Empresas fazem dívida externa voltar a crescer

Pela primeira vez desde a adoção do regime de câmbio flutuante, em 1999, a dívida externa do setor privado registra crescimento expressivo neste ano, puxada pela nova onda de captações de empresas.

O débito subiu de US$ 63,107 bilhões para US$ 68,503 bilhões entre dezembro e março passado, segundo dados do Banco Central que incluem dívidas de médio e longo prazos (mais de um ano) do setor privado e do setor público financeiro. Não existe consenso se esse é o início de um novo ciclo de endividamento. Mas é certo que está ocorrendo uma inversão – ainda que mais tarde venha a se mostrar temporária – da estratégia de redução da exposição em moeda estrangeira observada desde que a desvalorização do real levou a desequilíbrios em balanços de empresas.

Muitas empresas fizeram pesadas amortizações nos últimos anos. Agora, com a alta liquidez internacional e o baixo “risco-país”, as empresas acham que vale a pena se endividar. O Departamento Econômico do Banco Central (BC) também credita a retomada das captações ao baixo “risco-país”. As novas captações feitas por empresas privadas no primeiro trimestre equivalem a 405% dos vencimentos no período. A retomada das captações pelo setor privado também se deve ao diferencial entre juros internos e externos e à perspectiva de que o BC ampliará as intervenções no câmbio.

Do ponto de vista da dívida externa total, porém, tudo indica que as novas captações não deixam o país mais vulnerável, como ocorreu no período de câmbio fixo. O aumento do endividamento privado vem acompanhado da redução do débito do setor público, o que faz com que a dívida externa total ainda continue caindo, pelo menos neste ano. Outro aspecto que deve ser ponderado é o fato de que, agora, os prazos das captações são mais longos, o que faz com que o perfil da dívida seja mais favorável.
Queda

A partir da flutuação do câmbio, as empresas privadas começaram a amortizar liquidamente dívida externa, mas o setor público não. O governo fez captações no exterior para ajudar a financiar o balanço de pagamentos durante alguns períodos de crise. Com a maior liquidez a partir de 2003, o setor público vem fazendo amortizações de dívidas, incluindo o pagamento antecipado de bônus ao Fundo Monetário Internacional (FMI) e ao Clube de Paris. Assim, sua dívida caiu de US$ 119,755 bilhões em dezembro de 2003 para US$ 81,756 bilhões em março passado.

A figura completa é que o aumento da dívida privada de médio e longo prazos neste início de ano foi mais do que compensado pela queda da dívida pública, permitindo ainda uma leve redução do endividamento total do país – que passou de US$ 150,674 bilhões para US$ 150,258 bilhões no primeiro trimestre. A dívida de curto prazo subiu um pouco, de US$ 18,776 bilhões para US$ 20,062 bilhões. Em termos consolidados, deve-se manter a trajetória de queda do endividamento total neste ano, já que o país registra superávit em conta corrente e fluxo considerável de investimentos estrangeiros diretos (essas duas fontes de dólares somaram US$ 28,902 bilhões nos 12 meses encerrados em março).
Novo ciclo
A questão é se, olhando para períodos mais adiante, haverá continuidade da queda do endividamento. O país é carente de poupança doméstica, tanto pública quanto privada, e o natural será o Brasil migrar de um superávit em conta corrente para déficits moderados. Essa é, por sinal, a projeção do próprio BC, que espera queda do superávit ao longo dos anos. A contrapartida é que o país deixará de exportar poupança – por meio de pagamentos líquidos de dívidas-, e as empresas irão procurar mais capitais no exterior para financiar seus investimentos. Ainda que suavemente, o Brasil está voltando a elevar o endividamento externo.

Mas esse novo ciclo de endividamento no exterior tem um perfil mais favorável do que os anteriores, já que as captações estão sendo feitas com taxas de juros mais baixas, e os prazos das operações são mais longos – com a emissão, inclusive, de papéis perpétuos. Com isso, será possível o Brasil, mesmo com a dívida privada maior, não ter aumento proporcionalmente tão elevado nos seus compromissos com juros e amortizações anuais do principal.

Com informações do
jornal Valor Econômico