O que diriam os boêmios cívicos sobre o Brasil de hoje?

No Brasil, há anos existe grande falta de vontade política para estabelecer uma política industrial que agregue valor aos recursos naturais, que priorize os pontos fortes do país.

Por Marina R. M. Mattar*

Plataforma de Petroleo - Foto: claffra / Shutterstock.com

Nos próximos dias o Congresso votará a Medida Provisória 811/17 sobre a comercialização da parcela da União do petróleo e gás natural do pré-sal. É a oportunidade que a nação tem de utilizar essa riqueza para atrair investimentos, gerar empregos e receitas para o país. É a valiosa chance que o governo tem para implementar uma política industrial capaz de promover uma onda de crescimento semelhante àquela da Coreia do Sul e da Índia, para acordar do nosso berço esplêndido no qual dormimos com o pesadelo de 12 milhões de desempregados.

Oito deputados federais de variados partidos e regiões se juntaram para apresentar emendas a essa MP, estabelecendo a realização de leilões específicos do petróleo e gás para fins de industrialização no Brasil e, consequentemente, geração de empregos e mais recursos (dos impostos) para o governo investir em educação, saúde e programas sociais. Vale lembrar que a Lei do Gás, de 2009, nunca foi regulamentada por falta de vontade política.

Apesar do grande esforço desses parlamentares, há uma grande resistência da Petrobras com relação a esses pleitos, sendo que o que está em discussão é apenas a parcela do petróleo e gás natural do pré-sal pertencente à União (e não à Petrobras). Se adotada a proposta, já aprovada na Comissão Mista da MP 811, poderá resultar em combustível mais barato para a população e matéria-prima mais barata para a indústria química.

Como lembraram esses parlamentares, o Brasil deixou de construir quatro refinarias e importa US$ 6,6 bilhões de combustível; tem um déficit de US$ 3,3 bilhões com a importação de fertilizantes, e a Petrobras cancelou o plano para construir três fábricas de fertilizantes nitrogenados (Fafens) e decidiu fechar outras duas na Bahia e Sergipe.

Aliás, nunca é demais lembrar que, há quatro semanas, em audiência na Câmara, a diretoria da Petrobras justificou o fechamento dessas Fafens exatamente pelo alto preço da matéria-prima, produzida por ela própria.

Inexplicável essa posição, pois ao defender leilões que resultarão apenas em exportações, como quer a Petrobras, significa entregar a riqueza brasileira aos grandes traders do petróleo, que se apropriam da riqueza de países desesperados por dinheiro, como parece acontecer, sem necessidade, no Brasil. Além do mais, esses traders, no médio e longo prazo, irão reduzindo suas ofertas e diminuindo, assim, o valor destinado ao fundo social. Quem viver verá!

Há aproximadamente 70 anos, um grupo de jovens da assessoria econômica de Getúlio Vargas, chamados boêmios cívicos, recebeu a missão de modernizar o país. Em um cenário de inflação alta e escassez de divisas desenvolveram um modelo que tinha como base o fomento à industrialização e defesa da indústria nacional. Até o suicídio de Vargas, com esforço concentrado e intenso trabalho nas madrugadas afora, o grupo de jovens idealizou importantes instituições e empresas públicas do Estado brasileiro moderno, como, por exemplo, a Petrobras e o BNDES.

Anos depois, quando ainda não tínhamos matéria-prima abundante, construímos os três maiores polos petroquímicos do país, os quais atraíram novos investimentos e empregos em diferentes cadeias industriais. Hoje, além de indústria forte e mercado crescente, temos matéria-prima abundante. Apenas um país tem essas mesmas características: os Estados Unidos, que têm utilizado muito bem o seu petróleo e gás oriundo do “shale gas” para desenvolver a sua indústria, graças à legislação americana que obriga a industrialização dos recursos naturais dentro do país.

No Brasil, há anos existe grande falta de vontade política para estabelecer uma política industrial que agregue valor aos recursos naturais, que priorize os pontos fortes do país – assim como a França tem feito com a sua “Nova França Industrial”, ou a Índia com sua espetacularmente bem sucedida Make in India –, que apoie a inovação e acompanhe as tendências mundiais.

Chegou a hora de decidirmos o rumo que queremos para o Brasil: queremos um país exportador de petróleo, uma futura Venezuela, ou um país com indústria forte, como a Noruega?

O Brasil está caminhando na direção contrária da tendência mundial de revalorização do papel da indústria. Em especial na área química, enquanto o mundo está atento à crescente tendência dos carros elétricos e consequente redução da demanda por combustíveis, e as grandes petroleiras investindo no desenvolvimento da cadeia petroquímica, o Brasil não está preocupado em utilizar o seu petróleo e gás para desenvolver sua indústria.

A BP se juntou a outras petroleiras, como Shell, prevendo um pico na demanda de petróleo no fim dos anos 2030 como consequência dos crescentes padrões de eficiência dos motores, assim como pelo crescente número de veículos elétricos e viagens compartilhadas.

Depois de 70 anos é inacreditável que ainda tenhamos que insistir que “O petróleo é nosso!”, campanha que ganhou a imprensa e as ruas na época dos boêmios cívicos, e que hoje é tão bem implementada pelos americanos.