Canto buliçoso

Belchior hoje faria 74 anos de sonho, de sangue e de América do Sul.

Foto: Maurício Albano

Por volta de 1969, Belchior iniciou a composição “Aguapé”. A inspiração foi o poema “A cruz na estrada”, de Castro Alves, escrito por sua passagem em Recife, em 1865, e publicado em seu terceiro livro, “Os escravos”, 1883.

O cantor cearense colocou um trecho da obra do poeta baiano, como epígrafe:

“Companheiro que passas pela estrada / seguindo pelo rumo do sertão / quando vires a ‘casa’ abandonada / deixe-a em paz dormir / na solidão. / Que vale o ramo do alecrim cheiroso / que lhe atiras no ‘seio’ ao passar / vai espantar o bando, o bando buliçoso / das ‘mariposas’ que lá vão pousar”.

Na transposição, Belchior, com compreensível licença poética, trocou do original “a cruz” por “a casa”, “nos braços” por “no seio” e “borboletas” por “mariposas”.

A música foi gravada inicialmente em 1979, no LP “Soro”, projeto de Raimundo Fagner, que participou da faixa com Belchior, cantando e tocando viola e violão.

No ano seguinte, em seu sexto álbum de estúdio, “Objeto direto”, Belchior grava novamente “Aguapé”, repetindo o duo com Fagner, e acrescentando, logo na abertura, trechos do conto “A madrasta”, do escritor e pesquisador sergipano Silvio Romero, publicado no livro “Contos populares do Brasil”, de 1885:

“Capineiro de meu pai / não me corte os meus cabelos / minha mãe me penteou / minha madrasta me enterrou / pelo figo da figueira que o passarim beliscou”.

O canto é belíssimo, num lamento sertanejo entoado por Belchior, Fagner e uma discretíssima participação de Fausto Nilo. E em alguns momentos do arranjo do maestro P. C. Wilcox, alinhavando-se com viola, triângulo e acordeom, trecho do Canto Gregoriano Salmo dos Exilados.

Ao contrário do poeta abolicionista Castro Alves, o trecho de Silvio Romero não está creditado no encarte.

“Aguapé” é uma das mais belas composições de Belchior, que hoje faria 74 anos de sonho, de sangue e de América do Sul

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