O inverno do oligarca: ACM perdeu todas

Por Bernardo Joffily*
Ao receber o governador eleito da Bahia, Jacques Wagner (PT), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva brincou com os fotógrafos que registravam a cena: “Agora vão lá no Senado fotografar o ACM para ver como está a cara dele”. O sen

Adversários e correligionários concordam que o velho senador foi o grande derrotado deste domingo.  Jaques Wagner sagrou-se governador já no primeiro turno, desmentindo o Ibope, contra o pefelista Paulo Souto, que concorria à reeleição. O senador Rodolfo Tourinho, amigo pessoal de ACM, também perdeu a cadeira, para João Durval (PDT). Como se não bastasse, o PFL elegeu apenas 13 deputados federais, contra os 19 em 2002.



ACM Neto, um prêmio de consolação



“Estamos assistindo ao ocaso de um oligarca”, definiu o deputado Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), desafeto histórico do “Carlismo” — como se chama na Bahia o grupo político de Antonio Carlos Magalhães. Foi um golpe demolidor em uma hegemonia que vem desde os tempos da ditadura e ganhou sobrevida com os governos Fernando Henrique.



Como prêmio de consolação, ACM reelegeu o seu neto, novamente como o deputado federal mais votado da Bahia, com 437 mil votos. No ranking nacional, porém, ACM Neto caiu: em 2002 foi o quarto mais votado do país; este ano, o quinto.



O avô deve saber também, ainda que a ninguém confesse, que seu herdeiro embora esforçado está está longe de ter as condições de fazer juz à herança. Em especial, são as condições históricas da Bahia que estão mudando, e deixam cada vez menos espaço para um domínio como o do Carlismo de outrora.



Na ditadura, o biônico ACM monta seu império



Antonio Carlos Peixoto de Magalhães nasceu há 70 anos, de uma família ligada ao clã oligárquico dos Calmon de Sá — no poder na Bahia desde o século 16. Ele, porém, ligou-se à corrente neo-oligárquica de Juraci Magalhães, na UDN baiana. Pela UDN elegeu-se deputado estadual (1954) e federal (1958). Pela UDN conspirou como golpista de 1964.



A ditadura de 1964-1985 casou-se como uma luva com as pretensões do Carlismo nascente. Os generais no poder nomearam ACM prefeito de Salvador (1966) e em seguida governador do estado, por duas vezes (1971 e 1978). Tudo sem eleição. Na época, vigorava o sistema dos chamados “biônicos”: bastava ser o indicado do partido da ditadura, a Arena.



Em 1984, quando o povo encheu as ruas da Bahia e do Brasil clamando pelo fim da ditadura e por eleições diretas para presidente, ACM foi contra. Mas a Campanha das Diretas Já abriu espaço para o oposicionista Tancredo Neves vencer o situacionista Paulo Maluf no Colégio Eleitoral indireto. Antonio Carlos Magalhães foi um dos últimos a pular do barco da ditadura, em 15 de agosto de 1984. Ajudou a fundar o PFL, fazendo dele o seu bunker na Bahia. E tornou-se ministro no governo Sarney.



A onda democratizante que se seguiu ao fim da ditadura motivou a única brecha aberta na hegemonia carlista antes deste 1º de outubro. Nas primeiras eleições para governador, em 1986, o ex-cassado Valdir Pires venceu o candidato de ACM, Josafá Marinho. Na eleição seguinte, o próprio chefe carlista, aliado ao então presidente Fernando Collor, candidatou-se ao governo e consolidou o retorno do seu domínio oligárquico.



Primeiro ministro de FHC



Depois disso ACM revesou-se entre pastas ministeriais e uma cadeira no Senado, sempre cuidando de manter um carlista no Palácio de Ondina, sede do governo baiano. No primeiro governo FHC, foi o grande interlocutor pefelista da aliança PFL-PSDB, chegando a assumir poderes de uma espécie de primeiro ministro. Rompeu mais tarde com FHC, e foi obrigado a renunciar ao mandato de senador, na esteira do Escândalo do Placar Eletrônico. Mas conservou sempre as bases de seu império baiano.



Estas agora estão abaladas. O próprio senador admitiu a derrota. “Derrotado não fala; espera. E eu estarei esperando, amando sempre a Bahia, cada vez mais”, afirmou, antes de se retirar para uma fazenda, em um município não divulgado do interior do estado.



Ali, no interior baiano, residiam, e resistem ainda, as bases do domínio coronelista de ACM. Mas a urbanização, a industrialização e a modernização do estado foram minando-as, inexoravelmente. A população da Bahia era 59% urbana no censo de 1991 e é 72% urbana no de 2000, embora o estado ainda mantenha a maior população rural do país em números absolutos. A vitória de João Durval (PDT) sobre o Carlismo na disputa pela prefeitura de Salvador, em 2004, foi o prenúncio. Agora, nas urnas de domingo, veio o que pode ter sido o golpe mortal no predomínio carlista.