Vida de população sem-teto piora na gestão Serra-Kassab

Por Guilherme Jeronymo (Carta Maior)

A partir de uma “mudança de foco” da administração municipal em São Paulo (SP), ocorrida após a eleição de 2004, as políticas de reinserção

“Agradecemos sua participação, na certeza de que as suas atividades desenvolvidas tenham agregado experiência e conhecimentos suficientes para sua reinserção no mercado de trabalho”. A notícia chegou por carta na sexta-feira, 31 de março, a cada um participantes das Frentes de Trabalho da Prefeitura Municipal de São Paulo. Eram 24 remanescentes de 3,5 mil atendidos até janeiro. A maioria é composta por moradores de rua ou albergados. Havia ainda R$ 6 milhões destinados à pasta, pouca coisa perto dos 150 milhões que as atividades da Secretaria Municipal de Assistência Social (SMADS) recebeu a mais do que no ano passado, focado sobretudo em ampliação da rede de albergues e medidas assistencialistas. Cada inscrito no programa recebia uma bolsa mensal de R$ 363,45.

Noticiado no último dia 15 de abril, o término do programa Operação Trabalho reflete a maneira como a atual gestão municipal lida com a população de rua, os movimentos sociais ligados a ela e a opinião pública. A Secretaria Municipal de Trabalho (SMT) agora passará a focar programas de atendimento à população jovem, micro-crédito para pequenos comerciantes e produtores e intermediação de vagas para empresas privadas. Os programas de proteção social serão de responsabilidade da SMADS. Em nota conjunta com a SMT, as secretarias afirmaram tratar-se de uma forma mais efetiva de ação.

Até o momento a assessoria do Secretário Municipal do Trabalho, Gilmar Viana, não soube informar o quanto foi gasto. Fontes ligadas aos movimentos de área falam da cifra de 6 milhões de reais não aplicados, mas levantamento feito pela assessoria do vereador Paulo Fiorilo dá conta de que foram gastos R$ 1,78 milhão até abril, de um total de 2 milhões. Não há informações se está incluída a parte relativa ao contrato de R$ 1 milhão com o Idelt (Instituto de Desenvolvimento, Logística, Transporte e Meio Ambiente), instituto presidido pela mulher do atual secretário de transportes, Frederico Bussinger. O contrato em questão foi descontinuado após matérias veiculadas pela Folha de S.Paulo, com o fim de preservar a imagem de ambas secretarias.

Visão oficial –
"Morador (de rua) é um problema que não tem só em São Paulo, não tem condição fiscal que resolva.", disse Viana à Folha de S.Paulo. Declarou ainda que "Frente de trabalho é esporádico, para intervenção. Frente de trabalho numa cidade como São Paulo não é prioridade para quem deseja fazer gestão de política pública.". Some-se a isso a declaração da assessoria de imprensa da SMT à esta redação de que “A secretaria não dá emprego, ela intermedia mão de obra. (…) Muitos tem problemas, chegam alcoolizados, e são desprovidos de qualquer tipo de informação. Eles acham que conseguiram um emprego, e não é isso que é feito. (…) Novas frentes serão abertas apenas se houver orçamento e necessidade específica”.

O programa foi criado em outubro de 2001, para gerar empregos temporários, em órgãos e secretarias da prefeitura, com contratos de três a nove meses. Márcio Pochmann, então secretário do trabalho, esclarece que o projeto foi pensado com o caráter de se integrar a uma política de ampla cobertura das necessidades da população da cidade. Para os atendidos, desempregados em média dois anos ou mais, o foco não eram as frentes de trabalho, mas os conhecimentos pessoais de cada um, através de treinamento teórico e prático em órgãos da prefeitura, empresas públicas e parceiros, com encaminhamento para o mercado. Atendendo 20 mil pessoas em três anos, 15% das quais moradores de rua ou albergados, o programa era para o ex-secretário “um ritual de passagem para reconstituir uma situação superior em que os participantes estavam anteriormente”.

Nesta gestão, as palavras mudaram um pouco. Frisa a página da prefeitura na internet que “O Operação Trabalho não é emprego. Seus beneficiados não possuem qualquer vínculo empregatício com a Prefeitura ou entidades parceiras, não assinam um contrato de trabalho e sim um Termo de Compromisso e Responsabilidade”. Frisa a assessoria da pasta que novas vagas serão abertas quando as subprefeituras tiverem necessidade de mão de obra.

No último dia 20 de abril, as informações começaram a ficar mais truncadas. Nota conjunta da SMT e SMADS desmentiu o fim do programa. Os albergados que participaram teriam seus nomes inseridos no cadastro dos CATs (Centros de Atendimento ao Trabalhador), que intermedeiam mão de obra junto à iniciativa privada. Não se fala nada, porém, sobre novas vagas. Há ao menos 10 mil pessoas em situação de rua na cidade, e o Operação Trabalho teve, até 2003, algo em torno de 158 mil inscritos.

Em relação ao término das frentes de trabalho anteriores, a informação do executivo é que se trata do fim natural do programa. Textos de um e-mail interno à coordenação do Projeto Calceteiros, uma das Frentes de Trabalho canceladas, ao qual esta reportagem teve acesso, indicam, porém, que as ações restritas ao treinamento das equipes de calceteiros, por exemplo, não estavam terminadas. “Seguindo sugestão do comitê intersecretarial do Projeto Calceteiros, terão continuidade de atividades durante o mês de abril somente os calceteiros alocados no Pólo I – Vila Prudente (…), que estão concluindo a qualificação prática e teórica, cujas ações encontram-se em estágios mais avançados.”, diz a mensagem.

O vereador Paulo Teixeira (PT) discorda do que fala a gestão municipal, e afirma que “ficaram sem receber inclusive os que já tinham trabalhado. É corte, e não mudança de foco. Estão abandonando todos os programas para a população de rua. É claro que a prefeitura tem um programa de exclusão social”.

Indagado sobre qual seria o encaminhamento das pessoas que estavam nas frentes de trabalho, o Secretário da Assistência Social, Floriano Pesaro, afirmou que o assunto era incumbência da pasta do Trabalho. Viana, da SMT, disse que o problema era da Assistência Social. Em nota conjunta, afirmaram que o final da operação antienchente, programa de frentes de trabalho que integra o Operação Trabalho, foi realizado na data prevista originalmente, e que o programa terá continuidade, tanto em ações perenes quanto, se oportunidades se colocarem, em ações emergenciais.

Procurada, a assessoria da SMADS não se pronunciou sobre o assunto. Declarou que “implantou o programa São Paulo Protege, cujo objetivo é o de desenvolver uma série de ações (…) destacam-se a reestruturação da rede com ampliação do número de vagas em albergues e abrigos especiais para proporcionar um acolhimento mais humano, ágil e transparente nos serviços e programas”. A pasta contou com um aumento de verbas de R$ 150 milhões de 2005 para 2006, destinados sobretudo a políticas assistencialistas, por intermédio de Organizações Sociais.

Em reação a postura e as declarações do titular da SMT, o vereador Paulo Teixeira oficiou, ao presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, a convocação do Secretário à Casa. O vereador José Américo (PT), que levou a questão ao plenário em 19 de abril, realizará um convite para esclarecimentos, através da Comissão de Administração Pública. O parlamentar qualifica a atitude como de “Insensibilidade social. Um mau início para o governo Kassab, e um passo errado do secretário. Espero que não seja o início de um processo de desarticulação de programas sociais na cidade”.

Repercussões –
Tanto a matéria veiculada pela Folha de S.Paulo, no dia 15, quanto matéria posterior do Diário de São Paulo apresentaram uma visão interessante sobre o caso, a das pessoas que dependiam do serviço. Com a atual postura da Secretaria Municipal do Trabalho, entidades envolvidas e vereadores também se manifestaram.

O Padre Julio Lancelotti, da Pastoral do Povo de Rua, declarou ter “uma reação de tristeza e de indignação. A Prefeitura está tirando uma oportunidade mínima para quem estava retomando seu caminho. É tirar das pessoas Esperança”. O religioso considera ainda que cidadania deve ser uma política de governo, o que não lhe parece a prioridade desta gestão. Suas possíveis mobilizações contrárias a ação da Secretaria serão tomadas junto a Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal, junto ao Ministério Público Estadual e através da solicitação de uma audiência junto ao atual prefeito, demanda ignorada por José Serra durante sua gestão, apesar dos repetidos pedidos dos movimentos de área.

O jornalista Alderon da Costa, da Associação Rede Rua, voltada para a população de rua, explica que a aplicação do Operação Trabalho aos moradores de rua foi uma conquista do movimento de área em 2003, concomitante ao surgimento de um fórum inter secretarias articulado a partir da SMADS, como primeira atividade de uma política de proteção social integrada, o que, nesta gestão, parece não ser um princípio maduro.

O conselheiro do Conselho Municipal de Assistência Social e ex-morador de rua, Sebastião Nicomedes de Oliveira, critica sobretudo o corte no programa, que desestruturou os envolvidos. Muitos não esperavam a interrupção neste momento, e contraíram dívidas, inclusive por causa do atraso em alguns pagamentos. “O secretário do trabalho tomou a decisão de encerrar as frentes sem conversar com os conselhos e os usuários, mudando de uma hora para outra os focos de sua política”, diz ele. “Fica do conselheiro a pergunta: quanto custa à prefeitura um morador de rua. Vale mais a pena manter um cidadão albergado do que dar-lhe um emprego e dignidade, com uma política de caridade?”.

Anderson Lopes, do Movimento Nacional da População de Rua, outro ex-albergado, foi mais taxativo: “Há clareza de que a ação política deste governo é higienizante. Não há política de valorização da população de rua”.