PSDB e PFL ressuscitam ''Código de Defesa dos Sonegadores''

Em vez de boicotar a votação da Super Receita, parlamentares do PSDB e PFL tentaram aprovar, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado, um relatório com dispositivos de fragilização do Fisco e blindagem das empresas.

A constatação de que as contas da Previdência são arruinadas pela dívida das empresas com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e, mais grave, pela sonegação, sugere que reforçar a fiscalização sobre o pagamento das contribuições patronais deveria preceder tentativas de reformar o sistema. Uma das armas mais poderosas contra a marola e a sonegação empresariais é a unificação da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria da Receita Previdenciária. Mas a proposta esbarra no Senado há quase dois anos. Nesta terça-feira (11), no entanto, viu-se uma nova forma de resistência. Em vez de boicotar a votação, os partidos mais ligados às causas patronais (PSDB e PFL) tentaram aprovar, na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), um relatório com dispositivos de fragilização do Fisco e blindagem das empresas, desfigurando a Super Receita.

Para o Planalto, o boicote inicial do Senado à unificação das duas secretarias de fiscalização e, agora, a tentativa de desfigurar o projeto, refletem uma identidade maior da Casa com os empresários. PSDB e PFL dominam 40% do Senado; na Câmara, controlam 26%. O lobby patronal fica mais forte porque uma parte do PMDB, a bancada mais numerosa do Congresso, também defende a classe. E a ligação começa nas campanhas eleitorais. Estima-se que um senador gaste cinco vezes mais do que um deputado para se eleger. Ele financia as despesas ou com dinheiro do próprio bolso ou com doações privadas, porque não existe um fundo público.

A avaliação do governo sobre o lobby empresarial no Senado só não se torna pública, para não atrapalhar ainda mais a aprovação da Super Receita . Mas observadores privilegiados da discussão da Super Receita, sem vínculo com o governo federal, explicitam o diagnóstico. “O projeto pára no Senado porque lá o poder econômico, que é contra, é muito mais forte. Está travado pelos grandes grupos empresariais”, diz o presidente da Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Previdência Social (Anfip), Ovídio Palmeira Filho.

Um sinal ilustrativo de que o Senado se opõe mais fortemente do que a Câmara à Super Receita são as tentativas de mudar o texto. Os deputados apresentaram, ao todo, 144 emendas à proposta, média de 0,28 por político. Só na CAE do Senado, foram 151 emendas, média de 2,8 por integrante (titular ou suplente) da comissão.

Uma boa explicação para o desconforto patronal com a Super Receita, traduzido na avalanche de emendas, está na diminuição das possibilidades de escapar das contribuições ao INSS. A unificação vai triplicar o exército fiscalizador do pagamento. A Previdência conta hoje com 4,3 mil fiscais. Os auditores da Receita Federal, cerca de 7,5 mil, reforçarão a tarefa. O batalhão em defesa do caixa do INSS pularia para 12 mil. Ainda pouco para as cinco milhões de empresas contabilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Outro motivo para a insatisfação empresarial é que a Super Receita fortalecerá um trabalho que o governo tem feito desde o fim do ano passado: o encontro das contas previdenciárias e tributárias das empresas. A Receita tem comparado pedidos de devolução de impostos formulados por empresas que se acham tributadas indevidamente e as dívidas que estas mesmas empresas têm com o INSS. O pedido será anulado, se o Fisco descobrir que a empresa deve à Previdência. O valor que a empresa quer de volta viraria arrecadação do INSS. Uma triagem inicial da Receita, feita no fim do ano passado, detectou que dez mil empresas queriam reaver R$ 3 bilhões, mesmo estando em débito com o INSS.

Os empresários tentam dar o troco no governo e obter autorização para realizar o encontro de contas eles mesmos, segundo seus próprios critérios. Recorreram à boa vontade do Senado, usando a própria lei da Super Receita que contestam, e encontraram acolhida. O relator do projeto na CAE, Rodolpho Tourinho (PFL-BA), aceitou uma sugestão dos senadores Tasso Jereissati (CE), presidente nacional do PSDB, e Arthur Virgílio (AM), líder do partido no Senado, e permitiu que as empresas realizem encontro de contas. Quem achar que tem imposto para receber de volta, fica livre de pagar o INSS.

O raciocínio parece lógico, mas um dado apurado pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Unafisco) mostra que autorizar a compensação privada pode significar, na verdade, um estímulo à sonegação. A entidade diz que, ao analisar pedidos de devolução de imposto feitos no ano passado, descobriu que 80% se baseavam em situações irregulares. Ou seja, o caixa do INSS ficaria ameaçado por golpes. “Com isso, haverá perdas de recursos destinados ao pagamento de benefícios de aposentadorias, lesando o caixa da previdência social”, afirma a Unafisco.

NOVA ESTRATÉGIA
A tentativa de emplacar a compensação privada na lei da Super Receita faz parte de uma nova estratégia adotada pela bancada patronal no Senado contra a unificação. O Senado vinha bloqueando o andamento do projeto desde fevereiro, quando o recebeu da Câmara. Mas, nesta terça-feira (11), senadores de PSDB, PFL e PMDB abandonaram a defensiva e partiram para o ataque. Decidiram desfigurar o projeto.

Com a cumplicidade do relator, Rodolpho Tourinho, incluíram no parecer sobre a Super Receita alguns dispositivos de uma proposta apresentada em 1999 que cria um Código de Defesa do Contribuinte. Nos bastidores do próprio Senado, a proposta de autoria do presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), foi apelidada de ''Código de Defesa dos Sonegadores''.

Contrário ao “Código”, o governo decidiu barrar a votação da Super Receita na CAE. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), que participava da reunião do presidente Lula com ministros no Palácio do Planalto, saiu às pressas para a CAE, a fim de comandar a operação. Teve a missão facilitada por uma análise de dispositivos do “Código” preparada pela Unafisco – que, aliás, é contra a Super Receita.

Segundo a entidade, as modificações propostas favorecem a sonegação e a protelação fiscal. “Um código do contribuinte deveria prever mais transparência, estabilidade de regras e mais justiça tributária. Não esses mecanismos que podem impedir que o Estado cumpra sua função., que favoreça a sonegação”, disse o presidente da Unafisco, Carlos André Nogueira.

O parecer da entidade foi lido parcialmente pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP) durante a sessão da comissão, sensibilizando alguns adversários do governo e colaborando para derrubar a votação. “A manifestação da Unafisco me deixou preocupado. Me preocupo com a ditadura do Fisco, mas igualmente me preocupo em defender o Fisco de brechas à sonegação”, disse o senador Jefferson Peres (PDT-AM), candidato a vice-presidente na chapa do também senador Cristovam Buarque (PDT-DF). “Não quero tirar poder do Fisco”, defendeu-se Tourinho.

Numa votação apertada, a CAE decidiu, por oito a seis, adiar para agosto a retomada do debate da Super Receita. Até lá, o governo vai ter tempo para descobrir um modo de dobrar as resistências patronais contra o projeto, encampadas por parcela expressiva do Senado.


Fonte: Agência Carta Maior / André Barrocal