“Uma pitada de subversão na produção cultural”

A idéia é ousada, como a maior parte dos projetos que sai da cabeça dos jovens. Criar uma indústria cultural paralela e construir uma rede de circulação dessa produção cultural. Para isso, existe como refer

A sugestão foi apresentada por Ernesto Valença, ator e ex-coordenador do Cuca, na palestra sobre “Os movimentos sociais de cultura: experiências de intervenção cultural a partir dos artistas e movimentos sociais”, dentro da programação do II Seminário Nacional de Cultura que o Instituto Maurício Grabois realiza em Brasília, neste final de semana. Ele sugeriu ainda “uma pitada de subversão na produção cultural”.
 
Para o deputado estadual do PCdoB da Bahia, Javier Alfaya, que participou da mesa de debates, para superar a subestimação da luta cultural na esquerda, “é preciso criar nova cultura na cultura do movimento social”.
 
Ele reconhece que as dificuldades para atendimento das necessidades básicas, como rede de esgoto e emprego – limitam a ação dos movimentos sociais e sindicais, mas não deve servir de desculpa para que esses movimentos, geridos pelos partidos de esquerda, continuem reafirmando a idéia de que cultura está ligada ao entretenimento e oferecendo o mesmo que a burguesia oferece.
 
Ele sugeriu a criação de Escola de Formação de Gestores Culturais para que os partidos políticos de esquerda e os movimentos sociais, sindicais, comunitários, estudantis ajam em resposta a essa pobreza nos movimentos culturais.
 
A reeleição de Lula e maior aporte de recursos para o Ministério da Cultura deve permitir que essa discussão chegue à área das telecomunicações, defende Alfaya, para quem a luta pela criação da Agência Nacional do Audiovisual (Ancinav) deve retornar, permitindo o enfrentamento do monopólio das redes de TVs privadas no Brasil, a regulamentação de rádios e TVs comunitárias, a criação de TV pública e a discussão sobre os conteúdos.

Assunto espinhoso
 
Ele criticou a falta de discussão do setor cultural dentro da esquerda, que centraliza suas ações nas áreas sindical, juvenil e de mulheres, admitindo que existe uma “pobreza teórica na área cultural”.
 
Alfaya prometeu não fazer lamentação religiosa, utilizando inclusive a Igreja Católica – a ala mais progressista -, enfatizou, como referência de absorção do ritual popular nos seus métodos para interação entre os padres e seus fiéis, como a música, a dança e animação de grupo.
 
Ele atribui as dificuldades de discussão do tema ao fato de ser a arte um assunto espinhoso, “que incomoda, porque tem potencialidade de questionar o conservadorismo, inclusive da esquerda”, afirmou. Na opinião dele, “existe uma aura de desconfiança sobre a arte”, o que acaba condenando-a a utilização de meio de entretenimento.
 
Para Alfaya, a discussão sobre identidade nacional e a defesa de um projeto nacional de cultura passa obrigatoriamente por uma discussão dentro do Partido, que deve levar “alargar os horizontes da arte brasileira e dos indivíduos para o acesso a outras manifestações”, atendendo o caráter internacionalista do PCdoB.
 
Ele destaca ainda a importância de incluir no debate a criação de filtros dos nossos programas, principalmente com a ampliação do uso da Internet e o advento da TV Digital. “Eu quero ter o direito de escolher e não a Sony escolher”, disse, citando o professor da Universidade Nacional do México, Nestor Canclini.  

Cuca como referência
 
Ernesto Valença falou sobre as possibilidades de se fazer cultura nos movimentos sociais, a partir da experiência do Cuca. Disse ainda que antes do Cuca, sempre houve atividades culturais no movimento estudantil, mas destacou que as atividades eram motivadas pelo desejo de se ganhar a próxima eleição. Existia uma visão utilitarista da cultura e arte, como entretenimento, “que não tem nada a ver com a exploração do potencial cultural dos jovens”, explicou.
 
“O Cuca nasceu como uma crítica a essa situação – de uma política cultural baseada na realização de eventos”, enfatizou, relembrando as disputas internas que enfrentou para garantir uma mudança a partir da criação dos Cucas. Mas Valença lembra também que a idéia foi rapidamente assimilada e que os Cucas proliferaram em entidades estaduais – mas que nasciam e morriam com a mesma rapidez.
 
Ele elogia o projeto dos Pontos de Cultura, que fortaleceu a ação dos Cucas, garantindo salto de qualidade. Ele diz que a situação se repete nos governos.

Vídeo
 
No início das atividades da manhã, houve exibição de vídeo sobre experiência da União Nacional dos Estudantes (UNE) na Caravana Universitária de Cultura e Arte, realizado há dois anos, que permitia o acesso dos moradores de regiões mais distantes, como a Amazônia, à produção cultural de outros cantos do País e o conhecimento das culturas produzidas nessas regiões. “Cultura é o DNA de um povo”, são as palavras finais do vídeo, em meio às imagens de grupos de maracatus, hip-hop, teatro de rua etc.
 
De Brasília
Márcia Xavier