Ataques ao Líbano aumentam pressão contra acordo com Israel

'Previsto para ser assinado na cúpula do Mercosul na Argentina, o Tratado de Livre Comércio do bloco com Israel, engendrado silenciosamente no final do ano passado, não sairá do papel tão cedo, confirma o Itamaraty. Com os ataques israelenses à Gaza e

'O Tratado de Livre Comércio (TLC) entre o Mercosul e Israel, proposto no final de 2005 e que começou a ser negociado desde o início do ano, não será assinado, como previsto inicialmente, na gestão argentina da presidência do bloco, que se encerra esta semana com a reunião de cúpula dos países membros nos dias 20 e 21 em Córdoba, Argentina.


Segundo a divisão de Negociação Comercial do Itamaraty, as negociações estão “longe de serem concluídas”, mas já se acordou que, diferente da proposta inicial – que ainda consta na página do Ministério das Relações Exteriores -, não entrarão no pacote serviços e investimentos, apenas bens, em regime de livre acesso aos mercados.


“O Mercosul tem interesse no mercado agrícola de Israel, e eles no nosso mercado de produtos químicos, em especial fertilizantes e defensivos agrícolas. Mas o país também é competitivo em setores como flores e frutas”, explica o conselheiro do Itamaraty Ernesto Araújo.


Em resumo, em reunião realizada em Israel em meados de abril, ficou definido que o TLC incluiria a “liberalização do comércio de bens agrícolas e industriais, normas em matéria de regras de origem, solução de controvérsias, procedimentos aduaneiros, subsídios, salvaguardas e medidas antidumping, e uma cláusula de revisão do acordo em um período ainda a ser determinado e que terá por base a evolução das variáveis econômicas de ambas as partes”.


Repercussão


Desde que passou ao conhecimento público no início deste ano, no entanto, a proposta do TLC entre Mercosul e Israel foi alvo de duras críticas por parte da sociedade civil dos países membros. Principalmente em função da política externa de Israel em relação à Palestina e seu desrespeito a convenções das Nações Unidas, mas também por conta da sua proximidade com os EUA e da estranheza que causou o investimento político em um acordo com um país com o qual as relações comerciais representam menos de 0,1% dos negócios do bloco – segundo o Itamaraty, foram cerca de US$ 1 bilhão no último ano.


Do ponto de vista dos movimentos que compõe a Campanha contra a Alca no Brasil, existe ainda uma grande falta de clareza sobre os objetivos reais do TLC, mas algumas análises apontam para fatores geopolíticos, como a aproximação estratégica do Mercosul de um aliado incondicional dos EUA no momento em que a Venezuela, um de seus maiores oponentes, passa a ser membro pleno do bloco.


Por outro lado, várias avaliações apontam para uma campanha de “humanização” de Israel por parte do próprio país, dos EUA de das instituições Financeiras Internacionais, já que, em função das violações dos direitos humanos e da ocupação dos territórios palestinos, da construção do Muro do Apartheid e de sua política externa em geral, Israel vem sendo alvo de crescentes campanhas internacionais de boicote aos seus produtos e de reservas por parte de outros países, principalmente da União Européia.


Um acordo com Israel que represente o fortalecimento econômico do país seria, na avaliação dos movimentos, um endosso das violações do governo israelense e contrariaria as recomendações da própria Corte Internacional de Justiça de Haia, ratificada pela Assembléia Geral da ONU em julho de 2004, que declarou ilegal o Muro, que os Estados signatários da IV Convenção de Genebra – entre eles todos os países do Mercosul – a não “prestar reconhecimento nem ajuda de nenhum tipo à prolongação da situação criada pelo muro e à ocupação israelense”.


“Seguindo essa linha, Israel adotou nos últimos anos uma política agressiva de negociação de acordos de cooperação com outros países, incluindo os do Oriente Médio, África e América Latina, usando para isso o teatro mediático da ‘desocupação de Gaza’ e os ‘conselhos de desenvolvimento econômico’ do Banco Mundial. Dessa forma, ao invés de atender à Corte Internacional de Justiça, os governos do mundo começaram a negociar com Israel, fortalecendo-o economicamente e dando-lhe impunidade política suficiente para seguir cometendo suas incessantes violações do Direito Internacional. Ao invés de pressionar e sancionar Israel, os governos do mundo estão financiando e encobrindo seus crimes”, afirma a ativista Elisa Abedrapo, presidente da União dos Estudantes Palestinos no Chile.


Comunidade árabe


A recente ofensiva israelense sobre Gaza e, nas últimas semanas, o Sul do Líbano, tem elevado o tom das organizações da comunidade árabe brasileira contra a possibilidade de um acordo com um país considerado genocida.


Em seguidas reuniões realizadas esta semana em São Paulo, várias organizações se manifestaram no sentido de exigir do governo brasileiro que não subscreva um acordo com Israel, principalmente após as inúmeras vítimas brasileiras dos ataques israelenses no Líbano.


“O Mercosul deve – e tem de fato a obrigação – de abster-se do Acordo de Livre Comércio ou de outros acordos até que Israel cumpra com o Direito Internacional e as Resoluções da ONU. Esse é o instrumento nas mãos do Mercosul para provar claramente a sua oposição à ocupação israelense dos Territórios palestinos, e contribuir para a aplicação do Direito Internacional”, afirma parte de um documento que deverá ser enviado ao presidente Lula e que conta com cerca de 800 assinaturas de


“Não podemos premiar um Estado fora da lei. Assinar um acordo com Israel seria importar a impunidade para cá. No momento em que morrem brasileiros pela máquina de morte de Israel é impensável o governo assinar um acordo com este país”, afirma Emir Mourad, secretário da Confederação Árabe Palestina do Brasil. A entidade já elaborou um documento, a ser enviado ao ministro Celso Amorim (Relações Exteriores), onde insta “o governo brasileiro para não assinar nenhum tratado de livre comércio com Israel” e que deflagre, conjuntamente com organizações da sociedade civil, uma campanha de boicote político, econômico e cultural, linha similar à adotada pelo Instituto de Cultura Árabe.


Uma série de manifestações contra os ataques israelenses ao Líbano e à Gaza e o acordo Mercosul/Israel ocorrerão ainda esta semana. Nesta quarta (19), às 17 h acontece em São Paulo um ato político em repúdio aos ataques sofridos pelo Líbano, no auditório Teotônio Vilela da Assembléia Legislativa (Av. Pedro Álvares Cabral, 201).


Na quinta (20), agricultores ligados à Via Campesina farão um ato de solidariedade aos povos árabes em frente à embaixada palestina em Brasília, às 12 h, e outro de protesto na embaixada de Israel, às 14 h, e em seguida pretendem protocolar um documento no Itamaraty.


Na sexta (21), novamente em São Paulo, a comunidade árabe do estado e a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS), articulados no Comitê de Solidariedade aos Povos Árabes, promovem uma grande manifestação na Praça da Sé, às 15 h.'