Especialistas reprovam projeto educacional do PSDB em SP

Diminuição do número de professores, fechamento de escolas, baixos salários, municipalização e aprovação automática dos alunos são alguns dos problemas apontados após 12 de governo tucano no Estado de SP, marcados por visão gerencial. Secretaria da Educaç

Nos últimos doze anos de governo tucano no Estado de São Paulo, a predominância da visão gerencial e administrativa marcou quase todas as áreas. Na educação básica essa situação não foi diferente. Ainda que o acesso ao ensino fundamental tenha sido praticamente universalizado, seguindo um movimento que ocorreu nacionalmente, a qualidade da escola pública no Estado ainda deixa muito a desejar, e pouco foi feito para reverter esse quadro. Pelo contrário, os sucessivos governos do PSDB no Estado adotaram medidas que priorizam a redução de gastos, sem levar em conta os efeitos disso no cotidiano das escolas. Diminuição do número de professores, fechamento de escolas, superlotação das salas de aula, baixos salários, municipalização do ensino fundamental e aprovação automática dos alunos são alguns dos principais problemas apontados por especialistas e militantes da área.


 


A progressão continuada no ensino fundamental, possibilidade prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), implantada em São Paulo a partir de 1998, é alvo de duras críticas. Ela consiste na divisão dessa etapa da educação básica em dois ciclos de quatro anos: um de 1ª a 4ª série e o outro de 5ª a 8ª série. Nesse sistema, a reprovação só ocorre no fim de cada ciclo ou no caso de excesso de faltas; são feitas avaliações permanentes e oferecidas aulas de recuperação paralela para aqueles que tiverem dificuldade de acompanhar a turma.


 


Na teoria, pode ser um projeto interessante por respeitar o ritmo de aprendizado de cada aluno e combater problemas históricos da educação brasileira como a reprovação e a evasão. No entanto, especialistas afirmam que a maneira como essa idéia foi concretizada em São Paulo fez com que a progressão continuada se transformasse simplesmente em “aprovação automática” dos estudantes, sem prepará-los para o ensino médio.


 


“Ela aumentou a permanência do aluno na escola, já que o grande mecanismo de exclusão é a reprovação, mas o grande problema é o impacto brutal que provocou na qualidade da educação. A criança fica na escola, é aprovada, só que não aprende. A escola não sabe trabalhar com esse aluno que antes era excluído, e por isso passou a ser um espaço de frustração para crianças e professores. Colocar a escola em condições de enfrentar isso é um grande desafio para o próximo período”, avalia o especialista em política educacional Romualdo Portela, professor da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP).


 


Para o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que se dedica a acampanhar a educação pública, se levada a sério tal medida poderia trazer bons resultados, mas nesse caso foi adotada por razões exclusivamente econômicas. “O aluno chega nos últimos anos do ensino fundamental sem saber ler um texto ou fazer uma operação matemática simples. A lógica para evitar a repetência não foi adotar um método pedagógico mais avançado, foi simplesmente eliminar a repetência para conseguir estatísticas melhores, seguindo orientações do Banco Mundial. Não prepara a escola, o professor, nem tem recursos para fazer o aluno avançar de forma mais consistente, aprendendo e sem causar traumas”, completa.


 


Outra medida bastante polêmica que marcou a gestão do PSDB em São Paulo é a municipalização do primeiro ciclo do ensino fundamental. O processo teve início em 1995, no começo da gestão de Mário Covas no governo estadual e de Rose Neubauer à frente da Secretaria Estadual de Educação. Até 1994, apenas 64 dos 645 municípios do Estado atendiam essa etapa da educação, e a participação da rede estadual correspondia a 87,5% do total. Depois do esforço e dos estímulos dos sucessivos governos estaduais tucanos pela municipalização, em outubro de 2004 já havia 556 municípios com rede de ensino fundamental, 86% do total, praticamente invertendo a proporção em uma década.


 


O processo foi impulsionado pela implementação, em nível federal, do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e da Valorização do Magistério (Fundef), que prevê a vinculação de 60% de toda a receita estadual e municipal de educação para o ensino fundamental. O resgate desses recursos é feito proporcionalmente ao número de matrículas dessa etapa nos Estados e municípios, por isso estes se interessaram em aumentar sua rede de ensino. Tal mecanismo financeiro de indução, somado a uma forte posição política do governo do PSDB nesse sentido, favoreceu a aceleração dessa mudança.


 


Segundo Portela, a rede estadual garantia certa homogeneidade com funcionamento bem razoável e problemas enfrentáveis, mas esse processo levou que municípios sem capacidade técnica instalada passassem a gerenciar redes de escolas de ensino fundamental. “Até eles se darem conta de como fazer isso, foi um caos, que em muitos lugares não se resolveu até hoje. Isso provocou também uma incidência maior dos prefeitos na gestão da educação, já que a rede estadual paulista está menos sujeita à interferência política do que a municipal”, diz Portela. Além disso, ele destaca que existe uma diferença grande entre os municípios paulistas e uma desigualdade no aporte financeiro entre o Estado e o município.


 


“Não foi um processo de negociação, mas sim de imposição, e agora não há diálogo entre os dois ciclos. Ainda estamos colhendo os frutos desse equívoco político e educacional”, completa a especialista em política educacional Lisete Arelaro, chefe do departamento de Administração Escolar e Economia da Educação da FE-USP.


 


A fim de preparar as escolas para a municipalização, a Secretaria Estadual de Educação fez uma divisão das escolas de ensino fundamental, que passaram a ser exclusivamente de 1ª a 4ª série ou de 5ª a 8ª, o que desagradou muitos educadores e especialistas. São Paulo era um dos únicos Estados brasileiros, se não o único, a ter uma escola de oito anos, tornando mais suave e menos traumática a transição do primeiro ciclo para o segundo, já que a 5ª série é considerada um ponto de inflexão, por ter taxas de reprovação maiores do que outras séries. A motivação do governo estadual era essencialmente gerencial: racionalizar o uso do espaço e facilitar a municipalização.


 


Para Lisete, essa divisão, sem levar em conta o contexto histórico, social ou cultural das escolas, foi o pior projeto intervencionista na rede pública de ensino do Estado de São Paulo nos últimos trinta anos. “Eles acabaram com a escola de oito anos, uma escola com projeto pedagógico, com maior qualidade. Cortaram as escolas no meio, passando por cima da história cultural e pedagógica delas, sem considerar se a comunidade havia se unido para criar essa escola, sem levar em conta a distância da casa das pessoas, nem a cultura local. Qual é a melhoria da qualidade de ensino que essa medida trouxe, o que jovens e crianças lucraram com isso?”, questiona a professora.


 


Superjornada de trabalho dos professores


 



De acordo com a presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Maria Izabel Noronha, nesses doze anos, as condições de trabalho dos professores pioraram muito. A diminuição do número de aulas, em 1998, provocou a demissão de 20 mil professores da rede pública estadual. Além disso, a categoria reivindica o piso salarial indicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos (Dieese), de aproximadamente R$ 1,5 mil reais, enquanto atualmente o piso é de R$ 650 para 1ª a 4ª e de R$ 770 para 5ª a 8ª.


 


Os baixos salários levam os professores a uma superjornada de trabalho, muitos com emprego na rede municipal, estadual e privada de ensino, chegando a dar até 70 aulas semanais. Além disso, têm que lidar com a superlotação das salas de aula. No ensino fundamental, elas variam de 35 a 42 alunos por turma, chegando até a 47 no ensino médio, quando antes o máximo permitido eram 35 alunos. De acordo com a presidente da Apeoesp, mais de mil escolas foram fechadas no Estado desde 1995. A sindicalista também critica a municipalização, afirmando que ela provocou uma fragmentação pedagógica e profissional, já que as condições dos professores municipais são diferentes das dos estaduais.


 


De acordo com o deputado Ivan Valente, o governo estadual adotou ao longo dos anos uma lógica de dar gratificações aos professores, que chegam a 40% do total ganho, e que não são incorporadas ao salário. “Foram criados estímulos como um 14º salário para quem não faltar nenhuma vez, uma série de penduricalhos no holerite que não se consolidaram com o tempo como ganho efetivo”, avalia o deputado. Segundo ele, São Paulo adotou orientações do Banco Mundial em diversas questões ligadas à educação. Um exemplo disso é a redução do número de professores, já que o servidor público passou a ser visto como encargo, e o aumento do número de alunos por sala de aula. “Essa economia de recursos provocou uma queda da qualidade no processo de ensino e aprendizagem, que se encontra num alto grau de degradação”.


 


“É uma política de visão meramente administrativa, dentro da lógica do Estado mínimo, cada vez se assumindo menos como provedor e promotor de políticas públicas. O PSDB acabou indo na contramão da qualidade de ensino, por ter escolhido o caminho administrativo para resolver o problema do acesso à escola e da permanência nela. Na educação, está muito claro o projeto de enxugamento da máquina”, resume a presidente da Apeoesp.


 


A Secretaria Estadual de Educação de São Paulo foi contatada desde segunda-feira (14) para rebater as críticas, mas até o fechamento da matéria não respondeu à solicitação de entrevista sobre o tema.


 


Fonte: Agência Carta Maior