A Amazônia, pivô da integração sul-americana

Este texto é a conclusão da análise Amazônia, região-pivô da integração sul-americana, do professor da UFRJ Francisco Carlos Teixeira Da Silva. A parte inicial trata da geopolítica amazônica, com atenção ao panorama do Peru e da Bolívia, que partilham com

A Amazônia e a integração continental A Região Amazônica surge como um importante pólo de atração política, de oportunidades e de integração com os vizinhos. Os projetos em curso – principalmente na área viária e de energia – são a ponta da integração e do desenvolvimento regional, capazes de criar empregos e gerar renda localmente. As estradas e pontes em construção apontam para o Peru, a Venezuela e a Colômbia, além de sinalizarem a correção de cursos fluviais e a abertura de oportunidades de geração de energia, única forma eficaz de integrar a região ao desenvolvimento nacional, superando o seu isolamento secular.



Integração, energia e Ciência e Tecnologia.



Devemos explicitar aqui um dado bastante específico e, contudo, de grande significado: a diminuição do Estado brasileiro, sob a hegemonia liberal, enfraqueceu imensamente a capacidade de iniciativas estratégicas do país. Contudo, em dois setores temos ainda plena capacidade de ação: energia e ciência e tecnologia. Não só são áreas com grande possibilidade de ações e oportunidades crescentes como ainda possuímos aí uma poderosa expertise. Além disso, mesmo que sob fogo cerrado, o Estado brasileiro dirige um amplo programa de desenvolvimento compartilhado na América do Sul.



Temos que buscar vantagens competitivas na combinação destes elementos: integração, energia e Ciência e Tecnologia.



Disparidades amazônicas



A Amazônia teve um crescimento demográfico da ordem de 172% entre 1970 e 2000, o que não impediu que se mantivesse como a região menos povoada do país, com apenas 12% da população nacional em seu grande território. A densidade demográfica é a mais baixa do Brasil, com 4,18 habitantes por quilômetro quadrado. No estado do Amazonas existe apenas 1,83 hab/km2 (contra uma densidade nacional de cerca de 20 hab/km2). Na mesma linha, dados mais qualitativos apresentam recorte semelhante: a região tem apenas 2,7% dos pesquisadores-doutores do país (contra 34,7% de São Paulo, por exemplo), sendo que mais da metade desses têm origem fora da região.



Tais disparidades e insuficiências impactam claramente a formulação, tomada de decisão e a elaboração de políticas públicas para a Amazônia, acentuando a importação de projetos e de “soluções” exógenas, muitas vezes românticas e desatualizadas.



Um viés característico de tais distorções é a “consciência segura” de um grande número de indivíduos, não amazônidas e mesmo não brasileiros, prontos para dizer o que é o melhor para a região. É especialmente cruel a tentativa de paralisar as populações locais em função da imperiosidade do conservacionismo, negando a essas populações qualquer possibilidade de desenvolvimento, de geração de emprego e de renda.



A literatura sobre o tema desde Euclides



Em geral, as formulações teóricas que alicerçam as tomadas de decisão sobre a Amazônia pertencem a um velho conjunto de idéias, ainda que mitigadas por visões consideradas modernas. E que no mais das vezes se combinam e se articulam para alicerçar teoricamente as formulações voltadas para o ideal de “desenvolvimento zero”, impondo com esse fim uma distinção artificial entre desenvolvimento e preservação.



Boa parte da literatura sobre a Amazônia está profundamente impregnada pelos determinismos geográfico, ecológico e ambientalista. Esse pensamento tem suas bases em dois autores clássicos, do período da República Velha: Euclides da Cunha e Alberto Rangel. Marcados pela ambiência cientificista, herdada do século 19, tais matrizes trabalham com polaridades de distinção entre civilização e barbárie, entre “natural” e “humano”. O conjunto de anotações e artigos de Cunha é de 1909, com o significativo título “À Margem da História”, apresentando um mundo totalmente novo, onde o personagem central é a própria natureza. Um pouco antes, em 1906, Alberto Rangel publicava “Inferno Verde”, originando um duelo sobre a verdadeira natureza da Amazônia.



Para Euclides, influenciado pela leitura das viagens de Humboldt e pela literatura de John Milton e Conan Doyle, a hostilidade natural da região, marcada pelo “mar doce”, pela abundância das águas, pela umidade e o calor, seriam uma prova para o homem brasileiro, porém não constituiriam impedimento à ocupação. Para ele, o objetivo básico seria construir as condições para a incorporação da Amazônia à nação. O determinismo de Alberto Rangel poderia ser superado e a Amazônia, integrada ao Brasil.



Da Belém-Brasília aos “ambientalismos”



A partir do final dos anos 50 do século passado, já sob o impacto da Administração Juscelino Kubitschek e com a inauguração de Brasília, inverte-se radicalmente a abordagem: a Amazônia dos rios, com seus eixos e nós voltados para o sentido Leste-Oeste, passa a ser cruzada por um eixo vertical, rodoviário, no sentido Norte-Sul, criando novos pontos de adensamento e estabelecendo um novo ímpeto colonizador. A oposição à construção da Belém-Brasília gerou típicos sentimentos coletivos oriundos da matriz determinista: de um lado, uma grande euforia, de outro lado, o deboche expresso na idéia de estrada das onças. Muito do que se fala hoje sobre a Amazônia repete as teses deterministas do “inferno verde”: um mundo que não se pode tocar, entender ou muito menos desenvolver.



Nos anos 70, os “ambientalismos” promovem uma ampla revisão da história da Amazônia, re-atualizando Alberto Rangel, ou ainda centrando a ênfase de sua análise na impropriedade do desenvolvimento da região. A idéia central reside na afirmação do caráter frágil do ecossistema amazônico, supostamente montado sobre um equilíbrio dinâmico, auto-sustentado e de constante realimentação.



Não uma floresta mas muitas, algumas delas plantadas



No entanto vários cientistas brasileiros, entre os quais Francisco Salzano, da UFRGS, e Walter Neves, do Museu Emilio Goeldi, ao lado de pesquisadores estrangeiros, como Anna Roosevelt, do Museu de História Natural de Nova York, apresentam resultados diferentes em relação à fragilidade e inospitalidade do ecossistema local.



Ainda no período pré-colombiano, havia na região um povoamento extremamente denso em estágio avançado de cultura material e de organização social. Comprovam tais estudos a incrível capacidade de adaptação, apropriação e manejo por parte dos grupos sociais que, vindos de fora, utilizaram os recursos florestais, pesqueiros e a agricultura de várzea para a sustentação de uma vasta população. Descobriu-se que a Amazônia não é uma floresta: trata-se de um conjunto de florestas, muitas delas oriundas do plantio humano, como os castanhais, os cipoais, os coqueirais.



Em suma, não há qualquer maldição eterna que impeça a Amazônia de se desenvolver, suportar uma população numerosa e manter uma relação equilibrada e auto-sustentada com o desenvolvimento e a integração nacional.



A região como geradora de energia



A maior parte dos especialistas mundiais apontam para o horizonte de 2011/2013 o deslanchar de uma grave crise de energia mundial (crescimento de China e Índia, fim das reservas do Mar do Norte, intensificação de conflitos na Ásia, retomada do Japão, etc.). Ora, todo o processo de desenvolvimento do país, incluindo-se os nossos vizinhos, poderá ser paralisado pelo estancamento da economia da energia. Assim, estudar a matriz energética do país, suas chances e oportunidades de ampliação e diversificação são tarefas estratégicas imediatas.



É sabido, e aceito pelos especialistas, que a energia hidrelétrica é uma das soluções adequadas para o abastecimento do país (ao lado da contribuição da energia fóssil, do nuclear, da eólia e solar).



Na Amazônia, o potencial hídrico é imenso e capaz – tomadas as providências adequadas combinando ecologia e tecnologia – de oferecer as condições de desenvolvimento, geração de renda e de empregos. Evidentemente, muitos erros já foram cometidos neste setor – cabe, portanto, o cuidado na elaboração de um modelo gestor alternativo capaz de provar a nós mesmos e ao mundo a engenhosidade e a responsabilidade social e ecológica do país.



A Amazônia surge, assim, como uma área-pivô do desenvolvimento nacional e da integração regional. Devemos, contudo, atentar para os riscos existentes: é fundamental acentuar e expandir a presença do Estado brasileiro na região. A precária presença de funcionários públicos habilitados no campo do meio ambiente – em especial nos níveis estadual e municipal -, a violência no campo e a permanência de fluxos clandestinos e do crime transfronteiriço, todos são elementos que devem ser enfrentados imediatamente, visando evitar as distorções decorrentes do desenvolvimento. A busca de um perfil regional e auto-sustentado para o desenvolvimento amazônico é o caminho.



Fonte: Observatório Político Sul-Americano;
intertítulos do Vermelho