Otto Filgueiras (1950-2019), um jornalista sem medo de assombração 

Uma das primeiras lutas que Otto (ou Otinho para os amigos) travou foi para conseguir o diploma de jornalista. Ele tinha uma formação autodidata. Otto, além de incansável no cumprimento das suas tarefas (exagerado, às vezes!) tinha como norma pétrea ouvir os dois lados de uma questão.

Por Eduardo Sarno

Otto Filgueiras - Alesp

A linha mestra da atividade profissional de Otto foi o jornalismo combativo, de trincheira. Ele sabia que a construção de Itaipu tinha custado US$ 5 bilhões em juros e US$ 9 bilhões em amortização. E essa ganância do capital estrangeiro se refletiu na imposição da ditadura de altos preços da energia e a repressão aos eletricitários que pediam um simples aumento de salário.

Desta participação de Otto, como jornalista no Sindicato dos Eletricitários da Bahia, surgiu a publicação, em 1983, do livro Chesf em Alta Tensão – A Greve Proibida, que envolveu os eletricitários, os dirigentes sindicais, D. Avelar, a imprensa, a polícia e o Exército, estes dois últimos prendendo e espancando grevistas.

Na década de 80, período em que houve um desabastecimento de carne, provocado por pecuaristas, foi Otto quem descobriu e denunciou a existência de grandes manadas, confinadas em fazendas longínquas.

Foi também Otto quem denunciou os abusivos aumentos das tarifas de onibus, praticados na Bahia pelo governo de ACM. A reportagem “Os 14 dias que abalaram a Bahia” recebeu o prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos, em 1981.

Na Campanha das Diretas Já, a revista Senhor, através do jornalista Raimundo Pereira, contratou Otto para fazer uma ampla reportagem, nos grotões do Nordeste, sobre a posição dos coronéis e chefes políticos locais em relação às Diretas Já. Fui contratado como fotógrafo, alugamos um carro, colocamos dentro três cestas: uma com mantimentos, outra com máquina de escrever e material de escritório, e outra com roupas. E partimos.

A ideia era que mesmo os chefes políticos locais, alinhados com a ditadura, queriam as eleições diretas. Isso porque o sistema ditatorial centralizava demais as decisões, passando por cima dos interesses locais. Em função disso, viajamos do sertão da Bahia ao sertão do Ceará, enfrentando as situações mais incomuns, como tomar banho em um quintal à luz da lua, ter de dormir no carro e lavar o rosto pela manhã em um riacho, ser abordado e fiscalizado por capangas, em Exu, terra de Luis Gonzaga.

As entrevistas de Otto eram brilhantes, extraía dos entrevistados informações preciosas. Conseguia conquistar a confiança deles. Os resultados das anotações eram datilografados no hotel. E, para isso, Otto havia levado uma lâmpada de 100 watts na bagagem, pois sabia ele que as lâmpadas das pensões, por economia, eram fracas! Depois, era tudo enviado por Telex para São Paulo, quando havia Telex! As fotos eram reveladas e enviadas pelo correio.

Nas últimas décadas, Otto se dedicou a um monumental trabalho histórico: documentar a atuação da Ação Popular, um dos mais destacados partidos na luta contra a ditadura. O resultado foi o primeiro volume, lançado em 2014: Revolucionários Sem Rosto – Uma História da Ação Popular”. O segundo volume está pronto, aguardando publicação.

Mas todos estes anos, se engrandeceu o espírito, enfraqueceu o corpo. Já de algum tempo ele vinha anunciando algumas queixas, mas nunca largando a tarefa.

Hoje (20), Otto nos deixa. Fica seu legado.