Elio Gaspari: ''A pedra de Alckmin não fez onda, afundou''

O jornalista Elio Gaspari analisou neste domingo (10/9), em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo, certas tendências do eleitorado – e também da candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) – nas eleições 2006. ''O único efeito produzido pela pedra de A

Outro dia lula disse que a sociedade brasileira superou o ''preconceito dos que moram no andar de baixo'': ''Não é mais a classe média que detém o voto da empregada doméstica e do porteiro''. As últimas pesquisas do Datafolha e do Ibope mostraram que o buraco pode estar muito mais acima. Nosso Guia está embolado com Alckmin no eleitorado com nível superior de instrução (34% x 36% no Datafolha e 34% x 28% no Ibope) e nas famílias com renda acima de R$ 3.500 (39% x 33% e 36% x 31%).


 


A maldição elitista do tucanato, segundo a qual o companheiro seria reeleito pela ''massa dos não-informados'' aliada aos ''menos escolarizados'' faz água. O empate no andar de cima pode resultar de uma correnteza, com o andar de baixo puxando o de cima, ou de uma enchente, conseqüência do naufrágio da candidatura de Alckmin. Nos dois casos, vai ao brejo a idéia da reeleição, pela vontade de pobres ignorantes, de um presidente ruinoso que teve 40 malfeitores à sua volta. É bom que isso aconteça, para que seus adversários entendam que ele botou o andar de baixo na pauta da política nacional. Quem quiser enfrentá-lo deverá se livrar de seus próprios malfeitores e conversar direito com ''os não-informados'' e ''menos escolarizados''.


 


O ''preconceito dos que moram no andar de baixo'' levou o abolicionista Joaquim Nabuco ao desencanto ao ser derrotado na eleição de 1886. Ele pedira o voto a um negro e ouvira que ''prometi votar nos conservadores''. Nabuco viu nessa conduta ''um remanescente da alma escrava''. A reeleição de Lula parece assegurada pelo apoio maciço que recebe no andar de baixo, livre das almas penadas. Na faixa de renda familiar inferior a R$ 350, a pancadaria é de 56% a 21%. As pesquisas indicam que não se está indo para um resultado que desenhe um país dividido. Além disso, a distância que separa Lula de Alckmin não se repete nas disputas estaduais.


 


A transposição dos fenômenos físicos para a análise política é coisa perigosa. Se a água ferve a 100 graus, a choldra rebela-se quando a temperatura política sobe acima de determinado ponto. É? Como se explica que em junho de 1968 houve a passeata dos Cem Mil e em dezembro ninguém saiu de casa quando foi editado o AI-5? Noutra construção, a opinião pública move-se como a água de um lago plácido onde se joga uma pedra, propagando as visões do centro para a periferia. O único efeito físico produzido pela pedra de Alckmin no lago de Pindorama foi o afogamento da miragem do candidato. Para o bem de todos, as ondas que vieram do centro, saíram da periferia também. As águas do lago são revoltas. Joaquim Nabuco adoraria saber disso.