Cláusula de barreira é antidemocrática e antieconômica

''A importação acrítica de 'modelos' de outros países não é a melhor solução'', adverte o jurista Flávio Dino, sobre a ''cláusula de barreira'' que passou a tolher a liberdade partidária no Brasil. Ex-juiz federal e secretário-geral do Conselho Nacional d

''O PCdoB foi fundado há mais de 84 anos, período em que teve intensa participação na vida pública brasileira, apesar das perseguições, das campanhas difamatórias e de longos anos em que seu direito de organização foi cerceado arbitrariamente. Após 1947, somente a partir de 1985 o nosso partido pôde organizar-se plenamente e disputar eleições livremente.



O PCdoB tem uma atuação de fundamental importância na organização do povo brasileiro, no movimento sindical (no âmbito da CUT), no movimento popular, nas entidades da juventude (como a UNE e a Ubes).



Não somos uma “legenda de aluguel”, sem identidade e sem história. Representamos uma parcela substantiva e específica do pensamento político contemporâneo, razão pela qual não admitimos a hipótese de extinção ou fusão com outros partidos.
A “cláusula de barreira”, instituída em 1995, ainda não foi confirmada pelo STF. Aguarda julgamento a ADI (AçãoDireta de Inconstitucionalidade) nº 1354/DF, na qual se debate o alcance da norma, bem como sua melhor interpretação. O PCdoB buscará o julgamento da citada ação, com brevidade, para que se estabeleçam os melhores parâmetros interpretativos acerca do assunto. Quando da apreciação da liminar, no já distante ano de 1996, esta foi indeferida, mas com a ressalva de que os partidos são iguais, ressalvados somente o acesso ao Fundo Partidário e ao horário gratuito na televisão.



A importação acrítica de “modelos” de outros países não é a melhor solução para a temática. A experiência alemã ocorre no âmbito de um regime parlamentarista, no qual a excessiva fragmentação do quadro partidário afeta profundamente e de maneira imediata a governabilidade. O mesmo não ocorre no regime presidencialista, em que os governos não são constituídos pelo Parlamento, e sim por vontade direta do povo. Relevante assinalar que o Tribunal Constitucional da Alemanha admite exceções à igualdade entre os partidos em face de “razões imperiosas”. “No caso da cláusula de 5% tais razões residiam na fragmentação do sistema de partidos, que paralizaria o Parlamento e poderia obstaculizar a formação de governo”, assinala o Prof. Dieter Grimm (Manual de Derecho Constitucional, Marcial Pons Ediciones jurídicas y sociales, Madrid, 1996). Interessante notar que o mesmo autor aponta claras indicações do inadequado funcionamento do sistema germânico, destacando o imobilismo dos partidos majoritários, os crescentes protestos, a descendente participação eleitoral, o aumento de iniciativas diretas dos cidadãos etc.



Em qualquer hipótese, a aplicação da “cláusula de barreira” em nada pode impedir ou tolher o exercício dos mandatos parlamentares obtidos nas urnas. Não há em nosso sistema constitucional amparo para a criação de deputados de “segunda classe” ou “zumbis”. Basta que se analisem os artigos 44 e seguintes da Constituição. Destacamos especialmente o art. 58, § 1º, da Carta Magna, o qual assegura a proporcionalidade entre os vários partidos presentes nas Casas Parlamentares, na composição das Mesas e das Comissões.



O cerceamento dos mandatos de parlamentares eleitos legitimamente enfrenta duas ordens de obstáculos: a) seria antidemocrático, na medida em que desrespeitaria diretamente a vontade popular; b) seria anti-econômico, pois deputados seriam remunerados igualmente para trabalharem menos que os demais.



Chamamos atenção também para uma contradição a que a privação total do “funcionamento parlamentar” levaria: um partido não poderia atuar no Congresso Nacional mas manteria a legitimidade para atuar perante o Supremo Tribunal Federal, provocando ações diretas de inconstitucionalidade, nos termos do art. 103 da Constituição. Ou seja, um partido seria menos representativo do que os demais no âmbito interno do Parlamento, e igualmente representativo no que se refere ao controle concentrado de constitucionalidade. Como se sustenta logicamente ? Onde fica a unidade sistêmica da interpretação constitucional?



O estreitamento do quadro partidário não pode ser feito com sacrifício da pluralidade inerente ao regime democrático. Anuncia-se para a próxima legislatura a reforma política, esfera adequada para a reorganização do quadro partidário, de modo negociado e sistemático.''