Aberto inquérito para apurar corrupção na compra de vacina pelo governo

Procuradoria da República investigará se ex-diretor do Ministério da Saúde pediu suborno de 1 dólar por dose em oferta suspeita feita por representante da Davati

Omar Aziz deu ordem de prisão a Roberto Dias (Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado)

A Procuradoria da República no Distrito Federal abriu um inquérito civil para apurar a acusação de que Roberto Ferreira Dias, ex-diretor de Logística do Ministério da Saúde, teria pedido propina de 1 dólar por dose em uma oferta suspeita de vacinas da AstraZeneca ao governo federal.

A acusação foi feita por Luiz Paulo Dominghetti Pereira, que atuava como representante da empresa Davati Medical Supply, em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, e depois reafirmada por ele em depoimento à CPI da Pandemia no Senado em 1º de julho.

A investigação está a cargo do 28º Ofício da Procuradoria e irá apurar o possível cometimento de improbidade administrativa por Dias e outros agentes públicos e privados.

Ao jornal Folha de S.Paulo, a defesa de Dias afirmou que o inquérito será uma oportunidade para que ele esclareça os fatos. O ex-diretor do Ministério da Saúde foi demitido da pasta no mesmo dia em que a entrevista de Dominghetti foi publicada, em 29 de junho.

A abertura do inquérito havia sido solicitada em representação feita ao Ministério Público Federal pelo deputado Marcelo Freixo (PSB-RJ), líder da minoria na Câmara, pelo deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), líder da oposição, e por outros líderes de partidos da oposição.

Reunião em restaurante

Dominguetti, que é policial militar da ativa em Minas Gerais, havia oferecido ao governo, em nome da Davati, 400 milhões de doses de vacinas da AstraZeneca, no valor de 3,50 dólares por dose.

Ele afirmou ter se reunido em 25 de fevereiro em um restaurante em um shopping em Brasília com Dias, com o tenente-coronel Marcelo Blanco, ex-assessor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, e com um terceiro homem que ele desconhece o nome.

Dominguetti disse que, após apresentar sua proposta, Dias afirmou que seria necessário “melhorar esse valor”, o que ele interpretou como um pedido de desconto no preço das doses.

Depois, segundo Dominguetti, Dias teria dito que seria necessário aumentar o valor, em 1 dólar por dose, que serviria para propina para “um grupo dentro do ministério”. O então representante da Davati afirmou ter recusado o pedido de propina, e teria ouvido de Dias que, sem o valor adicional por dose, não haveria negócio.

Após o jantar, Dominguetti disse que Blanco pediu que ele ficasse mais alguns dias em Brasília, e voltou a se reunir mais uma vez com Dias, no Ministério da Saúde, quando novamente se recusou a aumentar o valor por dose para pagar propina.

O caso, porém, tem aspectos suspeitos. A Davati foi formada em 2020 e tem apenas três funcionários. A AstraZeneca declarou que não negocia vacinas com entes privados, negou ter trabalhado com a Davati e afirmou que todas as vendas no Brasil foram tratadas com a Fiocruz.

Prisão pela CPI

Em depoimento à CPI da Pandemia em 7 de julho, Dias confirmou ter participado do jantar em 25 de fevereiro, mas disse ter se encontrado com Dominguetti de forma acidental, enquanto tomava um chope com um amigo, e que a reunião não havia sido marcada previamente. Ele afirmou também não ter cobrado propina para a compra das doses.

No entanto, os áudios do celular de Dominguetti apreendido pela CPI indicaram que o encontro não teria sido por acaso, como disse Dias, mas havia sido previamente combinado. Nas mensagens, o policial já falava com um interlocutor sobre o encontro dois dias antes da data do jantar.

A contradição nas falas sobre o encontro levaram o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), a determinar a prisão de Dias. “Ele vai ser recolhido agora pela polícia do Senado. Ele está mentindo desde a manhã, dei chance para ele o tempo todo. Pedi por favor, pedi várias vezes. E tem coisas que não dá para… os áudios que nós temos do Dominghetti são claros”, disse Aziz.

Dias foi solto horas depois, após pagar fiança no valor de R$ 1.100, e responde em liberdade por falso testemunho a uma CPI.

Em outros momentos do depoimento, Dias soou contraditório aos senadores ao afirmar que não era responsável por negociar vacinas, mas em seguida relatar suas conversas com a empresa representada por Dominghetti.

Ligação com líder

O ex-diretor é ligado ao deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, e está no centro de duas denúncias distintas sobre supostos esquemas fraudulentos de venda de vacinas para o Ministério da Saúde.

Um dos esquemas foi o apontado por Dominghetti e que envolve a Davati. A outra negociação suspeita envolve a vacina Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, que era representada no Brasil pela intermediária Precisa Medicamentos. Nesse caso, Dias é acusado de pressionar pela aprovação do negócio.

O deputado Luis Miranda (DEM-DF) e seu irmão, o servidor da Saúde Luis Ricardo Miranda, disseram à CPI que houve uma pressão atípica dentro do Ministério da Saúde para agilizar o processo de liberação para compra da Covaxin.

Nesta sexta, a Bharat Biotech anunciou o cancelamento de um memorando de entendimento assinado com a Precisa para a venda de sua vacina. Segundo a imprensa brasileira, a Bharat ainda negou reconhecer a autenticidade de dois documentos enviados pela Precisa à pasta da Saúde, supostamente assinados por executivos da companhia indiana.

Um dos documentos afirmava que a Precisa é a representante legal e exclusiva da Bharat no Brasil, estando, portanto, autorizada a negociar “preços e condições de pagamento, assim como datas de entrega e todos os detalhes pertinentes à operação”. O outro é uma declaração que atesta não haver fatos impeditivos para que a Bharat fosse contratada pelo Ministério da Saúde.

Fonte: Deutsche Welle