O Globo e a crise irreversível da mídia

Os últimos dados de circulação dos jornais brasileiros, segundo estudos do site Poder360 com base nos dados do IVC (Instituto Verificador de Circulação), trazem informações relevantes.

Por Luis Nassif, no Jornal GGN

jornais

Pela primeira vez, desde os anos 80, a Folha perdeu a liderança total (impresso + digital) para O Globo e a liderança de impresso tanto para O Globo quanto para o Estadão.
O impresso caminha para a extinção.

Com exceção de O Globo, as assinaturas digitais não compensaram a queda dos impressos.
A queda da tiragem é o menor dos problemas dos jornais.

É interessante entender o que está por trás desses números e seus efeitos recentes sobre o jornalismo brasileiro.

Na primeira metade dos anos 2.000, Roberto Civita importou o discurso de ódio da ultradireita americana, veio descoberto pela Fox News, de Rupert Murdok. A imprensa brasileira foi atrás e inaugurou a pior fase de sua história moderna, praticando um jornalismo de guerra que atropelou todas as normas do bom jornalismo.


Houve uma pasteurização dos jornais em torno do mesmo discurso, acabou-se com a diversidade relativa de opiniões e até com a diversidade de pautas. Lendo um jornal, liam-se todos. Criou-se um mercado para cronistas do ódio, ao qual se candidataram desde colunistas culturais a políticos e celebridades menores.

Os jornais se tornaram indiferenciados. O resultado foi a perda de vitalidade, a queda nas vendas, e a perda de credibilidade junto ao público formador de opinião. Todos se acomodaram com sua posição em um mercado que se reduzia a cada dia.

Dia a dia passaram a alimentar o novo público da ultradireita, que emergia das profundezas, com discurso de ódio e mensagens conspiratórias sobre o perigo vermelho. Até que a malta ganhou vida e migrou definitivamente para as redes sociais. Só aí, a mídia se deu conta de seu erro estratégico.

O impeachment de Dilma fechou o ciclo do jornalismo de guerra. A extrema impopularidade de Michel Temer começou a abrir as comportas da diversificação. E a disputa mercadológica voltou a imperar com os jornais não apenas retomando a disputa, entre si, mas principalmente contra o caos informativo que eles próprios ajudaram a disseminar.

As mudanças de O Globo

Coube O Globo partir na frente.

Aqui no GGN entendemos de pronto o modelo perseguido pela nova direção. Em lugar do jornalismo de ódio, uma nova fórmula, uma espécie de modelo Piauí (da revista), de liberal inglês, liberal nos costumes, conservador na economia e elegante no texto.

Com as mudanças no comando, saíram colunistas raivosos e editores comprometidos com os porões, e foram contratados novos atores, retomando o figurino da diversidade que marcou os anos 90. Esse arejamento pegou não apenas O Globo, mas também a Época e a CBN.

Foi curiosa a reação da frente do ódio. Na Jovem Pan, Augusto Nunes ameaçou os novos editores de O Globo, devido à demissão de um de seus iguais.

Mas, ali foi um momento de corte. Mostrou que chegava ao final, pelo menos na chamada grande imprensa, a era do jornalismo de esgoto, que ficou restrita a rádios. Em vários veículos, os raivosos mais talentosos se reciclaram rapidamente e se tornaram legalistas desde criancinhas .

O resultado foi o rompimento da cartelização, com O Globo assumindo a liderança entre os jornais, quebrando uma liderança histórica da Folha.

É essa derrota que explica a ousadia da Folha no ano passado, de bancar corajosamente as reportagens de Patrícia Campos Mello denunciando os fake news na campanha de Jair Bolsonaro.

Nos últimos dias, houve uma mini-guerra de informações em torno dos números. A Folha publicou uma reportagem dizendo que foi a líder do crescimento digital nos últimos meses – certamente impulsionada pela volta de antigos leitores, depois do ato de coragem demonstrado. O Estadão proclamou que se tornou o líder em edições impressas – que caminham para a extinção.

O ponto relevante é que não existe um futuro radioso para nenhum deles. A crise da imprensa tradicional veio para ficar.

O futuro da mídia

Nos últimos anos acelerou-se a migração do leitor impresso para o digital. Internacionalmente, jornais que mantiveram acesos os princípios jornalísticos têm conseguido avançar substancialmente na venda de assinaturas digitais.

Mas o problema principal é outro. Historicamente, a maior fonte de receita dos jornais eram os classificados (ou anúncios locais, para a imprensa regional) e os anúncios nacionais. Na Internet, o modelo é outro. É a publicidade programática e um resto de publicidade dirigida, com um potencia de faturamento muito menor. E, ai, a crise da mídia brasileira se atrela à crise da mídia mundial.

Nos Estados Unidos, a era de ouro dos jornais terminou no final dos anos 80. O apogeu dos jornais brasileiros foi em meados dos anos 90. Grupos como Gannett e Knight Ridder trabalhavam com margens de 30 a 40%. No Brasil não deveria ser muito diferente, embora os números não fossem públicos pelo caráter de empresas de capital fechado.

A maior parte da receita vinha dos classificados, da publicidade local (no caso da mídia regional) e da publicidade nacional, no caso dos jornalões.

Era uma margem tão elevada que, nos EUA, havia piada de que os jornais tinham licença para imprimir dinheiro. Com tal margem, a partir dos anos 80, nos EUA – da segunda metade dos anos 90, no Brasil – os bancos de investimento empreenderam uma ofensiva, oferecendo financiamento à larga para os grupos midiáticos. E eles se endividaram à vontade, em um momento em que a Internet iniciava sua caminhada avassaladora.

No período de bonança, tanto nos EUA quanto no Brasil, as redações não investiram em inovação. Todo investimento tecnológico visava apenas poupar mão de obra.

Em pouco tempo, a Internet acabou com os classificados. Como competir com um veículo com sistemas de busca, fotos dos produtos vendidos? O passo seguinte foi avançar sobre os anúncios nacionais.

Nos EUA, assim como no Brasil, muitos jornais entraram na chamada espiral da morte. Passaram a reduzir as redações, por questão de custo. Com isso caiu a qualidade da informação. Caindo, derrubou mais ainda o interesse do leitor.

No início dos anos 2.000, de 75 a 80% da receita de um jornal típico vinha dos anúncios classificados. As assinaturas respondiam por 10-15% da receita. Investia-se nos assinantes para garantir a rentabilidade dos anúncios. Em dez anos, os jornais americanos perderam 2/3 de suas receitas.

Os gráficos do desempenho comercial dos jornais americanos, publicados por Jeremy Littau – de quem obtivermos as informações acima – estudioso da mídia local, é pavoroso.

Há uma enorme discussão sobre qual o papel do jornal nos novos cenários tecnológicos.

Mas isso é tema para outro artigo.