Em entrevista, Palocci diz que atuará por “pacificação política”

Quinze quilos mais magro, o ex-ministro da Fazenda afirma que Lula merece ser reeleito, prega mais reformas econômicas liberais e diz que seu ''inferno'' foi superado. Antonio Palocci també

O ex-ministro Antônio Palocci deu nesta semana sua primeira entrevista para uma revista de grande circulação, a IstoÉ Dinheiro, desde que se afastou do ministério da Fazenda em março deste ano após ser acusado de ter participado da quebra do sigilo bancário de um caseiro de Brasília que recebeu grandes somas de dinheiro no período em que acusou o ministro de freqüentar uma mansão de lobby, em Brasília. Naquele episódio, terminou a caça ao ministro mais poderoso do governo Lula. Uma caçada implacável, que vasculhou não só sua vida pública como também lançou toda sorte de boatos a respeito de sua intimidade.


 


Segundo o jornalista Leonardo Attuch, que realizou a entrevista, da conversa com a revista, emergiu um Palocci diferente. “Ele continua ponderado, afável e, em alguns momentos, mostra-se até bem-humorado. Mas seu olhar carrega a gravidade de quem já enfrentou situações emocionais extremas – e aprendeu com elas. Se não ficaram mágoas, como ele garante, as cicatrizes estão no rosto desse novo Palocci que, candidato a deputado federal por São Paulo, tenta ressurgir na cena pública”, relata no texto de apresentação da entrevista.


 


Palocci afirmou ter “humildade para recomeçar”. Se vier a ser eleito para a Câmara dos Deputados, diz que tentará atuar em duas frentes. No campo econômico, manterá a linha conservadora que marcou sua gestão como ministro. A meta é convencer seu partido, o PT, a abraçar uma agenda de reformas que incluem a independência do Banco Central e o ajuste nas contas da Previdência. Reformas que Palocci não conseguiu levar a termo durante os três anos que esteve à frente do ministério da Fazenda justamente por serem medidas impopulares dentro do próprio governo Lula.


 


 No campo político, Palocci pretende contribuir para a “pacificação” do País, ainda que seja nos bastidores. “O próximo presidente, já no dia da eleição, deve chamar a oposição e se pronunciar pela unidade nacional”, diz ele. Embora esperançoso, ele está ciente de que há correntes no PT que não concordam com a política de co-habitação com as forças de direita. Mas, ainda assim, insiste: “Os vitoriosos de outubro devem ser generosos.”


 


A volta do ex-ministro ocorre no momento em que ele colhe vitórias judiciais, após um intenso bombardeio. No “caso Francenildo”, a Justiça impediu a quebra do sigilo telefônico de Palocci, diante da constatação de que não há nada no inquérito que o incrimine. Embora a Polícia Federal tenha se apressado em apontá-lo como “mandante do crime”, a decisão de retirar extratos bancários do caseiro foi assumida pelo ex-presidente da Caixa Econômica Federal Jorge Mattoso – e isso quando seria até mais confortável jogar a culpa nos ombros de Palocci. Quanto ao vazamento para a revista Época, jamais se cogitou nas investigações que Palocci fosse o responsável. Portanto, a sua posição jurídica é, segundo os advogados, bastante sólida. É a posição de quem não ordenou a quebra de sigilo nem vazou os papéis para a imprensa.


 


Palocci também anunciou está escrevendo um livro de “narrativas e reflexões” sobre a experiência da eleição de 2002, da transição e do governo. Será um livro “sem intrigas”, alerta.


 


Leia, a seguir, alguns trechos da entrevista:


 


Algumas das medidas que o sr. defende encontram resistência no seu próprio partido. O sr. pretende confrontar o PT?
PALOCCI
– Não gosto de confronto, até porque já temos confronto demais na política hoje. Precisamos é de mais diálogo e de mais consenso, com tolerância para as críticas.


 


O sr. enxerga algum risco no processo sucessório? Uma vitória da oposição poderia causar turbulência?
PALOCCI
– Não há risco algum no processo sucessório, mas eu, sinceramente, não acho que a oposição vá ganhar. De qualquer forma, temos que respeitar a vontade do povo, que é quem decide na eleição. Agora, ganhe quem ganhar, não corremos nenhum risco de turbulência.


 


O presidente Lula merece ser reeleito?
PALOCCI
– Mais quatro anos com Lula é algo que fará bem ao povo brasileiro. Dois mandatos de um presidente que enxerga e muda a distribuição de renda é um bem para o País. É um bem social, um bem econômico e um bem moral, porque nosso nível de desigualdade é um entrave para o crescimento de longo prazo.


 


Um bem moral mesmo após tantos escândalos políticos no País?
PALOCCI
– Sim, porque o governo foi transparente e estimulou a ação dos organismos de investigação e controle. O presidente nunca temeu nem evitou que os problemas ocorridos fossem esclarecidos. Sinceramente, não acho que o povo brasileiro duvide de que o presidente Lula é um homem honesto.


 


Na sucessão passada, seu antecessor Pedro Malan lutou para que os candidatos se comprometessem com uma agenda mínima para a economia. O sr. hoje defenderia algo semelhante?
PALOCCI
– Hoje, aquela agenda mínima, felizmente, está superada. Não vejo qualquer possibilidade de retrocesso nos instrumentos fundamentais da estabilidade econômica. O câmbio flutuante, a inflação baixa e a responsabilidade fiscal são valores que estão consolidados no Brasil.


 


(…)


 


Qual o próximo passo para o crescimento?
PALOCCI
– A agenda agora é outra: temos é que avançar no fortalecimento dos marcos regulatórios para aumentar o investimento privado e melhorar a qualidade dos gastos do Estado para aumentar o investimento público em infra-estrutura e educação.


 


Não é curioso que o PT se proclame hoje o partido da estabilidade econômica?
PALOCCI
– Não. O PT é um partido de grande responsabilidade social. E sabe que contas arrumadas, inflação baixa e dívida pública cadente significam mais ganho para o trabalhador, menos desigualdade e melhoria dos serviços sociais. Isso é apenas uma questão de bom senso.


 


O que pode ser feito para reduzir a altíssima tensão política no País?
PALOCCI
– O presidente que vier a ser eleito, já no dia da eleição, e não depois, deve se pronunciar pela unidade do País a partir de uma pauta de avanços econômicos e sociais. Deve ter a humildade de ouvir a oposição. Deve dialogar com os governadores eleitos e com toda a sociedade.


 


Isso é possível?
PALOCCI
– A união do país nasce de atitudes. E a generosidade deve partir dos vitoriosos de outubro. O presidente eleito tem que ser generoso com as forças políticas e sociais. Convocar a todos por uma nova etapa de esforços pelo Brasil. Respeitando as diferenças, todos devem ter espaço na construção de um país mais rico e justo.


 


(…)


 


Quais os seus principais acertos e erros no Ministério da Fazenda?
PALOCCI
– No processo econômico, você não consegue identificar todos os acertos e erros no presente. Só mais tarde, com os resultados consolidados, é que os erros e os acertos vão, aos poucos, se evidenciando. Penso que dei uma contribuição à estabilidade, ao crescimento e à melhoria da vida dos mais pobres. E isso, realmente, valeu muito a pena.


 


E as críticas?
PALOCCI
– Tive muitos críticos e sofri enormes pressões. Nunca reclamei nem reclamarei disso, porque sei que faz parte do processo. Amanhã, se verificar que uma determinada crítica tinha fundamento, não hesitarei em admitir o meu erro.


 


(…)


 


Como funciona a cabeça do presidente Lula nos momentos mais tensos?
PALOCCI
– O respaldo dele sempre foi total e a política econômica que nós tentamos colocar em prática não haveria funcionado sem isso. Nos momentos tensos, cercados por grandes pressões e dificuldades, o presidente Lula é muito racional.


 


Há quem interprete que ele seja conservador. Aliás, o próprio Olavo Setubal, do Itaú, o definiu dessa forma.
PALOCCI
– O presidente Lula não é conservador, e sim racional. Tem perfeita noção da relação entre esforço e resultado.


 


Isso não retardou o crescimento?
PALOCCI
– Não. O presidente Lula é um líder paciente e perseverante. Sabe incentivar quando a equipe está abatida, sabe adiar quando a decisão não está madura. Sabe decidir quando a responsabilidade exige. Não está isento de erros, até porque quem faz muito pode errar. E também não está isento de emoção. Fica triste ou feliz como qualquer pessoa. E tem ainda aptidão para o comando e um olhar muito atento para a vida dos mais pobres.


 


(…)


 


Mas o crescimento do PIB na faixa de 3,5% não tem sido decepcionante?
PALOCCI
– Não. Muitas vezes raciocinamos com os índices da época do milagre. Mas é preciso lembrar que a população naquela época crescia mais de 3,5% ao ano. O Brasil, hoje, é outro. Por isso, em termos de crescimento per capita estamos caminhando para níveis bons. Não acho que já chegamos lá. Ainda há muito o que fazer, mas já temos um caminho traçado. E vamos crescer mais nos próximos anos. Todas as condições estão dadas.


 


(…)


 


Deixando a economia de lado, o sr. também viveu um inferno pessoal à frente do Ministério. Que lições o sr. tira da crise?
PALOCCI
– A primeira lição que tirei é que nossa economia está realmente forte e estável. Só isso explica o fato de, nos primeiros meses deste ano, a economia estar no céu e o ministro no inferno. Segundo, é que a política nos cobra, muitas vezes, preços altos demais. Mas estou muito tranqüilo para fazer um retorno humilde. (…) Minha tranqüilidade vem da consciência de que não atentei contra as instituições do meu país. Sempre fui tolerante com as críticas, mas reafirmo que não atentei contra a democracia e as regras institucionais e legais. Quem conheceu de perto meu trabalho sabe disso.


 


Essa crise deixou muitas mágoas e cicatrizes?
PALOCCI
– Não guardo mágoas nem sou rancoroso. Além disso, sempre me dediquei ao diálogo e acredito que governo e oposição devem respeitar as diferenças, mas agir com civilidade e grandeza. Nós temos obrigação de deixar um país melhor para as gerações que logo estarão no nosso lugar. Na política, temos que ser tolerantes.


 


O sr. também decidiu escrever um livro. Quais serão as revelações?
PALOCCI
– Estou escrevendo um livro com a experiência da eleição de 2002, da transição e do governo. É um livro de narrativas e reflexões.


 


Sem bastidores?
PALOCCI
– Reflexões novas, sim. Intrigas, não. É um livro do bem. Nele vou tentar analisar erros e acertos, alegrias e tristezas. Se ficar bom e alguém quiser publicar, será lançado no final do ano. Senão, guardarei para registro. Já escrevi metade do texto.