Kucinski: A linguagem especial da guerra

Por Bernardo Kucinski, enviado especial da Agência Carta Maior, em Tel Aviv*
Entre os soldados enterrados nesta semana em Israel, está Uri Grossman (foto), filho do consagrado escritor e pacifista David Grossman. Um de seus primeiros livros famosos é <

“O general tem que sair”, dizem os oficiais do Estado-Maior. Essa é a manchete de página inteira do principal jornal israelense, o Haaretz, nesta quarta-feira (16), exigindo a demissão chefe do Estado-Maior, Dan Halutz, num dia em que o país continua a enterrar seus soldados mortos. Não bastassem todos os erros de Dan Halutz, descobriu-se que, mal havia começado a guerra, ele estava ao telefone mandando o Banco Leumi vender todas as ações que possuía. Não era muito, coisa de 60 mil reais, mas o episódio, pintado com tintas sensacionalistas pela mídia, tornou-se emblemático da forma como os generais conduziram essa guerra.



“O esquerdista do batalhão”



Entre os soldados enterrados nesta terça (15), está Uri Grossman, filho do consagrado escritor e pacifista israelense David Grossman, que dias antes havia reforçado seu apelo público pelo fim imediato da guerra contra o Hezbolá. O próprio Uri era chamado pelos companheiros de “o esquerdista do batalhão”.
Um dos primeiros livros famosos de Grossman, A linguagem especial de Uri, inspirou-se justamente na forma de falar de seu pequeno filho, agora sacrificado numa guerra com a qual nenhum dos dois concordava, mas que jovens israelenses como Uri enfrentaram, mesmo assim, com sangue-frio.



“Uma guerra decidida de sopetão, sem nenhuma apresentação de alternativas, e sem discutir em profundidade as conseqüências da própria decisão”. Foi o que me disse nesta manhã, desolada, a ex-ministra da Educação Shulamit Aloni, uma das fundadores do partido de esquerda Meretz e destacada ativista dos movimentos pacifista Paz Agora. Ela diz também que mesmo que o ataque ao Líbano tivesse alguma justificativa, ele deveria ter sido precedido de uma advertência clara, na forma de um ultimato de 72 horas.



Ilustração e fracasso



Em outro jornal importante, o Jerusalem Post, Etta-Prince-Gibson recorda como lia A linguagem especial de Uri para seus filhos pequenos, e pergunta como foi possível que toda essa geração de isrelenses educados e ilustrados, que cuidava tão bem de seus filhos, fracassou na mais básica das tarefas, a de garantir a sua segurança.



A história de como Dan Halutz estava mais preocupado com suas ações na bolsa do que com as ações de guerra atinge mortalmente não apenas o general, mas todo o núcleo dirigente do país. “Ele é parte inseparável do triunvirato que vem tomando todas as decisões, formado também pelo primeiro-ministro Ehud Olmert e ministro da Defesa, Amir Peretz”, diz o Jerusalem Post desta quarta. “Todos os três sabem que se um cair, os outros também caem, e por isso apóiam-se resolutamente”, completa o jornal.



O símbolo do desastre



Mas Halutz é sem dúvida a símbolo maior do desastre desta guerra. Oriundo da aeronáutica, em contraste com os comandantes anteriores originários das forças de terra, ele achava que com um ou dois bombardeios de profundidade acabaria com os foguetes do Hezbolá. Não acabou. Os foguetes continuaram a cair em grande número em Israel.



Dizem as más línguas, e alguns jornais, que ao perceber o fracasso dessa estratégia e a dimensão do desastre, Halutz entrou em estado catatônico. Por uns dois dias saiu totalmente de cena.



Ainda nesta quarta, os soldados começam lentamente a voltar para suas casas. Menos Eldar e Ehud, os dois soldados cujo seqüestro pelo Hezbollah deu início à guerra. Na pressa de concluir um acordo que pusesse fim aos foguetes, o pretexto da guerra foi deixado de lado.



* Intertítulos do Vermelho