Ildo Sauer: “É preciso serenidade e equilíbrio” para tratar da questão boliviana

Ildo Sauer, diretor de gás e energia da Petrobras, diz que a estatal brasileira  esperava pelo decreto do presidente Evo Morales, que estatizou as reservas naturais de petróleo e gás da Bolívia. Ele acredita que as negociaç

Ildo Sauer, diretor de gás e energia da Petrobras, falou à revista digital Terra Magazine na quarta-feira. Disse que a Petrobras esperava pelo decreto do presidente Evo Morales, que estatizou as reservas naturais de petróleo e gás da Bolívia, mas admite: "Foi um gesto quase inamistoso. Estávamos preparados para uma transição, com espaço anterior para uma negociação".

Sauer crê que as negociações serão "duras", mas ressalva que o direito boliviano à soberania sob seus produtos energéticos é inquestionável e que não há motivos para o estardalhaço que a imprensa e setores da oposição estão fazendo em relação ao episódio.


A Petrobras, o governo, foram pegos de surpresa pelo decreto de nacionalização do petróleo e gás assinado pelo presidente da Bolívia, Evo Morales?

Ildo Sauer: Quem estuda a Bolívia, quem acompanhou a campanha presidencial, conhece o programa do Movimento ao Socialismo, o M.A.S, quem sabe dos escritos do vice-presidente da República, Álvaro Garcia Linero, um ex-professor de matemática depois sociólogo, intelectual brilhante e renomado, não pode dizer que ficou surpreso em relação ao ideário…


Mas a Petrobrás foi surpreendida, não foi?

Pelo gesto, quase inamistoso, sim. Esperávamos, estávamos preparados, mas para uma transição, com espaço anterior para uma negociação.


E como o senhor percebe a reação a essa reação?

Estão em debate duas coisas distintas. A soberania interna da Bolívia, e isso está inscrito e previsto na constituição daquele País, é algo inquestionável e, de outro lado, a adequação da medida à legislação internacional. Há um prazo de 180 dias para negociação, e aí teremos análises, auditorias, recursos, e a própria constituição boliviana prevê a indenização a quem foi nacionalizado.


Que não é apenas a Petrobrás?

Não, tem a Total, da França, a Repsol, da Espanha, a Exxon, a British… são sete empresas. Isso terá que ser feito com cautela, sem estardalhaço…


Bem, mas o estardalhaço já está nas manchetes…

Cabe perguntar a quem faz o estardalhaço porque está fazendo, se é de todo justificado, se foi um ato isolado contra o Brasil. Já há até quem esteja falando em intervenção militar, imagine. Cada um diz o que quer, mas o que importa é a cautela.


Em relação ao abastecimento…

…estamos tranqüilos, e é bom lembrar que estamos administrando contratos herdados de períodos anteriores. O primeiro foi ainda com o Collor, teve uma modificação no governo Itamar e um aprofundamento no governo FHC, o que, aliás, não foi um erro. Mas a gestão da Petrobras que menos investiu na Bolívia foi a atual. Apenas cuidou de contratos anteriores. Em 2003 a Petrobras retirava 10 milhões de metros cúbicos por dia, mas pagava por 24 milhões, tinha a obrigação de pagar por 24 milhões. Fizemos um programa para incentivar o uso do gás, inclusive por conta dos preços do petróleo no mercado internacional, e isso sempre com respaldo nos contratos. Hoje retiramos de 24 a 30 milhões de metros cúbicos/dia, que é o correspondente a 160 mil a 200 mil barris de petróleo/dia.


Que condição há de endurecer nas negociações, de parte a parte?

Não é bom pensar assim, mas do lado boliviano eles não podem abrir mão de uma receita de 1 bilhão e 200 milhões de dólares ao ano, dos quais 600 milhões eram para o governo e agora, com o decreto, isso sobe para 850 milhões para o governo.


Eles não teriam alternativas?

Dependeria da construção de um gasoduto, ou de uma planta de petroquímica ou de uma central de liquefação de gás para exportação, mas isso não se faz com menos de cinco anos, e por isso eles estão umbilicalmente ligados ao Brasil. É um direito deles escolher o melhor para o seu povo. Acontecem sobressaltos, como agora, nessa ação unilateral, quase inamistosa, mas há uma relação histórica.


Que corre algum risco se…

Não há espaço para arroubos e rompantes, embora essa não deva ser uma negociação fácil, vai ser dura. Vamos ter dificuldades nessa reconstrução, mas nenhum país grande se torna maior ao atacar um pequeno. É preciso serenidade e equilíbrio, além de também se preservar os interesses econômicos, certamente.

Fonte: Terra Magazine