Aécio volta à Câmara com a reputação “completamente arrebentada” 

No discurso de despedida do Senado, em dezembro passado, Aécio Neves (PSDB) desabafou: “Tenho vivido dias extremamente difíceis, vocês podem imaginar. Mas não perco a minha fé”. Quando ele finalizou a fala e desceu da tribuna, o que se viu destoou muito da liturgia parlamentar: nenhum senador o elogiou ou fez aparte para mencionar alguma passagem de seus oitos anos no cargo, período em que mineiro quase virou presidente da República.

Aécio Neves 2019

Transformado em político radioativo desde meados de 2017 – quando foi afastado do Senado e quase preso nas investigações da Lava Jato –, Aécio voltou à Câmara Federal, onde começou sua ascensão nacional no início dos anos 2000. Sua reputação hoje, conforme as palavras do senador Renan Calheiros (MDB-AL), está “completamente arrebentada”.

Mesmo com o mandato, ele ainda enfrentará dificuldades com a Justiça – e o temos de que seja preso. Em dezembro, a Polícia Federal realizou duas operações – desdobramentos da principal, deflagrada em maio de 2017, após a delação dos donos da JBS –, que apuram suposta propina de mais de R$ 120 milhões repassada pelos irmãos Batista para o tucano entre 2014 e 2017.

Segundo a acusação, o dinheiro foi usado para comprar apoio à sua candidatura presidencial. Além de imóveis do senador, da irmã Andrea Neves e do primo Frederico Pacheco – estes dois presos temporariamente em 2017 –, os policiais fizeram buscas no apartamento de sua mãe, Inês Maria, em um bairro nobre de Belo Horizonte.

Para Aécio – que saiu das eleições de 2014 como o principal nome da oposição –, os eventos dos últimos dois anos mudaram sua carreira: o agora deputado passou de um dos nomes mais influentes do País a um político com a imagem pública bastante abalada.

Um dos fiadores da posse de Michel Temer (MDB) no Planalto após o golpe contra Dilma Rousseff (PT), Aécio foi fundamental para que o PSDB fizesse parte do governo. No ano seguinte, ele e Temer acabaram tragados simultaneamente no escândalo revelado pelos executivos da JBS. O mineiro conseguiu sobreviver à avalanche das últimas eleições, ao fazer parte do seleto grupo da elite política que conseguiu se reeleger.

Para isso, desceu um degrau e buscou uma cadeira como deputado federal. Numa campanha em que fugiu de atos públicos, feita praticamente em ambientes fechados ou fazendas do interior, o senador “jogou parado”, como disse um de seus aliados em Minas. Com o auxílio de uma rede formada por vereadores e prefeitos do interior, foi eleito com 106.702 votos – apenas o 19º mais votado na bancada mineira de 53 deputados eleitos.

Uma vez na Câmara, Aécio manteve o foro privilegiado, que lhe garante o direito de ser julgado pelo Supremo Tribunal Federal, onde os processos contra os políticos costumam demorar mais em comparação às ações nas primeiras instâncias. Na esteira da delação dos executivos da JBS, ele é réu na corte numa ação penal sob acusação de corrupção passiva e obstrução de Justiça pela Procuradoria Geral da República.

Há outros processos em trâmite, e os inquéritos causam apreensão no seu grupo político. Sua prisão foi solicitada em pelo menos três ocasiões pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal, mas sempre recusada pelo STF sob o argumento de que a Constituição determina que um parlamentar só pode ser detido em flagrante. O tribunal, porém, autorizou em dois momentos distintos a suspensão de seu mandato.

No seu círculo, muitos temem os desdobramentos da Lava Jato principalmente contra seus familiares. O aparecimento do nome da mãe nas investigações foi um sinal. A filha de Tancredo Neves, Inês Maria, já foi citada na Lava Jato como sócia de uma empresa da família sob investigação.

Para o político, 2017 foi o pior momento da sua longa carreira, quando a hecatombe provocada pelo escândalo da JBS também fez balançar Michel Temer. Além da suspensão do mandato no Senado, o STF determinou à época a prisão da irmã, Andrea (sua estrategista política e pessoa em que ele mais confiava), além do primo e assessor Frederico.

Nos áudios gravados pelo empresário Joesley Batista, Aécio negocia com ele o recebimento de R$ 2 milhões. Quando negociavam a entrega do dinheiro, o mineiro disse: “Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer a delação. Vai ser o Fred com um cara seu”. O episódio, além abalar sua imagem, provocou rusgas familiares. “Ele não honra a memória do pai e do avô”, disse o desembargador aposentado Lauro Pacheco de Madeiros Filho dias depois da prisão do filho, Frederico.

As suspeitas da Lava Jato sobre seu círculo familiar vão além da mãe, da irmã e do primo. Um contraparente – casado com uma enteada da mãe –, o empresário Oswaldo Borges da Costa Filho, também é investigado. Tesoureiro do tucano na campanha presidencial de 2014 e pessoa-chave de sua gestão em Minas, Oswaldinho, como é conhecido, dirigiu a secretaria do governo responsável pela construção da Cidade Administrativa, sede do Executivo Mineiro sob suspeita de superfaturamento e de conluio com construtoras.

Reino final

Considerada a mais inteligente da família e, dos netos, a mais próxima de Tancredo, Andrea Neves perdeu muito de seu prestígio após a prisão. Como o irmão, um dos efeitos diretos foi distanciar-se da elite política e econômica que até pouco tempo ela frequentava com desenvoltura. Apesar das afinidades entre neta e avô, quem acabou herdando o trono político foi Aécio.

Nascido em Belo Horizonte em 1960, ele também recebeu influência do pai, Aécio Ferreira da Cunha, que foi deputado estadual e federal. Mas nada o marcou tanto quanto a relação com o avô. Morando no Rio de Janeiro desde a adolescência, Aécio se tornou secretário-pessoal de Tancredo a partir de 1982, quando o político disputou e venceu a campanha para o governo de Minas. O jovem voltou para o estado, onde se formou em economia pela PUC-MG.

Três anos depois, ele acompanhou de perto a agonia de Tancredo, internado na véspera da posse na Presidência e morto semanas depois. Graças ao vice que se tornou presidente, José Sarney, Aécio assumiu uma diretoria na Caixa Econômica Federal, mas por pouco tempo. Em 1986, foi eleito deputado federal com a maior votação em Minas, ainda comovida com a morte de Tancredo. Era o início de sua trajetória parlamentar.

O ponto alto de sua passagem no Congresso foi quando ele se tornou o presidente da Câmara, em 2001, pouco antes de completar 41 anos. O grande responsável por sua eleição foi o então presidente Fernando Henrique Cardoso, personagem fundamental na trajetória de Aécio nos anos vindouros, apoiando-o primeiro para assumir o comando do PSDB e, depois, como o nome do partido para a Presidência em 2014.

Eleito governador de Minas numa grande aliança em 2002, no mesmo ano que Luiz Inácio Lula da Silva chegou ao Planalto, Aécio fez um gestão acusada de irregularidades. Uma delas foi a construção de uma pista de pouso nas terras de sua família em Cláudio, no interior do Estado. Durante seu governo, manteve boas relações com Lula e outras lideranças do PT – até ocupar, em 2016, o papel de um dos principais articuladores da queda de Dilma.

Agora, aos 58 anos, Aécio virou companhia indesejada. Após sua derrocada pública, muitos dos antigos colaboradores e amigos se distanciaram. Um deles foi o senador Antonio Anastasia (PSDB), ex-governador de Minas que foi vice de Aécio e lançado por ele na política. Nas últimas eleições, quando foi derrotado no segundo turno para o governo mineiro, Anastasia chegou a ir à Justiça para não ter seu nome vinculado ao do antigo aliado.

A resistência a Aécio é grande também no tucanato. O senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) passou a cobrá-lo publicamente pelo seu comportamento, a exemplo de Tasso Jereissati (PSDB-CE), outro senador que passou a criticar o mineiro publicamente. Há muito tempo Aécio deixou de falar com os dois.

Para muitos do PSDB, sobretudo na ala jovem, a eventual refundação da legenda está ligada à saída do político. Uma representação assinada no final do ano por um deputado federal do Acre cobra a sua expulsão. O pedido foi encaminhado a Geraldo Alckmin, atual presidente do PSDB, e deve ser submetido à comissão de ética da sigla.

Aécio busca ganhar tempo para uma reconciliação. Em Minas, o atual presidente do partido, Domingos Sávio, outrora aliado, posicionou-se contra ele durante a eleição e hoje virou adversário. Como seu mandato termina em maio, a transição pode resultar em alguém mais simpático ao neto de Tancredo. No plano nacional, um dos expoentes da queda de braço pelo comando do PSDB é João Doria, governador de São Paulo, com quem Aécio tenta uma recomposição, sem um desfecho previsível.

Aécio também já fez acenos ao presidente Jair Bolsonaro (PSL). Numa ligação para parabenizar o ex-capitão pela vitória eleitoral, no ano passado, o mineiro citou a afinidade entre sua agenda econômica – apresentada em 2014 – e a do ministro Paulo Guedes. E se pôs à disposição para ajudar o novo governo no Congresso.

O isolamento não é só nos meios políticos. Segundo um aliado, uma das principais lições das “pauladas” recentes que levou foi exatamente afastar-se de pessoas ilustres e celebridades – círculo que ele se deleitava por frequentar. Aécio se deu conta de que, no momento de maior dificuldade, todos eles o abandonaram. É o caso do apresentador da TV Globo Luciano Huck, que apagou de seu Instagram todas as fotos ao lado do mineiro. Afinal, quem quer ser visto ao lado do decadente político de reputação “completamente arrebentada”?

Com informações da BBC Brasil