Dia 11/10, completam-se dez anos da morte de Renato Russo


Poucos nomes na história do pop rock nacional conseguiram conciliar qualidade artística e popularidade como Renato Manfredini Júnior, ou Renato Russo (1960-1996), personagem que tornou o cantor nacionalmente conhecido. O próximo dia 11 será marcado

 


Amigo de adolescência de Renato, o cantor e guitarrista do Plebe Rude, Phillippe Seabra, lembra dos conflitos entre sua turma, a dos punks, e os playboys, em Brasília, no início dos anos 80. “Teve uma vez que o Renato salvou a minha vida. Os playboys se juntaram para me pegar e eu me escondi dentro de um carro. Eles disseram que queriam pegar um Phillippe, daí o Loro Jones (ex-guitarrista do Capital Inicial) disse: ‘Aqui, todo mundo é Phillippe’. Veio o Renato e falou para os playboys: ‘A gente está lutando contra a pessoa errada. Vamos bater no sistema’. Os playboys responderam: ‘Então, teu nome é sistema’”, conta, aos risos, o guitarrista.


 


Família – Um líder nato, de atuação marcante e determinada, mas que sabia ser espirituoso com os familiares. Assim era Júnior, forma carinhosa pela qual o cantor era chamado pelos parentes, de acordo com a definição de sua irmã, Carmem Teresa Manfredini. Três anos mais nova que Renato, ela conta que, desde a infância, o vocalista do Legião Urbana já demonstrava inclinação para comandar.


 


Um dos exemplos dessa liderança ocorreu quando a família Manfredini chegou a Brasília, em 1973, e o músico, então adolescente, foi o primeiro a escolher seu quarto, mais espaçoso que o de Carmem, episódio narrado no livro Renato Russo: O Trovador Solitário, do jornalista Arthur Dapieve. “Apesar de ter sido quieto, introspectivo, ele mandava em mim, me liderava. Tinha um embasamento teórico e ninguém conseguia argumentar contra. Sempre teve personalidade forte, talvez pelo Áries dele. Tinha orgulho de ser ariano”.


 


Dono de uma extensa coleção de discos e clássicos da literatura mundial, Renato gostava de dar dicas culturais à irmã e aos amigos. Por conta disso, ela acabou conhecendo o trabalho de muitos ícones musicais dos anos 60 e 70, entre eles a cantora folk Joni Mitchell, um dos ídolos de Renato. No álbum Acústico MTV– Legião Urbana, lançado em 1999, o cantor dedicou a Carmem a versão que fez da canção The Last Time I Saw Richard, composta por Mitchell. “Eu sou a segunda maior fã da Joni Mitchell. O primeiro era o Renato. Ele me deixava pegar os discos, mas queria saber qual disco era e se eu tinha colocado na capa certa”.


 


A maneira como o cantor conduziu sua carreira à frente da banda também comprova sua determinação e carisma. “No começo, quando eles gravaram o primeiro disco, a gravadora queria que mudassem o estilo. O Renato não aceitou e disse que não iria fazer aquilo. E eles não mudaram, o que mostra que estava certo”, afirma a irmã do intérprete, que divide uma casa com a mãe Maria do Carmo e o filho de Renato, Giuliano Manfredini, 17 anos, no Lago Sul, região nobre de Brasília.


 


Memorial – Ela destaca ainda que a produção poética do cantor faz muita falta na cena musical. “Não é nem a questão melódica. Ele mesmo falava que a Legião não sabia tocar. Acho que o que mais falta no Brasil hoje são as letras, que continuam atemporais. Ainda bem que temos o Chico Buarque, que, para mim, é um grande poeta. Acho ele maior que o Renato, mas o meu irmão foi o poeta da geração dele”, diz Carmem, que tem as músicas Giz, Acrilic on Canvas e Vamos Fazer um Filme como suas favoritas.


 


Para o futuro, ela planeja a fundação de um memorial em homenagem ao vocalista, que contaria com estúdio de ensaio para bandas iniciantes, biblioteca e um auditório. Entretanto, prefere esperar que Giuliano, herdeiro do espólio artístico e financeiro de Renato, atinja a maioridade e decida sobre o projeto.


 


 



Vida e Obra
Dojival Filho


Contestador, messiânico e rebelde. Termos como esse são sempre utilizados quando se trata da vida e da obra de Renato Russo, nascido às quatro horas da manhã de 27 de março de 1960, na Clínica Santa Lúcia, em Humaitá, no Rio. O fato é que o músico soube como ninguém interpretar os anseios de sua geração, que cresceu sob as botas do regime militar e, no início da década de 80, período marcado pela abertura política, estava afoita para expressar seus desejos.


A história da liderança de Renato começou um pouco antes, ainda nos anos 70, quando ele ministrou aulas de inglês em uma escola particular em Brasília. O domínio do idioma foi adquirido na infância, entre os sete e os nove anos, quando Renato morou com a família em Nova York. Lecionou durante dois anos, e teria sido demitido, por levar os alunos para cantar músicas dos Beatles (grupo preferido de Renato) nos corredores da escola.


Pouco depois, fundou a primeiro banda punk de Brasília, a Aborto Elétrico, ao lado dos irmãos Fê e Flávio Lemos (respectivamente, baterista e baixista do Capital inicial). Nessa mesma época, estudou jornalismo e chegou a trabalhar em jornais de Brasília.


Em 1982, fundou com o baterista Marcelo Bonfá o Legião Urbana, uma das mais bem-sucedidas bandas da história do rock brasileiro. Três anos depois, o grupo lançou seu primeiro LP, homônimo, que surpreendeu pela maturidade de letras.


Músicas como Será e Geração Coca-Cola se transformaram em hinos juvenis. Lançado no ano seguinte, o álbum Dois solidificou a carreira do grupo, com os hits Eduardo e Mônica, Índios e Tempo Perdido.


O disco Que País é esse? (1987), que continha a mistura de rock e ritmos regionais batizada de Faroeste Caboclo, e seu sucessor, o multiplatinado As Quatro Estações (1989), alçaram Renato à categoria de guru de milhares de adolescentes. Para eles, suas palavras eram quase leis.


Em 1990, o cantor assumiu sua homossexualidade e, no fim daquele ano, descobriu-se portador do vírus da Aids. Ao contrário de seu amigo Cazuza, preferiu não assumir sua condição de soropositivo até a morte, em 1996.


A doença, no entanto, não o impediu de lançar dois discos-solo – The Stonewall Celebration (1994) e Equilíbrio Distante (1995) –, e continuar seu trabalho à frente do Legião. Afinal, se a vida estava fadada a ser breve, era preciso manter o lema que acompanhava a banda em todos os discos (exceção feita a A Tempestade): força sempre.



 


Fonte: Diário do Grande ABC