Fita mostra que barbárie do MLST não foi premeditada

Por Nelson Breve,
na Agência Carta Maior*

O conflito ocorreu porque a ocupação da Câmara foi mal planejada, pois não previa mudança de planos para situações imprevistas. Isso está claro

O quebra-quebra com atos de vandalismo ocorrido na Câmara dos Deputados não foi planejado pela coordenação do MLST. Pelo contrário. O conflito ocorreu porque a ocupação foi mal planejada, pois não previa mudança de planos para situações imprevistas. Isso está claro na fita com uma hora e dezoito minutos de gravação apreendida pela Polícia Legislativa em poder de um integrante do movimento que documentou as reuniões de planejamento da ação feitas na véspera do incidente.

Os coordenadores da ação acreditavam que seria uma ocupação tranqüila, como a que haviam feito no Ministério da Fazenda no ano passado. Sabiam que poderiam encontrar resistência dos agentes de segurança da Câmara e que haveria o risco da troca de agressões, mas em nenhum momento cogitaram um confronto com as proporções e conseqüências do que ocorreu. Previam que haveria no máximo cinco seguranças na entrada do Anexo 2 da Câmara e que eles seriam facilmente contidos por 20 a 30 manifestantes infiltrados como turistas meia hora antes da ocupação, com a tarefa de liberar o percurso até o Salão Verde, que fica anexo ao Plenário.

“Nosso objetivo é o salão de baile. Vocês foram escolhidos a dedo, como pessoas da maior confiança, para garantir que três portas não se fechem, para que todos os outros convidados, que vão chegar amanhã, entrem para dançar no salão de baile”, explica um dos coordenadores da ação para um grupo de 100 manifestantes durante a preparação da ocupação. Eles chegaram a visitar o Congresso na véspera, para se familiarizar com o local. A tarefa deles era armar uma espécie de corredor humano, liberando a passagem de centenas de manifestantes que desembarcariam dos ônibus por volta das 14 horas de terça-feira. Horário normalmente calmo na Câmara.

Os coordenadores da ocupação foram questionados sobre os riscos da operação. A possibilidade de os seguranças estarem armados, de haver resistência maior do que a prevista, de haver pressão psicológica em razão do conflito armado ocorrido recentemente em São Paulo entre a polícia e uma organização criminosa, de serem descobertos por terem aparência distinta das pessoas que normalmente circulam pela Câmara, entre outras questões.

As respostas evidenciam a precariedade do planejamento. “Vocês têm a responsabilidade do sucesso ou não da ação de amanhã”. “Tem momentos em que nós vamos ter que improvisar”. “A segurança vai ser um pouquinho acima da de hoje”. “Alguns estão armados, outros não. Mas eles não vão dar tiro em ninguém. Pode ficar tranqüilo que eles não são malucos”. “Depois que a gente entrar, a gente só sai quando e como quiser”. “Tem uma equipe cuidando disso com o chefe deles. Tem gente conversando com o presidente da Câmara. Isso é garantir. Não é?”.

Não era. Os coordenadores da ocupação transmitiram à tropa de elite a falsa impressão de que estava tudo sob controle e o fator surpresa estaria ao lado deles. Não estava. Surpreendidos pelo reforço da segurança no local para conter a entrada de outros grupos de manifestantes, os integrantes da equipe de vanguarda não tinham instruções sobre como proceder. Deu-se a improvisação que resultou na ação desastrada.

Publicamente, os dirigentes do MLST não reconhecem a negligência. Mas, de forma reservada, há quem admita que a ação deveria ter sido abortada quando eles se depararam com uma situação imprevista no planejamento. O comando da operação decidiu arriscar e pagou um preço alto pela imprevisibilidade. “Nossa pauta é muito importante para a descriminalização dos movimentos sociais”, enfatizou um dos coordenadores da ação na palestra feita na véspera à tropa de elite. “Nós vamos dizer para o Brasil que tipo de reforma agrária nós queremos”, conclamou outro, poupando o governo Lula e colocando a responsabilidade do atraso na reforma agrária na oposição.

O resultado do improviso foi justamente o contrário. Reforçaram os argumentos para a criminalização dos movimentos sociais e mostraram ao Brasil uma maneira, no mínimo, questionável de lutar pela reforma agrária. Para tentar desfazer essa imagem, a direção do MLST convocou a imprensa de Brasília para uma entrevista nesta quinta-feira. Dois dirigentes distribuíram uma nota pública, na qual é lembrada a história do movimento, é apresentada sua versão dos fatos, são repudiadas as interpretações correntes sobre a premeditação de ações violentas, as ações que provocaram danos ao patrimônio público e ferimentos em pessoas são condenadas, o conflito é lamentado e o presidente da Câmara criticado, mas ninguém assume a responsabilidade pela lambança, a não ser a abstrata “responsabilidade política”. “O planejamento deu errado. Mas a responsabilidade é individual”, afirmou o dirigente do MLST Jutai Maraes.