com mínimas exigências de novos investimentos, o que dificilmente mudará em um ano carregado de incertezas como 2018. Tampouco parece razoável, portanto, esperar daí um impulso ao crescimento.

Finalmente, o possível estímulo à economia advindo da expansão dos gastos do governo se vê bloqueado pela continuidade da crise fiscal, resultante principalmente do desabamento das receitas públicas desde 2015 no contexto recessivo, e enfrentaria impedimentos legais e constitucionais estabelecidos pelo teto aos gastos públicos, pela regra de ouro e pela LDO para 2018. A tentativa de ajuste das contas públicas em meio à estagnação deve gerar, ao contrário, uma pressão negativa na economia.

Mesmo com essa pressão, o PIB brasileiro provavelmente crescerá em 2018, inclusive acima da pífia expansão de 2017. Isto não deve, entretanto, motivar muitos festejos, já que além de reduzida, a expansão se dará sobre um produto que é quase 17% inferior ao que seria, caso tivesse avançado nos três últimos anos ao ritmo médio registrado entre 2003 e 2014[5].

Além disso, com os salários em retração e o consumo estagnado, os investimentos travados pela fraqueza da demanda e pela incerteza reinante, e com a política fiscal restritiva, não há razões para apostar que essa expansão dará início a um processo de crescimento sustentado, necessário para reduzir a crise social hoje em curso. Isto sim, com o aumento do desemprego de longa duração, a redução da renda familiar e a precarização do trabalho, o corte nas transferências de renda e a deterioração dos serviços públicos, essa crise deve se agravar.

Não obstante o otimismo dos analistas quanto à retomada, e mesmo o entusiasmo de alguns que apontam a recuperação da economia como elemento chave a favorecer os candidatos apoiados pelo governo nas eleições de outubro, dificilmente ela virá, e, em um cenário de elevada incerteza quanto ao futuro, a vida da maior parte da população nos próximos meses deve continuar a piorar.

[1] Estes saldos correspondem a pouco menos que 0,7% do PIB do país, o que torna o efeito de sua injeção na economia decisivo.

[2] No início de janeiro, a inflação (IPCA) prevista para 2017 pelo boletim Focus do Banco Central era de 4,8%.

[3] A queda da inflação gerou também alguma folga na execução dos orçamentos públicos, elaborados no ano anterior com a previsão de receitas para 2017 inflada pela inflação prevista maior.

[4] “(O efeito nos investimentos) seria instantâneo. Bastaria uma troca da sinalização” 
https://goo.gl/bTLvzW

[5] Nessa situação, a mera ocupação de uma parte mesmo pequena da capacidade produtiva hoje ociosa tende a produzir uma taxa de crescimento positiva.

*Emilio Chernavsky é doutor em Economia pela USP