Candidato “padrão Nakamura” levou educação de SP à falência
“O que ocorre é que o PSDB tem a concepção de que o dinheiro atualmente investido na Educação já é suficiente. E o pior: a economia feita com a ‘reorganização’ não foi revertida para melhoria da qualidade de ensino”, aponta o presidente da Apeoesp (Sindic
Publicado 17/10/2006 19:42
por João Paulo Soares
O debate entre os presidenciáveis do último dia 8, realizado pela TV Bandeirantes, ajudou a explicar por que a Educação foi tão mal-tratada no Estado de São Paulo nos últimos 12 anos.
Responsável em grande parte pela precária situação das escolas públicas paulistas, o ex-governador Geraldo Alckmin, hoje candidato do PSDB à Presidência da República, poderia ter aproveitado o debate para se explicar, pedir desculpas, fazer promessas e até culpar o governo federal, como fez em várias outras ocasiões. Ao invés disso, nas vezes em que foi cobrado sobre o problema, preferiu tratá-lo com descaso.
Quando Lula falou das escolas de lata, por exemplo, Alckmin fingiu indignação e “informou” ao presidente que elas não existem mais. Teriam sido substituídas por prédios construídos num certo “Padrão Nakamura” – sem dizer exatamente o que isso significa.
Em outro momento, questionado sobre o péssimo desempenho de São Paulo no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), o tucano deu de ombros, afirmando que a prova não mede a qualidade do ensino e serve “apenas para passar no vestibular”.
A percepção de Alckmin sobre o Enem é reveladora e dispensa comentários. Sobre o “moderno Padrão Nakamura”, no entanto, vale a pena reler editorial publicado pelo insuspeito jornal O Estado de S.Paulo no último dia 13 de setembro:
“No Estado mais rico do País, considerável número de alunos da capital e de várias cidades do interior continuam estudando em salas de aula improvisadas em contêineres ou em escolas feitas de metal, num padrão condenável de construção para esse fim. No verão, as salas parecem fornalhas; no inverno, congeladores. Quem se senta no fundo das salas não ouve o que o professor diz diante do quadro-negro. Se chove, só se escuta o barulho da chuva. Crianças passam mal durante as aulas por causa da falta de ventilação (…)”.
Mais adiante, o editorial afirma que, na rede estadual, “(…) as escolas de lata ganharam um rótulo oficial mais imponente: são escolas do padrão Nakamura. Para os especialistas, não passam de estruturas metálicas absolutamente impróprias para o uso a que foram destinadas. Para os alunos, são escolas de latão”.
O descaso com a avaliação nacional do Ensino Médio e a defesa das “escolas de latão” não são novidade para quem vive a realidade do ensino público paulista há 35 anos, como o professor de biologia Carlos Ramiro de Castro, hoje presidente da Apeoesp (Sindicado dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) pelo segundo mandato conseguido e suplente do senador reeleito Eduardo Suplicy (PT-SP).
Carlão, como é conhecido, testemunhou o desmonte da escola pública patrocinado pelo PSDB nos últimos 12 anos, primeiro com a secretária Rose Neubauer (governo Covas) e, agora, com Gabriel Chalita (Alckmin).
“Nesse período, eles promoveram uma ‘reorganização’ que fechou mais de 300 escolas e eliminou milhares de salas de aula nas que permaneceram abertas”, denuncia Carlão.
O resultado imediato, segundo ele, foi a superlotação das classes, que passaram a ter até 50 crianças amontoadas em espaços onde deveriam estar, no máximo, 35.
A situação dramática levou até mesmo a Assembléia Legislativa, onde o governo tucano de São Paulo sempre teve maioria, a aprovar, por duas vezes, leis que limitavam o número de alunos por sala (entre 25 e 35). As duas foram vetadas pelo governo, sendo a última delas em janeiro deste ano.
“O que ocorre é que o PSDB tem a concepção de que o dinheiro atualmente investido na Educação já é suficiente. E o pior: a economia feita com a ‘reorganização’ não foi revertida para melhoria da qualidade de ensino”, aponta o presidente da Apeoesp.
Segundo ele, São Paulo investe apenas 3,5% do PIB local em Educação. “Não foge muito do que acontece em outros Estados. Mas São Paulo teria condições de dar muito mais. São Paulo não é apenas o Estado mais rico da Federação. É muito mais rico do que os outros”.
Professores
O sucateamento da rede de ensino não é um fato isolado. Ao contrário, veio acompanhado da precarização das condições de trabalho dos professores.
Achatamento salarial, sobrecarga horária, insegurança contratual e a ausência de políticas consistentes de aperfeiçoamento profissional são alguns dos fatores que contribuem para que muitas crianças cheguem à 4ª Série sem ao menos saber ler e escrever.
Carlão informa que, dos 236 mil professores da rede estadual, nada menos do que 60% (141 mil) são contratados em caráter temporário, o que, segundo ele, é totalmente ilegal.
“Esse tipo de contrato gera uma insegurança muito grande, já que o professor, quando é dispensado, sai sem direito a nada. Além disso, é péssimo para o sistema de ensino, que precisa de continuidade e uniformidade para funcionar bem. Isso é impossível no regime de contrato temporário, no qual as trocas são freqüentes”, afirma.
Na questão salarial, os professores de São Paulo passaram quase toda a década e 90 sem reajuste – a exemplo do que aconteceu com demais funcionários públicos no período, por conta da política de arrocho imposta no governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), também do PSDB.
O resultado é que, hoje, o piso da categoria está em parcos R$ 668. Para atenuar a situação, os tucanos paulistas inventaram o sistema de gratificações, que são complementações concedidas ao funcionalismo a título de abono – ou seja, não se incorporam aos salários. Com as gratificações, a remuneração mensal, para quem recebe o piso, fica em R$ 935.
“Mas isso não vale para os aposentados, que continuam recebendo os R$ 668, nem entrará no cálculo de aposentadoria para os que hoje estão na ativa, que igualmente será feito com base nos R$ 668”, explica Carlão.
Com salários tão baixos, afirma ele, os professores são obrigados a recorrer a jornadas duplas e até triplas. “Com isso, não sobra tempo para a reciclagem, que é tão importante no nosso caso”, diz.
Fracasso
A maneira como o candidato “Padrão Nakamura” tratou da Educação em São Paulo tem levado ao fracasso até programas que, em tese, deveriam melhorar a qualidade de ensino.
Carlão cita como exemplos a progressão continuada e o projeto de escola em tempo integral. A primeira virou “aprovação automática” e o segundo, na avaliação do presidente da Apeoesp, transformou os estabelecimentos em “depósitos de crianças”.
“A progressão funciona, desde que você tenha uma estrutura de atendimento quase individual aos alunos. Com as classes superlotadas, a rede sucateada, os salários achatados e a falta de profissionais, isso é impossível”, constata.
Da mesma maneira, a escola em tempo integral, que hoje “funciona” em 500 das 6.500 unidades da rede estadual, se perde pela falta de equipamentos e de pessoal.
“A proposta é ótima e era uma reivindicação antiga da Apeoesp. Mas sem infra-estrutura e sem condições de trabalho, não funciona. Deveria ter laboratórios, salas de informática, bibliotecas, atividades esportivas… Nada disso existe. Muitas crianças ficam 9 horas presas na escola sem ter o que fazer; em alguns casos, até sem alimentação”, lamenta.
Para Carlão, com tantos problemas, as escolas de São Paulo cumprem apenas, “má e porcamente”, o papel básico de transmitir conhecimento.
“Falta uma educação mais abrangente, que prepare a criança e o jovem para o futuro profissional e promova o pleno desenvolvimento de sua cidadania. Infelizmente, parece que isso não é muito importante para os tucanos”, conclui.
Fonte: Portal do PT