Lições de Paris: a greve como forma de luta

O movimento atual na França – e também o dos petroleiros no Brasil – reabilita o método da greve como instrumento de luta da classe trabalhadora

A história de todas as sociedades até hoje existentes é a história das lutas de classes. Homem livre ou escravo, patrício e plebeu, senhor feudal e servo, mestre de corporação e companheiro, em resumo, opressores e oprimidos, em constante oposição, têm vivido numa guerra ininterrupta, ora franca, ora disfarçada; uma guerra que terminou sempre ou por uma transformação revolucionária da sociedade inteira, ou pela destruição das duas classes em conflito.”
(Karl Marx, Friedrich Engels)

*

A França continua sob a agitação das greves de várias categorias. A principal motivação dos trabalhadores franceses é defender o sistema de aposentadorias e contra o aumento da idade para ter direito ao benefício, entre outras medidas que significam prejuízo para quem trabalha. São as reformas neoliberais do presidente Macron que causam tanta repulsa, o que não ocorreu no Brasil em situação muito parecida e onde a reforma da previdência foi aprovada sem protestos dos que sofreram com os prejuízos.

Assim também como no Brasil, onde uma importante greve dos petroleiros, que contesta as ações de um governo agressivamente reacionário, é praticamente ignorada pela imprensa, a mídia francesa tem dado pouca cobertura ao movimento que já paralisou o país, afetou até o turismo e configura-se como a mais longa das greves trabalhistas da história da França.

Alguns cronistas da história – não os historiadores – já disseram que os franceses têm paixão pelas greves. Mas na verdade a classe trabalhadora em qualquer parte do mundo jamais conseguiu algo que não fosse através de movimentos fortes, entre os quais o mais poderoso deles é a greve. A suspensão voluntária do trabalho. O horror dos patrões. E os trabalhadores franceses mais uma vez se colocam na vanguarda das lutas da sua classe.

Uma era de retrocessos

As paralisações atuais já afetaram o fornecimento de eletricidade e o funcionamento de escolas, hospitais e principalmente dos transportes, a mais sensível para a maioria das pessoas. A própria Torre Eiffel, símbolo da cidade, e outros monumentos parisienses foram fechados diante da precariedade dos serviços públicos interrompidos pelo protesto.

É a maior luta dos trabalhadores franceses desde maio de 1968, que o General De Gaulle na época chamou de chienlit – um personagem típico do carnaval parisiense, para significar desordem ou algo que, no Brasil, poderia ser traduzido na linguagem popular por esculhambação.

Vivemos uma era de retrocessos. Com a queda do Muro de Berlim e a volta dos países ditos socialistas ao capitalismo radical, o mundo como que alinhou-se a um novo tipo de total liberalismo econômico e a uma segura hegemonia do sistema financeiro internacional. Esse é o capital que financia, dirige e supervisiona os governos visando às privatizações dos bens públicos em benefício dos seus negócios.

O movimento atual na França – e também o dos petroleiros no Brasil – reabilita o método da greve como instrumento de luta da classe trabalhadora.

A própria palavra greve é um vocábulo da língua francesa. Tem origem na designação da Place de Grève, em Paris, onde no passado os trabalhadores desempregados esperavam oportunidades de emprego. Esta é a praça onde hoje se localiza o Hotel de Ville, a prefeitura da cidade. Lá foi instalada a guilhotina durante o período mais radical da Revolução Francesa para, literalmente, cortar a cabeça da aristocracia dominante.

A greve geral

Após mais de dois meses de uma greve geral e uma sucessão de greves setoriais de diferentes categorias de trabalhadores, os franceses continuam a apoiar o movimento que representa nada mais do que uma acirrada manifestação da luta de classes tão bem estudada por Marx. Os artistas da Ópera de Paris comprovaram seu apoio encenando O Lago dos Cisnes, de Tchaikovski, gratuitamente nas ruas da cidade.

Os eletricitários religaram a energia na casa de famílias pobres que não puderam pagar por ela e cortaram o fornecimento das casas dos muito ricos. Os bombeiros enfrentaram a polícia protegendo manifestantes. Os coletes amarelos, sempre mobilizados, trouxeram suporte ao movimento grevista. Todas essas manifestações foram saudadas por sua criatividade na luta que se desenrola.

É de se notar ainda a quantidade de imigrantes que se destacam nas ações que agitam as greves francesas. Os árabes e os negros, alvos preferenciais do ataque dos partidos de extrema direita, mostram a sua cara nos protestos de rua, aproveitam um palco onde podem enfim se manifestar e expor a natureza do seu protesto. Annasse Kazib, ferroviário trotskista de origem marroquina, é um dos porta-vozes dessas agitações que dão vida à luta e é entrevistado diariamente pela mídia.

Um renascimento

Uma classe trabalhadora multirracial, multinacional, típica do século em que vivemos, aparece com toda a sua força. E desmente Toni Negri, André Gorz, Ernesto Laclau, Chantal Mouffe e outros autores diversos que afirmaram estarmos a viver hoje assistindo à substituição do conceito clássico de classe trabalhadora pela ideia de multidão.

Pelo contrário, um ponto de vista que toma corpo na esquerda francesa é o de que a radicalização do movimento dos coletes amarelos e a forte mobilização das diversas categorias para esta greve atual fermenta a criação de um novo e robusto partido revolucionário. O que se vê é que, parafraseando o famoso manifesto de Marx e Engels de 1848, um novo espectro ronda a Europa.

Os trabalhadores estão vivos e na vanguarda das lutas sociais.

Publicado originalmente na Carta Maior

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *