Prisão de Lula: “Não tem nada a ver com corrupção”, diz Jessé Souza

“O que está em jogo é esse preconceito contra o pobre e as classes populares que Lula representa. Não tem nada a ver com corrupção”, diz o sociólogo Jessé Souza, autor do livro A Elite do Atraso – da escravidão à Lava Jato. Para ele, a condenação do ex-presidente busca impedir que a base da pirâmide social tenha seus interesses representados. Por trás do processo contra o petista, Jessé aponta uma elite financeira sem compromisso com o país e que quer lucrar a todo custo.

Por Joana Rozowykwiat

jessé souza

Na última sexta (6), na tarde seguinte à ordem de prisão contra Lula, o sociólogo avaliou, em entrevista ao Portal Vermelho, que o Brasil vive um momento de muita preocupação e tristeza. Para ele, o Supremo Tribunal Federal, ao negar o habeas corpus ao petista na última quarta (4), perdeu uma oportunidade de mudar isso e passou “a pior mensagem possível” para a sociedade.

“Quando Rosa Weber diz que, no geral, é contra a condenação em segunda instância, mas, no caso de Lula, é a favor, fica tudo dito. Fica tão óbvio que é uma perseguição política, que Lula é um preso político. O que se vê é uma articulação muito óbvia entre uma condenação já montada midiaticamente e o aparato jurídico. É extremamente preocupante”, avaliou.

Jessé alertou sobre as consequências que a prisão poderá ter para o país. “Não sei se as pessoas imaginam que isso vá ficar desse modo, sem consequências. Não estou pensando só numa possibilidade de revolta popular, porque as condições são muito difíceis, mas o que digo é de uma violência, de uma sociedade extremamente cindida”, previu.

Ele avaliou que o que está em jogo é uma disputa de projeto e que o discurso do combate à corrupção tem sido sempre manipulado para legitimar o poder das elites. “O ponto principal nessa condenação de Lula, sem provas, é o fato de que o que se quer é que as classes populares não tenham representantes, que os interesses das classes populares não estejam representados, muito menos que elas possam chegar à Presidência da República (…) A corrupção é só o pretexto, há cem anos, para que estas coisas aconteçam”, analisou.

O sociólogo falou sobre a participação das elites econômicas em todo esse processo: “Obviamente, tem a ver com o capital financeiro internacional, com sede nos Estados Unidos, mas com muitos interesses aqui. E a história desse pessoal – ao contrário do empresário industrial que tem sua planta aqui – é acabar com um país e sair para acabar com os outros, porque não tem compromisso com como a sociedade funciona a longo prazo É exatamente a irresponsabilidade, no sentido etimológico do termo, dessa elite financeira que faz com que a gente passe por isso que está acontecendo aqui”.

Ele defendeu que os Estados Unidos vivem algo, de certa maneira, parecido, com uma sociedade dividida entre “os manipulados” e os que preservam ainda “alguma autonomia” – “porque na verdade todo mundo é perdedor do capital financeiro”, complementa.

Jessé preferiu não projetar o que pode acontecer no Brasil no próximo período, porque, para ele, tudo vai depender da luta. Mas, questionado sobre quais reações espera, não foi muito otimista. “Acho que não vai ter essa luta toda, infelizmente. Até sonhei, efetivamente, que ia haver milhões de pessoas nas ruas, mas a distorção da realidade pela mídia é de tal modo importante e as próprias classes populares estão muito divididas… já há alguma reação, mas ela é menor do que se esperava. Tomara que tenhamos algo muito maior”, desejou.

Segundo ele, é muito difícil fazer previsões sobre as eleições deste ano, “em especial numa sociedade que foi violentada, para a qual mentiram muito e que está cheia de ódio”. Na sua avaliação, se houver um contexto em que essa mentira for explicitada, “a esquerda ganha de lavada”.

Mas, caso isso não ocorra, o cenário não será fácil. ”Vai ser um jogo muito sujo, com muita fake news, muita mentira. Porque tudo isso tem a ver com o capital financeiro e seu saque, sua rapina. Esse pessoal tem muito dinheiro, sabe o que fazer. É uma coisa muito violenta, o lucro a qualquer custo. É isso que está em jogo”, lamentou.