Enviado de Bolsonaro à ONU silencia sobre Bachelet 

O governo brasileiro ignorou a sua missão nas Nações Unidas, em Nova York, e enviou um funcionário do segundo escalão do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos crítico à Lei Maria da Penha para uma sabatina ontem sobre a reeleição do Brasil para o Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Alexandre Magno Fernandes Moreira

A viagem de Brasília do secretário-adjunto de Políticas Globais do ministério de Damares Alves, Alexandre Magno Fernandes Moreira, indica a importância que o país conferiu à reeleição no órgão em Genebra. Na diplomacia, o envio de alguém da capital significa que o assunto é prioritário. Ela também evidencia a desconfiança do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, em relação a seu ex-chefe, Mauro Vieira, ex-chanceler (20152016) e ex-embaixador em Washington, que hoje comanda a missão na ONU. A informação é do jornal O Globo.

Antes de trabalhar como secretário-adjunto de Políticas Globais do ministério de Damares Alves, Moreira era procurador do Banco Central em Brasília. Em diversos artigos, defende posições como o direito legal à homofobia e o ensino domiciliar. No artigo “Lei Maria da Penha e a criminalização do masculino”, publicado no site Direitonet em 2007, ele critica a lei para coibir a violência contra a mulher. “Ser punido por atos que inevitavelmente ocorrem no cotidiano de um casal significa penalizar o homem como tal e não os fatos em si. Nos dias de hoje, ser homem pode ser um crime, exceto se pertencer a alguma minoria legalmente protegida, como negros, índios, idosos, crianças, adolescentes e, em um futuro próximo, homossexuais”, escreveu.

Já o embaixador Mauro Vieira foi chefe de Araújo em Washington, onde ambos serviram entre 2010 e 2015. Fontes do Itamaraty confirmaram , segundo O Globo, que Araújo não confia na missão brasileira em Nova York, está brigado com seu ex-chefe e busca substituí-lo. Vieira contaria com o apoio do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, que, em viagem em maio, teria prometido que o ex-chanceler permaneceria como chefe da missão brasileira até a aposentadoria, em 2021.

Pessoas que trabalham próximas à missão na ONU disseram que os diplomatas lá têm atenuado diversas posições de Araújo, com comportamento mais afeito às posições clássicas da diplomacia brasileira, diz O Globo. Este comportamento seria diferente daquele da chefe da missão brasileira em Genebra, Maria Nazareth Farani Azevedo, muito alinhada a Araújo. Procurado, o Itamaraty não respondeu sobre porquê Moreira representou o pais.

Na leitura de seu voto, ele apresentou uma versão resumida da candidatura formalizada em junho, que excluiu menções a gênero e a tortura e incluiu “o fortalecimento das estruturas familiares”. Moreira enfatizou o “direito à vida” como prioridade, em uma crítica implícita a países onde o aborto é permitido.

O momento mais polêmico da sabatina foi uma pergunta sobre os ataques do presidente Jair Bolsonaro à alta comissária para os Direitos Humanos da ONU, Michelle Bachelet. A pergunta foi reforçada pelo secretário-geral adjunto para os Direitos Humanos da ONU, Andrew Gilmour, que mediava a sessão e, em sua única intervenção destinada a um só país, disse que considerava o assunto “muito importante”. Moreira ignorou completamente a pergunta e não citou o nome de Bachelet.

Apesar de silenciar sobre o assunto, seu comportamento foi mais moderado do que o apresentado pelo Brasil nas últimas sessões do Conselho de Direitos Humanos, quando o país votou alinhado com países islâmicos em questões de gênero. Moreira afirmou que o país considera os direitos de pessoas LGBT parte integral dos “direitos humanos e que o Brasil está comprometido a combater toda forma de discriminação”. Comprometeu-se também a trabalhar com ONGs, alvos de críticas de Bolsonaro. "Consideramos o papel da sociedade civil na arena internacional e na formulação de políticas públicas no Brasil extremamente importante", disse.

A moderação aponta para uma tentativa de atrair votos para as eleições em outubro, durante a Assembleia Geral da ONU. Segundo Camila Asano, coordenadora da Conectas Direitos Humanos, a viagem leva peso à candidatura, mas esta é comprometida por atitudes do presidente. "O governo Bolsonaro enviou um representante de Brasília para defender a candidatura mostrando que o pleito é prioritário. Lamentavelmente, os ataques do presidente à principal representante da ONU para direitos humanos caminham em direção contrária", afirmou, acrescentando que o silêncio sobre Bachelet “comprometeu ainda mais a credibilidade do Brasil”.