Vaca suíça ganha 3 dólares por dia

Jamil Chade*
Ela tem sua saúde e alimentação garantidas do primeiro ao último dia de sua vida, o local onde vive é desenhado por um arquiteto e tem aquecimento central. Em alguns lugares, até conta com música clássica para relaxar e produzir melhor,

Roxane, que se beneficia de todos esses serviços, tem uma só preocupação: produzir leite de qualidade. Ela é apenas um exemplo de uma vaca que recebe cerca de US$ 3 em subsídios por dia do governo suíço, o que a torna o animal mais rico em sua espécie e com renda superior à metade da população mundial. Seu bem-estar é uma prioridade não apenas de seu proprietário, mas do governo.



“Uma vaca feliz é fundamental. Ela vai produzir um leite melhor e carne mais macia”, garante o produtor Daniel Jouan, que não considera absurdo o dinheiro que recebe do governo para manter suas 30 vacas e 30 bezerros em sua propriedade de 23 hectares na região de Lignières, a mais de mil metros de altitude nas montanhas suíças.



O problema é que essa felicidade não apenas custa caro para os orçamentos nacionais dos países europeus, mas também prejudica países emergentes, como o Brasil. Entidades como o Banco Mundial já comprovaram que os subsídios deprimem os preços internacionais dos produtos e impedem uma competição justa por parte das produções de países onde não existe o subsídio.



Segundo dados do Banco Mundial, uma vaca européia recebe em média US$ 2,50 por dia em subsídios, enquanto 75% da população africana vive com menos de US$ 2 por dia.



Na Suíça e na Noruega, esse valor é ainda mais alto para os animais. Segundo a entidade Carnegie Endowment for Internacional Peace, o subsídio por vaca chega a mil dólares por ano nessas duas economias. Enquanto isso, noruegueses e suíços destinam anualmente entre de 61 e 84 centavos por habitante em ajuda aos países pobres no mundo.



Nos últimos anos, os países em desenvolvimento formaram uma verdadeira aliança política para lutar contra os subsídios e autoridades não passam uma só semana sem criticar os países ricos pela ajuda que dão a seus produtores, distorcendo o mercado internacional.



Em visita a alguns desses produtores subsidiados, o Estado descobriu como o dinheiro é utilizado e por que a resistência por sua eliminação é tão grande. “Sem o apoio do Estado, não podemos produzir. O cálculo é simples: o custo da produção do leite é de 1,1 franco suíço por litro. Vendemos o mesmo litro por 70 centavos de franco”, explica Jean Pasche, produtor de leite na região de Moudon, no centro da Suíça.



Os produtores alegam que a explicação para tantos subsídios em um setor tão improdutivo está no custo de produção da Suíça, com terras a valores exorbitantes, exigências de qualidade altas e serviços com preços equivalente aos das principais metrópoles européias.



Perguntados se vale a pena manter tal sistema, os produtores são unânimes em defendê-lo. Os motivos são os mais variados. O primeiro é que a vaca faz parte das tradições do país, onde ocupa o território há mais de 3 mil anos. Considerada um emblema nacional, a imagem da vaca está nos selos, cartões telefônicos e, segundo alguns suíços mais irônicos, o país é o único no Ocidente em que o animal pode ser quase considerado sagrado diante dos milionários subsídios.



Mas os agricultores garantem que os subsídios têm um papel social ao permitir que o setor continue existindo. “Não somos um setor como outros. Cada país deve ter direito a ter sua própria agricultura. Pior que pagar pela sobrevivência dela seria não contar com o setor agrícola”, disse Jouan.



Para ele, o agricultor ainda tem outro papel: o de preservar o meio ambiente e as paisagens. “Se não nos ocuparmos disso, quem na Suíça será o jardineiro da paisagem que faz parte dos cartões postais do país?”, questiona o produtor.



Correspondente de de O Estado de


S. Paulo em Lignières, Suíça