Gilberto Maringoni: ''PSDB ressuscita a Arena em SP''

O PSDB conseguiu um tento em São Paulo: patrocinou a volta da Arena – o partido de apoio à ditadura militar – à prefeitura e ao governo estadual. É um feito impressionante, celebrado em 31 de março, justamente o dia em que se comemoravam os 42 anos do gol

O PSDB conseguiu um tento em São Paulo, estado e município: patrocinou a volta da Arena – o partido de apoio à ditadura militar – à prefeitura e ao governo. Deste último, ela havia sido escorraçada em 1982, e nunca mais voltara. Agora, Geraldo Alckmin e José Serra desincompatibilizaram-se de seus cargos e deixaram as respectivas cadeiras sob responsabilidade de seus vices, Claudio Lembo – ex-secretário do prefeito biônico de São Paulo, o banqueiro Olavo Setubal (1975-1979) – e Gilberto Kassab, direitista de nova cepa. Ambos são dirigentes do PFL, herdeiro da velha legenda.

É um feito impressionante, celebrado em 31 de março, justamente o dia em que se comemoravam os 42 anos do golpe de 1964. Viúvas do regime que desgraçou o país por 20 anos, saudosistas dos tempos da censura, prisões arbitrárias, torturas e assassinatos devem estar radiantes.

O PFL (Partido da Frente Liberal) surgiu em fins de 1984, como um dos rachas do PDS (Partido Democrático Social), criado em 1979. Eleitoralmente sempre teve um desempenho desastroso em São Paulo. Voltemos a fita, para que tudo não acabe em sopa de letrinhas.

Uma derrota difícil de engolir

Em outubro de 1965, pouco mais de um ano após o golpe, são realizadas eleições para governadores em 11 estados. O regime é derrotado em cinco deles, entre os quais Minas Gerais e Rio de Janeiro. Os setores mais duros pressionam o presidente Castello Branco a acabar com a festa. O Ato Institucional nº. 2 extingüe os partidos políticos. No início do ano seguinte, o AI-3 acaba com as eleições diretas para presidente, governadores e prefeitos das capitais. Nos meses seguintes são criados dois partidos, a Arena, governista, e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro), oposicionista, para dar uma fachada arejada à vida nos tempos de exceção. A Arena cumpriu seu roteiro, mas o MDB, por força de várias pressões, fugiu do script e começou a acolher os descontentes com a situação.

Herdeira do fisiologismo e do reacionarismo que sempre marcaram a vida nacional, a Arena nunca teve um bom desempenho nos grandes centros urbanos, mesmo nos períodos mais duros. Em 1974, a agremiação sofreu vexatória tunda em 16 estados, nas eleições para o Senado, a Câmara dos Deputados e as Assembléias Legislativas. O MDB, de Ulysses Guimarães, emerge como o grande vencedor e espinha dorsal da frente de oposições que acaba por derrotar a ditadura na década seguinte.

Panteão de reaças

Integraram a Arena, entre outros luminares da direita nacional, Plínio Salgado, líder integralista, Filinto Müller, temido chefe de polícia do Estado Novo (1937-1945) e responsável pelo envio de Olga Benário para a morte num campo de concentração nazista, Roberto Campos, economista modelo de gente como Pedro Malan e Antonio Palocci (e de tão entreguista era apelidado de Bob Fields), Paulo Maluf, Jorge Bornhausen, Antonio Carlos Magalhães e Delfim Netto.

Desacreditado, o regime resolve, em 1979, dar uma rasteira nas regras do jogo que seus ideólogos haviam estabelecido. Para dividir o MDB, incentiva a criação de vários partidos, enquanto tenta uma operação plástica em sua legenda. A Arena ressurge com o nome de Partido Democrático Social e as eleições municipais de 1980 são canceladas, como parte da manobra.

Inútil. Em 1982, as primeiras eleições para governador desde 1965, transformam-se em um claro plebiscito sobre a ditadura. Nova surra na Arena, que vê a oposição eleger dez mandatários em 22 estados. Detalhe: entre essa dezena estavam São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais,Paraná e Rio Grande do Sul, os mais importantes.

No estado de São Paulo, Franco Montoro, do PMDB, tem 5,2 milhões de votos e derrota Reynaldo de Barros, do PDS, com 2,7 milhões. Como não havia eleições diretas nas capitais, Montoro indica como prefeito Mario Covas, antes de sua conversão neoliberal. Anos depois, a direita ganharia uma sobrevida na cidade de São Paulo, com a eleição de Janio Quadros (1985-1988). Mas aí, o candidato do PMDB não ajudava. Era ninguém menos do que Fernando Henrique Cardoso.

A essa altura, após a campanha das Diretas-Já e com o fim da ditadura, o PDS divide-se em dois, para tentar salvar os cacos da representação política das várias nuances do reacionarismo pátrio. Uma de suas marcas-fantasia, o PPB (Partido do Povo Brasileiro) surpreende ao eleger Paulo Maluf (1992-1996) e Celso Pitta (1996-2000) prefeitos da capital. Mas no estado, os continuadores na Arena não tiveram mais vez.

É certo que o governo Lula, ao evitar a todo custo mostrar a existência de interesses econômicos diversos na sociedade e ao perpetuar a orientação econômica de seus antecessores, dá sua mãozinha para a criação de um ambiente propício à volta da velha Arena. Mas o mérito maior vai para Geraldo Alckmin e José Serra. Nas tumbas onde se encontram, Castello Branco, Costa e Silva, Garrastazu Médici, Ernesto Geisel e João Figueiredo e golpistas de ontem e de hoje têm uma dívida de gratidão para com o PSDB de São Paulo.

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*Gilberto Maringoni é jornalista e cartunista da Agência Carta Maior, onde este artigo foi publicado originalmente. É autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo) e observador, a convite do CNE, no processo do referendo revogatório na Venezuela.