A maioria dos parlamentares da Câmara dos Deputados disse não à cruzada macartista da grande imprensa e da oposição e recusou-se a cassar sem motivos para tanto o mandato do ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP). O relatório do deputado César Schirmer (PMDB-RS) que pedia a cassação de João Paulo foi categoricamente rejeitado nesta quarta-feira (5/4). Foram 256 votos contra o relatório e 209 a favor, com 9 abstenções, 2 votos nulos e 7 em branco, num total de 483 deputados votantes, um quorum considerado alto. São necessários 257 votos favoráveis à cassação para que um deputado perca o mandato. Com o resultado, o processo será arquivado, e o petista mantém seu mandato de deputado federal.
Acusação e defesa
João Paulo foi acusado de envolvimento com o esquema de Marcos Valério. Sua mulher sacou R$ 50 mil de uma conta da SMPB, empresa de Valério, no Banco Rural, em Brasília. O relatório de Schirmer também apontou que, sob João Paulo, a Câmara firmou contratos irregulares com a SMPB.
O deputado afirmou, durante sua defesa, que nunca pegou dinheiro escuso, de origem indeterminada. João Paulo alegou que o saque foi feito por determinação do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. —Eu estava convencido de que o dinheiro era oriundo dos cofres do partido – disse.
Segundo ele, os R$ 50 mil foram usados para pagamento de pesquisas eleitorais em quatro cidades da região de Osasco (SP).
Ele lembrou ainda que não abusou de suas prerrogativas como deputado ou presidente da Câmara, não fraudou mecanismos para alterar resultados de votações, nem omitiu informações ou mentiu em nenhum processo da Casa. João Paulo também demonstrou com dados e documentos que os contratos com a SMPB foram legais e ajudaram a melhorar a imagem da Câmara.
João Paulo Cunha lembrou que tem 22 anos de mandato desde quando começou como vereador em Osasco até quando exerceu a Presidência da Câmara e que a ética é algo que se incorpora na vida e não se perde de um dia para outro, é algo que se pratica com as pessoas.
O deputado ainda pediu desculpas a Cezar Schirmer se o ofendeu na sessão do Conselho de Ética que aprovou sua cassação. O deputado lamentou, porém, que o relatório tenha sido duro demais com ele.
Quanto às acusações do relator, de que João Paulo mudou a versão de sua explicação sobre a ida de sua esposa e assessores no prédio do Banco Rural, o deputado disse que modificou apenas a data da ida de sua secretária ao prédio. —Eu fui o primeiro a admitir que minha esposa foi fazer o saque e tratar da conta de TV – afirmou.
Sobre o contrato de publicidade da Câmara com a SMPB, João Paulo Cunha disse que cerca de R$ 7,3 milhões foram gastos com veiculação nos meios de comunicação e a contratação de empresas terceirizadas se deveu ao fato de que empresas de publicidade não têm esses profissionais, necessários para a reformulação dos estúdios da TV Câmara, ação prevista no contrato.
—Não tenho nenhum problema de quebrar meus sigilos. O contrato foi positivo para a Câmara, e tenho certeza de que a imagem da Casa melhorou após minha gestão – afirmou. João Paulo também questionou a acusação por fatos que ainda estão sendo analisados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). —Como eu posso ser condenado em razão de um processo sobre o qual o TCU ainda nem se pronunciou de forma definitiva? – questionou.
João Paulo Cunha pediu sua absolvição aos colegas. —Peço isso consciente do papel que exerci em minha história e aqui. Vocês não estarão absolvendo uma pessoa do mal, que trama de forma sorrateira – afirmou.
Apoios e resmungos
O deputado Devanir Ribeiro (PT-SP) defendeu a absolvição de João Paulo Cunha. —Ele é um homem que ama a democracia, a transparência e cuida muito bem do que é público – disse.
Para o deputado Eduardo Valverde (PT-RO), a vida política de João Paulo Cunha é muito rica para ser julgada e enxovalhada de maneira unilateral. Na avaliação de Valverde, os argumentos de João Paulo Cunha mostraram sua inocência, assim como seu passado, e sua história como militante e líder político, disse.
Entre os poucos que lamentavam o fracasso da política de caça às bruxas, estava o ex-petista e agora ferrenho opositor do governo Chico Alencar (PSOL-RJ). —O Conselho de Ética, segundo o plenário, é um péssimo conselheiro e a nossa defesa do decoro comprovou apenas ser decorativa – reagiu o deputado
João Paulo Cunha é o oitavo parlamentar acusado de envolvimento no suposto e nunca comprovado mensalão que teve o mandato preservado por vontade da maioria dos parlamentares.
Perseguição da imprensa
A defesa de João Paulo foi marcada por citações. Entre os citados, estão Raul Seixas, Padre Antonio Vieira e Aristóteles.
No início de sua defesa, João Paulo citou canção de Raul Seixas ao dizer que buscou coragem na figura paterna. O petista admitiu que cogitou renunciar ao seu mandato de deputado federal. Pouco depois, o petista citou o Padre Antonio Vieira: —A dor faz gritar, mas, se for muito forte, ela silencia, disse o ex-presidente da Câmara.
João Paulo Cunha criticou a atuação da imprensa, de quem se disse vítima. —Lutar contra o poder da mídia é uma tarefa ingrata. Terei de carregar para sempre o rótulo de mensaleiro.
O petista usou os filósofos gregos para refletir sobre como foi tratado pela mídia. Disse que Sócrates e Aristóteles também teriam sido vítimas da opinião pública. —A opinião pública nem sempre acerta – disse.
—A imprensa precisa entender que a opinião pública não é a opinião dos jornais – disse. Segundo ele, se isso não for entendido, daqui a pouco, o povo não elegerá mais; porque os jornais vão decidir a política do país.
—Os parlamentos de outros países têm sofrido os mesmos problemas que nós sofremos. Nós precisamos responder à sociedade, mas à sociedade, ao povo. O jornal cria uma tese, a sustenta como se fosse da opinião pública e cobra solução, sendo que a tese é dele! – alegou.
Cunha ainda fez uma relação entre a imprensa de hoje e a imprensa de outras épocas. Mencionou embates históricos como república versus monarquia, abolição versus escravatura e Eduardo Gomes versus Getúlio Vargas, e o posicionamento tomado pela imprensa em cada um deles, e concluiu: —A imprensa antigamente tinha opção política. Hoje, se faz opção por determinada política, mas não se assume.
O ex-presidente da Câmara assistiu ao final da votação de sua casa, acompanhado da mãe, da esposa e da filha.
Da redação,
Cláudio Gonzalez