Campanha de Alckmin terá como alvo o “populismo de esquerda”

Desencontros dentro do principal bloco de oposição ao governo Lula vão além da improvável substituição de candidatos tucanos. O que está em jogo é a definição da linha-mestra da campanha.

Os rumores de que o pacote de denúncias envolvendo o pré-candidato tucano à Presidência da República, Geraldo Alckmin, veio de dentro do próprio PSDB – mais precisamente de aliados do ex-prefeito e candidato ao governo do estado de São Paulo, José Serra, preterido na escolha interna que privilegiou o ex-governador Alckmin – encontraram ressonância no noticiário nacional dos últimos dias por um único motivo: a oposição também passa por uma crise.

O impasse entre cardeais do bloco oposicionista vai muito além da suspeita de "fogo amigo" no núcleo paulista, conectada com a improvável substituição de Alckmin por Serra, alternativa por eles mesmos considerada como extremamente desastrosa. Por trás de intrigas e acusações, o que de fato está em jogo é a definição da linha-mestra de um programa eleitoral capaz de cumprir a complicada e hercúlea tarefa de desbancar a candidatura à reeleição do presidente Lula.

De acordo com João Guilherme Vargas Neto, analista político e assessor de sindicatos e entidades em São Paulo, a oposição vem se dedicando a um trabalho exaustivo "de porta de delegacia" nas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) instaladas no Parlamento, mas enfrenta sérias dificuldades no processo de definição de uma estratégia mais ampliada para derrotar Lula. Mesmo com uma aliança mais ampla e historicamente enraizada no mapa político nacional, o que se viu nos últimos tempos foi uma sucessão de trapalhadas que acentuou o sentimento de desconforto nutrido pelo resultado das recentes pesquisas de intenção de voto.

Para Vargas Neto, Alckmin reagiu mal às primeiras denúncias propaladas pela mídia (veja: PFL propõe CPI sobre contratos irregulares do governo Alckmin, Ameaçada de privatização, CTEEP banca propaganda de Alckmin e Deputados apelam à Justiça e ao MP no caso Nossa Caixa) na esteira da confirmação de sua candidatura. Acabou ajudando a repercutir as acusações de irregularidades em seu governo com respostas débeis e demonstrou fragilidade para enfrentar até denúncias "epidérmicas", que não podem ser comparadas a casos mais espinhosos como o do superfaturamento para a construção do Rodoanel e o do questionamento do processo de privatização do aparato do estado de São Paulo.

As primeiras sinalizações programáticas dadas pelo candidato tucano também colaboraram para encher o céu da oposição de nuvens. Na realidade, há sinais de que os ataques que vêm atingindo Alckmin nos últimos tempos tenham sido desferidos com esse objetivo específico: manter o candidato, mas mudar a orientação programática da campanha, apresentada ainda em pílulas e de forma desarticulada no prólogo da disputa. "O papel do administrador oculto não convence. Quem quer gerente é a elite, que já tende a apoiar naturalmente os partidos de oposição por causa da opção ideológica conservadora", destaca o assessor sindical.

Enquanto Lula acena com aumento significativo do salário mínimo, correção da tabela do Imposto de Renda, medidas para atender os aposentados e pacotes de incentivo para o setor de construção civil, Alckmin pregou, em suas primeiras declarações, o corte de gastos públicos. Como o governo Lula tem garantido melhorias efetivas (muitas delas inéditas) com esses gastos, Antônio Augusto de Queiroz, jornalista, analista político e diretor de documentação do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), classifica a defesa isolada da contenção de recursos como um caso clássico de "tiro no pé".

Notabilizado pela alcunha de "picolé de chuchu", Alckmin conquistou – até de forma surpreendente – a base do PSDB para ser candidato, mas ficou preso ao discurso moralista e não conseguiu dar o segundo salto: decolar em vôo solo e garantir dinâmica e identidade à sua campanha. Vargas Neto lembra que "chuchu não tem gosto e pode ser bom ou ruim, dependendo do tempero". Ao que tudo indica, a movimentação em torno de Alckmin, ainda que truculenta e ruidosa, não cogita substituir o candidato "ungido" pelo grão-tucanato, mas está buscando dar fim ao gostinho amargo deixado pelas derrapadas ainda no grid de largada.

ATAQUE AO "POPULISMO"

"Não existe conspiração interna. Não há hipótese alguma da troca de candidatos. Seria muito ruim para os dois [Alckmin e Serra]", salienta Walter Feldman, que acabou de deixar a secretaria de subprefeituras da Prefeitura de São Paulo (gestão Serra) e voltou à Câmara Federal para poder disputar mais uma o pleito para deputado federal.
 
O experimentado parlamentar ressalta ainda que a campanha na linha do "gerentão" capacitado para aplicar um "choque de gestão", defendida por Alckmin em seguidas entrevistas veiculadas pela imprensa, foi lançada e estimulada pela militância, no calor do lançamento da candidatura. "Trata-se de uma iniciativa despropositada", desconversa. "O comando está começando a pensar a estratégia de campanha", retifica. "Está tudo dentro do script. Existe um clima natural de pressa, mas a candidatura tem um tempo natural de decantação".

As pesquisas recém-divulgadas, segundo Feldman, apontam apenas oscilações da fase preliminar das pré-candidaturas. "Começa agora a peregrinação [durante o feriado de Páscoa, Alckmin assistirá à Paixão de Cristo e participará de outros eventos em Pernambuco, e logo em seguida, deve ir a Cuiabá e Rondonópolis (Mato Grosso), escoltado pelo senador Heráclito Fortes (PFL-PI), escolhido para fazer a conexão da campanha com lideranças locais]". Ele não nega, porém, que as aferições mostram com clareza que o presidente Lula está de fato "descolado" da crise política. "Mas essa blindagem não é a prova total de balas. É surpreendente, mas ainda pode ser abalada".

O novo foco de ataques deve ser o "populismo" da administração petista. Na visão do influente deputado, não dá para negar que o governo Lula consolidou um sistema robusto "que nem Getúlio Vargas conseguiu" de apoio popular com base em iniciativas de distribuição de recursos públicos, fundadas no assistencialismo. A crítica, por conseqüência, deve ser direcionada ao "populismo de esquerda que utiliza dinheiro público para manter influência e poder político". Um dos recursos que devem ser utilizados com mais ênfase será a comparação de um segundo governo Lula, guardadas as proporções e particularidades, com a gestão do presidente Hugo Chávez na Venezuela. "Temos que mostrar outro caminho: moderno, sólido, que não dependa do populismo", recomenda. "Os programas sociais não são o mal. Muitos deles, aliás, foram implementados pelo governo anterior. O que nós questionamos é a utilização desses programas como instrumento eleitoral".