Nelson Breve fala sobre “as pistas do dinheiro”


Solução do caso do dossiê e das denúncias contra Serra trazidas pela revista Istoé pode estar tanto no dinheiro apreendido com os intermediários vinculados ao comitê da campanha de Lula, quanto no dinheiro que os Vedoin disseram ter usado para honr

BRASÍLIA – Não precisa ter garganta profunda para saber que o caminho do esclarecimento das duas pontas do escândalo do dossiê contra o candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra, é o caminho do dinheiro. Tanto o dinheiro apreendido em poder de intermediários vinculados ao comitê nacional de campanha da reeleição do presidente Lula, quanto o dinheiro que os corruptores do esquema sanguessuga, Darcy e Luiz Antonio Vedoin, disseram ter depositado em contas de laranjas para honrar o combinado com o empresário Abel Pereira. De acordo com os vendedores de ambulâncias, ele seria o intermediário do atual prefeito de Piracicaba, Barjas Negri, um colaborador muito próximo de Serra, a quem substituiu como ministro da Saúde quando deixou o cargo para disputar a Presidência da República, em 2002.


 


“Garganta Profunda” é o apelido dado pelos repórteres Carl Bernstein e Bob Woodward, do jornal The Washington Post, a um informante graduado do governo norte-americano, que ajudou a desvendar o escândalo de Watergate. Uma frustrada espionagem de campanha eleitoral que provocou a renúncia do presidente Richard Nixon, em 9 de outubro de 1974, dois anos depois de ter sido reeleito presidente dos Estados Unidos. No primeiro contato que teve com o informante, Woodward ouviu o conselho: “siga o dinheiro”. A comparação com a trapalhada da compra do dossiê dos Vedoin é inevitável. Até porque veio a público juntamente com a descoberta de supostos grampos telefônicos em gabinetes de ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tidos como rigorosos nos julgamentos de representações contra a coligação “A Força do Povo”, encabeçada pelo presidente Lula.


 


Seguir o caminho da propina é tão importante para passar a limpo o sistema político nacional, quanto seguir o rastro dos financiadores da trapalhada do dossiê. Essa linha de investigação foi completamente abandonada pela imprensa, com o furor de mais um escândalo envolvendo petistas. Investigar tucanos é algo que não empolga as chefias de redações dos principais jornais e revistas do país, que por vezes levam ao lixo apurações consistentes de repórteres voluntariosos para não contrariar próceres do PSDB. A reportagem da revista Istoé contendo as denúncias dos Vedoin contra Serra e Barjas Negri merecia, no mínimo, ser considerada uma boa pauta. Nem precisava dar o tratamento que várias publicações receberam ao longo dos escândalos envolvendo petistas, o de simplesmente reproduzir denúncias para amplificar o alcance sem ao menos desconfiar das informações.


 


Se tivessem pautado a investigação, teriam verificado que um dos supostos laranjas, mencionados como “novos personagens” pela revista, é velho conhecido da Operação Sanguessuga. Funcionário do gabinete da deputada tucana Thelma de Oliveira (MT), Robson Rabelo de Almeida é um dos 79 assessores parlamentares denunciados pelo Ministério Público Federal por terem recebido dinheiro do esquema de venda de emendas parlamentares para fornecimento de ambulâncias e equipamentos hospitalares aos municípios por meio de licitações fraudulentas. Ele começou a trabalhar da Câmara em novembro de 1999, no gabinete do deputado Lino Rossi (PP-MT), então filiado ao PSDB. Rossi foi apontado nos depoimentos dos Vedoin como o parlamentar mais vinculado ao esquema, que teria apresentado a eles outros parlamentares para serem aliciados.


 


Em maio de 2000, Robson deixou de ser funcionário do gabinete de Rossi. Foi encaixado no quadro funcional da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, então presidida pelo deputado tucano Luiz Carlos Hauly (PR). Depois que Hauly deixou a presidência da Comissão, em maio de 2001, conseguiram encaixar o funcionário laranja no gabinete da Presidência da Câmara, que estava sob o comando do tucano Aécio Neves, hoje governador de Minas Gerais, candidato à reeleição. Em março de 2003, três meses depois que Aécio deixou a Presidência da Câmara para se dedicar à montagem da sua equipe de governo, Robson foi transferido para o gabinete da deputada tucana Thelma de Oliveira, onde ainda está lotado. Esse rodízio em gabinetes tucanos nos últimos sete anos não é uma prova, mas é uma pista que a imprensa vem se recusando a seguir.


 


De acordo com a revista Istoé, Robson teria recebido três depósitos do esquema. Um deles em 17 de dezembro de 2002, no valor de R$ 20.100,00, seria para arcar com o compromisso assumido anteriormente com Abel Pereira. “O Abel me chamou para um encontro em São Paulo. Conversamos no aeroporto de Congonhas. Tudo ficou acertado. No início da conversa ele queria manter os 10% que eram tratados com os deputados e senadores, mas no final da conversa fechamos com 6,5%”, teria dito Darci Vedoin, na entrevista para a revista. “Foi quando mais crescemos, pois tudo o que pedíamos era facilmente liberado”, teria acrescentado.


 


As novas declarações dos Vedoin não podem ser acolhidas como verdade sem investigação. Até porque, nos depoimentos que prestaram após terem feito o acordo de delação premiada com a Justiça, o mesmo Robson é apontado como laranja do deputado João Caldas (PL-AL). “Que, com relação à transferência de folhas 253 do avulso V, no valor de R$ 20.000,00, realizado em 27/12/2002, da Klass para Robson Rabelo de Almeida, motorista do deputado Lino Rossi, trata-se de pagamento de comissão ao deputado João Caldas; que a conta corrente de Robson apenas foi utilizada para transferência de recursos para Brasília”, diz o depoimento de Darci Vedoin, prestado em 24 de julho passado. O que foi confirmado pelo depoimento de Luiz Antonio, prestado duas semanas antes.


 


No entanto, o caminho do dinheiro da propina bate em um motorista bem tratado pelos tucanos. É preciso ver se havia alguma relação dele com o empresário Abel Pereira, cujo depoimento na CPI dos Sanguessugas foi requerido pelo deputado Fernando Ferro (PT-PE) em 3 de agosto. Essa linha de investigação não pode simplesmente ser descartada pela PF, pela CPI e pela imprensa só porque os investigados não são petistas ou vinculados ao PT. Ou só porque o dossiê foi negociado de forma imoral. Essa é uma tecla em que os governistas vão bater para tentar espantar a crise mais recente, que pode ser amenizada com o afastamento do coordenador-geral da campanha do presidente Lula, Ricardo Berzoini, e do coordenador de Comunicação da campanha de Aloizio Mercadante ao governo de São Paulo, Hamilton Lacerda.


 


Por outro lado, seguir o caminho do dinheiro que iria pagar o dossiê também é importante para que não fiquem no ar interpretações injustas sobre a cadeia de comando da operação. Comprar dossiê em campanha ou em outro período qualquer não é, necessariamente, um crime, como esclarece o próprio corregedor-geral eleitoral do TSE, Cesar Asfor Rocha, na entrevista que concedeu à Revista Consultor Jurídico, publicada nesta segunda-feira (18). “Comprar dossiê é crime?”, perguntam os entrevistadores. “Depende da forma com que esse dossiê é utilizado, do desvirtuamento que possa ocorrer. Não vamos falar de dossiê, vamos falar em termos de um elemento de informação. Há ato ilícito se há trucagem, se a informação é colocada num contexto falso. Só o fato de uma pessoa entregar informações sobre circunstâncias verdadeiras e isso ser divulgado não caracteriza crime”, responde o ministro. “Mesmo que seja utilizado na campanha eleitoral?”, insistem. “Ainda que seja utilizado na campanha, se o fato é verdadeiro e a utilização é feita de forma escorreita, não há crime”.


 


O que foi colocado em questão pelo próprio corregedor, nos termos em que aceitou a representação dos partidos de oposição (PSDB, PFL e PPS), é a possível ocorrência de abusos, seja pelo poder político, seja pelo econômico, ou de transgressões pertinentes à origem de valores pecuniários. É o que diz o artigo 19 da Lei das Inelegibilidades (64/90), citado pelo corregedor. O objetivo dessas apurações e eventuais punições é “proteger a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou do abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta, indireta e fundacional da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”, como determina a própria Lei.


 


O outro artigo mencionado (22 da Lei Eleitoral – 9504/97) refere-se à obrigatoriedade de o partido e os candidatos abrirem conta bancária específica para registrar todo o movimento da campanha. Ou seja, se o partido usou dinheiro que não tenha transitado pelas contas oficiais para pagar por informações, ficaria consignado o abuso do poder econômico, que determinaria o conseqüente cancelamento do registro da candidatura ou cassação do diploma do candidato eleito, se tiver sido outorgado.


 


Esse é um espeto que poderá ficar na garganta do presidente Lula mesmo depois da eleição, no caso de as urnas lhe conferirem um novo mandato. Um processo como esse, não se decide na véspera de um pleito. Enquanto o caso não for esclarecido definitivamente, a oposição terá sempre um pretexto para questionar a legitimidade da eventual derrota. Não há concertação que resista ao ressentimento de quem se sentiu lesado. Está presente o exemplo das eleições mexicanas, na qual o candidato da esquerda não reconhece a derrota por considerá-la resultado de fraudes.


 


Fonte: Agência Carta Maior